17/05/2025
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Almanaque Português

  • outubro 10, 2024
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Almanaques existem há séculos. Difundiu-se entre diversos povos, e através do oriente médio, pelos povos semitas, chegou a Europa, atravessou o oceano e criou raízes também no Brasil,

Almanaque Português
Em tempos de cultura digital o Almanaque Português também pode ser um aliado para desvendar os segredos da agricultura no ciberespaço como observa Blanchard, com relação ao jogo pela internet, “Farmville” da Zynga, disponibilizado pela rede social Facebook.

Nas palavras da autora Regina Cunha:
A contribuição deste estudo é trazer o almanaque de cordel para o espaço dialógico interdisciplinar dos estudos culturais e comunicacionais. Este artigo revisa a história do almanaque, cuja narrativa mescla saber científico e saber popular, artefato da cultura com os pés na tradicionalidade do homem do campo e a cabeça na contemporaneidade do homem da cidade.

O estudo historiográfico aliado à teoria da Folkcomunicação (Beltrão) revela as formas pelas quais as pessoas experienciam e dão sentido às práticas comunicacionais, distinguem o passado e identificam a cultura. Os almanaques portugueses, “O Seringador” e “O Borda D’Água”, formam o corpus empírico – “objetos folkcomunicacional, do gênero visual, formato impresso, tipo almanaque de cordel” (Marques de Melo, 2005).

Podemos considerar que o almanaque na época de sua criação, em Portugal, foi moldado pela imposição do gosto de quem detinha o poder do capital econômico – os donos das impressoras – financiados pelos agentes sociais que assinavam e se comprometiam em adquirir aquela produção simbólica (Bourdieu), que através do senso comum evocava a identidade lusófona, esteio de uma tradição cultural que seduz e perpassa gerações de portugueses.

Depois do rolê pelas ruas da cidade do Porto, talvez o cálido ancoradouro medieval, cujas águas se misturam com o frio do Atlântico Norte, Regina, atenta, cantarola Chico Buarque.  Vamos de mãos dadas entre cheiros e sabores de pastéis de Belém e bolinhos de bacalhau, encantados com o burburinho, as cores e a decoração local que conformam o mix ‘lusitano’ antigo, diverso em cultura e espírito.

Porém, não confunda. Seringueiro é o cabra comum da Amazônia brasileira, trabalhador rural que recorta da casca das árvores seringueiras atrás do látex, líquido gosmento que dá liga. Depois de aquecido na temperatura certa resulta e endurece como borracha natural.

Um produto que ajudou a erguer a Ford e fez o mundo e as fortunas rodarem mais rápido, para alguns. Lógico, também acrescentou (des)conforto e poluição à sanha humana.

O almanaque de cordel, o composto literário misto ciência/folclore atrai e encanta leitores há séculos. Leva-os por viagens informativas plenas de conhecimento sobre agricultura, clima, medicação, piadas e conversas leves entre receitas e mesinhas, dicas úteis sobre pesca e astrologia. É um “fenômeno comunicacional”, segundo Regina, que também se debruça em estudos sobre o “Borda D’agua” um ‘concorrente’ mais novo, com quase 90 anos de publicação ininterrupta, como o anterior, portanto, 60 anos os separam.

Pelo mundo, Portugal e Brasil

As origens, entretanto, parecem ser as mesmas. A ideia de cordel, também encontrada no formato literário brasileiro, principalmente no nordeste do país, revelam uma vontade necessidade de se comunicar, de informar, de traduzir conhecimentos que avancem além da comunicação oral. Dar materialidade às falas e ideias garante que estas avancem, inclusive no tempo, para além das postagens ao vento. Viva o papel! Penduradas em cordames e as vezes pregadas em postes ou nas árvores as margens dos rios, davam ao caminhante, ao navegador um gps razoavelmente seguro. Ainda o fazem.

Mas, não se enganem leitores, não são balelas, conversas fiadas. A pesquisadora descobriu que há muito de científico nestas informações, como nos deixa saber o texto que ela publicou na Academia.Edu. Sua pesquisa revela uma enorme quantidade de forças e poderes mágicos que emanam desta forma de comunicação simples, direta, sem frescuras e objetivamente saudável. “O tempo criou o almanaque para que as pessoas pudessem compreendê-lo…o tempo inventou o almanaque; compôs um simples livro, seco, sem margens, sem nada; tão somente os dias, as semanas, os meses, os anos.” (Machado de Assis).

Relevância intransigente

Também Ariano Suassuna trouxe contribuição ao gênero, confiando-lhe cada vez mais substância e conteúdo. Seu “Almanaque Armorial Brasileiro” foi assim descrito no posfácio: “O almanaque como gênero, recusa-se àquelas friezas intelectuais, celebralistas e isoladoras, e é, no mundo contemporâneo, um dos últimos herdeiros do humanismo; da posição daqueles que procuravam ser fiéis, ao mesmo tempo, ao conhecimento e à beleza; à filosofia e à poesia; à ciência e à arte; ao claro real e ao enigma sombrio; ao cotidiano e ao sonho; a tudo o que se entrega à reflexão consciente, mas também ao que nos inquieta nas escuras profundezas do inconsciente.”

Se isto não te convencer da importância popular, da qualidade do produto e da pesquisa que Regina Cunha realizou para resgatar esta preciosidade literária-comunicacional, sobrevivente a enxurrada tecnológica da contemporaneidade, então leia o artigo na sua íntegra. Para quem entende, uma folha seca no asfalto pode ser um mapa iluminado. Siga o caminho.

Regina Cunha – Doutoranda em Comunicação: Tecnologia, Cultura e Sociedade
Fundação Ciência e Tecnologia de Portugal

 

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