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Consumo de Carne – Desmatamento e Destruição

Relatórios de diversos institutos apontam que o consumo mundial da carne brasileira ‘alimentam’ o desmatamento e a destruição. O quanto estamos dispostos a pagar pela nossa obsessão por carne? Siga os links.

Monica Piccinini

Londres, 31/10/2022.

6 Minutos.

À medida que a população mundial continua a crescer e com previsão de chegar a quase 10 bilhões em 2050, o consumo mundial de carne está aumentando. De acordo com um estudo publicado pela Science, entre 90% e 99% de todo o desmatamento nos trópicos é causado direta ou indiretamente pelo agronegócio.

https://www.un.org/development/desa/pd/sites/www.un.org.development.desa.pd/files/wpp2022_press_release.pdf

https://www.sciencedaily.com/releases/2022/09/220908172312.htm

A pecuária é o principal fator de desmatamento na floresta amazônica e um fator-chave não apenas nas emissões de CO2, cerca de 14,5% de todas as emissões globais de GEE induzidas pelo homem, mas também de metano.

https://www.mdpi.com/2071-1050/10/4/989/htm

De acordo com o IPAM, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, as pastagens de gado ocupam 75% da área desmatada em terras públicas na Amazônia. O desmatamento da Amazônia e do Cerrado são os principais impulsionadores das emissões de CO2 do Brasil.

https://ipam.org.br/pastagem-ocupa-75-da-area-desmatada-em-terras-publicas-na-amazonia/

https://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/2022/10/220926-Monitor-Ra%C3%A7%C3%A3o-Animal-PT-07.pdf

“A ocupação é um fator de risco para o equilíbrio climático do planeta e também traz dois problemas para o setor pecuário: ilegalidade e mais emissões de gases de efeito estufa”, diz o pesquisador sênior do IPAM, Paulo Moutinho.

“Uma economia verdadeiramente de baixo carbono no Brasil precisa passar por uma análise abrangente do impacto das cadeias produtivas no agravamento do efeito estufa. Deixar essas emissões de lado não faz sentido quando temos uma emergência climática em andamento”, alerta Moutinho.

https://ipam.org.br/pastagem-ocupa-75-da-area-desmatada-em-terras-publicas-na-amazonia/

Um estudo recente do WWF descobriu que das 486 espécies ameaçadas de extinção na Amazônia e no Cerrado, 484 delas perderam parte de seu habitat em decorrência do desmatamento.

https://wwfbr.awsassets.panda.org/downloads/wwf_notatecnica_desmate_e_perda_de_especies_2021_ingles_v2.pdf

É justo dizer que não devemos apontar o dedo em uma única direção, quando você percebe que há um número significativo de investidores e apoiadores mundiais financiando o desmatamento na região. A cumplicidade deve ser compartilhada igualmente.

Com isso em mente, algumas questões fundamentais e essenciais devem ser respondidas; de quem é a culpa e quais ações efetivas podemos esperar que sejam tomadas por líderes mundiais, financistas, governos, corporações e o público em geral?

Gigantes da Carne – mais do que uma crise econômica, é uma crise ética.

JBS, Marfrig e Minerva são os maiores processadores e exportadores de carnes do Brasil, abastecendo cadeias de alimentos e supermercados no Brasil e no mundo.

A JBS é a maior processadora de carnes (bovina, suína, ovina e de aves) do mundo e com a maior pegada climática. Tem receita de US$ 76 bilhões, emprega mais de 250.000 pessoas em todo o mundo e tem mais de 70 marcas e clientes em 190 países, incluindo Swift, Pilgrim’s Pride, Moy Park, Certified Angus Beef, Gold Kist, Oak Crown, Moyer, Clear River Farms , Geo e muito mais.

Consumo de Carne - Desmatamento e Destruição
Grandes financiadores internacionais da carne bovina no mundo. (Img. WEB)

Em 2021, a maior parte do faturamento da empresa foi feita nos Estados Unidos (51%), Ásia (15%), Brasil (12%) e Europa (7%), e a maior parte de suas exportações em 2020 foi para a China ( 27,2%).

https://www.mightyearth.org/wp-content/uploads/JBS-report-V11-1.pdf

A empresa está associada a fornecedores ligados ao desmatamento, poluição, trabalho escravo, incêndios, propina, grilagem e invasão de terras indígenas, áreas protegidas e reservas.

De acordo com um relatório da Mighty Earth, The Boys from Brazil, JBS, Marfrig e Minerva afirmam que não podem rastrear seu gado através de sua cadeia de suprimentos e eliminar o gado vinculado a áreas de desmatamento.

https://www.mightyearth.org/wp-content/uploads/JBS-report-V11-1.pdf 

[N.E.: Básicas: Parece difícil conciliar interesses econômicos, milhares de empregos e sustentabilidade ambiental. Mas, a questão é relativamente simples: certificar a origem da carne com base nas orientações de uso do solo adequadas, controle – contrárias às áreas desmatadas e irregularidades. Isto significa fiscalizar (geração de novos empregos em diversos níveis públicos e privados), por órgãos oficiais e respeitáveis como políticas de Estado e os  conselhos administrativos privados que se adequem às normativas:  ANVISA, Ibama, ICMbios, IPAM, SUS, Embrapa, WWF, MPF, PF e outras siglas consorciadas à fiscalização da qualidade alimentar]

A JBS tem sido acusada de “lavagem de gado”, o transporte de gado de fazenda em fazenda para esconder suas origens ilegais. O processo é complicado e difícil de acompanhar. O gado é criado onde ocorre o desmatamento, transferido para outras propriedades, onde é criado até a adolescência e depois levado para fazendas de “engorda”. O gado é então transferido para plantas de processamento onde são abatidos e preparados para serem embarcados/exportados.

Consumo de Carne - Desmatamento e Destruição
Esquema de criação e ‘lavagem’ de bois nos pastos desmatados. (Img. WWF)

https://www.greenpeace.org/international/story/43497/meat-deforestation-amazon-protected-illegal/

“Em sua divulgação de emissões e sua meta de alvo zero para 2040, a JBS não assume a responsabilidade por cerca de 97% de sua pegada de emissões, ao negligenciar as emissões de fazendas e confinamentos que não são de propriedade da JBS e as emissões relacionadas ao desmatamento.

A empresa planeja continuar o crescimento em uma indústria de emissão intensiva de GEE; não encontramos evidências de nenhuma medida profunda de descarbonização planejada”, foi relatado na avaliação do Monitor de Responsabilidade Climática Corporativa 2022 (página 84).

https://newclimate.org/sites/default/files/2022-06/CorporateClimateResponsibilityMonitor2022.pdf

“Ao invés de fazer barulho sobre ser transparente sobre suas cadeias de suprimentos e emissões, por que a JBS não divulga seus dados mais recentes? É hora da JBS esclarecer seus números globais de abate, para que possamos determinar com precisão a escala de sua pegada climática”, disse Gemma Hoskins, diretora da Mighty Earth no Reino Unido.

https://www.thegrocer.co.uk/sourcing/jbs-and-environmentalists-trade-blows-again-over-slaughter-numbers-and-deforestation/670811.article

Incêndios na Amazônia e Cerrado não são eventos naturais; eles geralmente começam intencionalmente, para limpar a terra para pastagem, extração ilegal de madeira e grileiros, ou para cultivar ração animal. Em setembro, a Agência Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil, INPE, registrou 41.282 incêndios na floresta amazônica, o número mais alto desde 2010.

http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/dashboard/fires/biomes/aggregated/

A Lista Negra

Há um número substancial de investidores e apoiadores envolvidos no financiamento, direta ou indiretamente, do desmatamento da floresta amazônica e das regiões do Cerrado.

Uma investigação divulgada em junho pela Global Witness revelou que um fornecedor da JBS, a dinastia Seronni, estaria envolvida em uma série de abusos de direitos humanos, incluindo o uso de trabalho escravo, desmatamento, grilagem de terras e lavagem de gado por mais de uma década. A riqueza dos Seronni’s foi conquistada às custas do desmatamento da Amazônia, bem como da exploração do trabalho escravo.

https://www.globalwitness.org/en/campaigns/forests/cash-cow/

O Grupo Mastrotto, grande produtor italiano de couros e estofados para as indústrias de vestuário, calçados, empresas automotiva e náutica, também foi identificado como importador do couro da JBS ligado ao desmatamento da Amazônia. A Mastrotto é fornecedora do Grupo Volkswagen, proprietário da Audi, Bentley, Bugatti, Lamborghini, Porsche, Seat e Skoda. Outros clientes incluem Toyota e Ikea.

A indústria da carne não seria capaz de operar sem o apoio das finanças internacionais. Os financiadores do Reino Unido, UE e EUA continuam a canalizar bilhões para a JBS, Marfrig e Minerva, incluindo Barclays, BNP Paribas, Deutsche Bank, Dimensional Fund Advisors Group, Fidelity Management, HSBC, JP Morgan, BlackRock, Santander, Vanguard Group e muito mais.

https://forestsandfinance.org/

https://www.globalwitness.org/en/campaigns/forests/cash-cow/

https://friendsoftheearth.eu/publication/how-european-banks-are-funding-an-eco-disaster/

O banco francês BNP Paribas recebeu recentemente uma notificação formal de ONGs por financiar a gigante brasileira de carne bovina Marfrig, implicada em desmatamento ilegal, violações de direitos de terras indígenas e trabalho escravo.

https://reporterbrasil.org.br/2022/10/maior-banco-da-franca-e-denunciado-por-financiar-crimes-socioambientais-na-amazonia/

https://forestsandfinance.org/news/bnp-paribas-warned-over-role-in-financing-deforestation-and-rights-violations/

“Os bancos não podem mais fingir que não sabem que seus financiamentos e investimentos alimentam o desmatamento e o caos climático”, disse Jérémie Suissa, diretora da organização francesa Notre Affaire à Tous.

https://reporterbrasil.org.br/2022/10/maior-banco-da-franca-e-denunciado-por-financiar-crimes-socioambientais-na-amazonia/

Os dados comerciais acessados ​​pela Global Witness também revelaram que somente em 2020, a JBS exportou produtos de carne bovina para 160 empresas na Europa, 30% foram para o Reino Unido.

Supermercados na Europa, Estados Unidos e Reino Unido são responsáveis ​​pela venda de produtos ligados ao desmatamento da Amazônia e do Cerrado, including Aldi, Asda, Carrefour, Costco, Islândia, Morrisons, M&S, Tesco e Walmart, entre outros.

https://www.globalwitness.org/en/campaigns/forests/cash-cow/

As empresas de serviços de alimentação também são responsáveis ​​pela venda de produtos com e sem marca provenientes de áreas desmatadas nas regiões da Amazônia e do Cerrado. Eles incluem Burger King, KFC, McDonald’s, Nando’s, Outback Steakhouse, Pizza Hut, Subway, Wendy’s e muitos mais.

https://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/2022/03/220309-Monitor-McDonalds-EN-13.pdf

https://www.mightyearth.org/wp-content/uploads/JBS-report-V11-1.pdf

https://www.bloomberg.com/news/articles/2022-03-30/mcdonald-s-linked-to-amazon-deforestation-in-new-report?leadSource=uverify%20wall

De acordo com um relatório do Repórter Brasil, McDonald’s: A Pegada de um Gigante, a cadeia de suprimentos do McDonald’s está exposta a vários riscos de violações relacionadas à realidade rural do Brasil. Desmatamento, trabalho escravo, violação das leis trabalhistas e danos às comunidades tradicionais fazem parte dos riscos direta ou indiretamente ligados à rede que abastece seus restaurantes.

https://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/2022/03/220309-Monitor-McDonalds-EN-13.pdf

Um Apelo Final
Consumo de Carne - Desmatamento e Destruição
Desmatamentos ilegais criminosos para geração de pastos tem de ser combatidos por todos. (Img Web)

A realidade é que não podemos continuar fazendo negócios como de costume e devemos agir imediatamente, pois as consequências são muito grandes para o nosso planeta e as próximas gerações, algumas delas já irreversíveis.

ONGs, pesquisadores, cientistas e especialistas propuseram várias recomendações e soluções para o problema, mas os responsáveis ​​pelo desmatamento e degradação da floresta amazônica e do Cerrado as ignoram constantemente.

Algumas das recomendações de várias ONGs, incluindo Mighty Earth e Global Witness, descritas abaixo:

https://www.mightyearth.org/wp-content/uploads/JBS-report-V11-1.pdf

https://www.globalwitness.org/en/press-releases/banks-and-financiers-back-beef-giant-jbs-tune-almost-1bn-despite-links-widespread-deforestation-land-grabbing-and-slave-labour-amazon-tainted-beef-and-leather-entering-british-and-european-markets/

  • Os governos devem introduzir legislação exigindo que as empresas identifiquem, previnam, mitiguem e relatem os riscos de desmatamento e direitos humanos, abordando o papel dos produtos importados que impulsionam o desmatamento globalmente.

  • Investidores, bancos e financiadores devem desinvestir da JBS, Marfrig e Minerva e suas controladas excluindo-os de seus fundos de investimento e carteiras de títulos.

  • Supermercados, varejistas e empresas de food service devem deixar essas empresas como fornecedoras de carne.

  • O governo brasileiro deve alienar todos os financiamentos para essas empresas através do banco de desenvolvimento BNDES, deve introduzir regras aplicáveis ​​contra o desmatamento e introduzir limites regulatórios rígidos para as emissões de metano de mega e fazendas industriais.

  • JBS, Marfrig e Minerva devem divulgar integralmente suas emissões diretas e indiretas, incluindo dióxido de carbono e metano, e permitir que um terceiro independente verifique as declarações de emissões de sua empresa.

Carlos Nobre, renomado cientista brasileiro, que passou as últimas quatro décadas se dedicando à pesquisas estudando a floresta amazônica e seus impactos no sistema terrestre, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2007, tem uma mensagem para a comunidade internacional:

https://monicapiccinini.com/2022/06/13/deforestation-of-the-amazon-rainforest-possible-solutions-economic-prospects-and-the-scientist-behind-it-carlos-nobre/

“O consumo responsável é fundamental. A comunidade internacional deve continuar desempenhando um papel importante no consumo sustentável e não comprar nenhum produto proveniente de áreas desmatadas.”

Uma mensagem final de Lucas Ferrante, ecologista e pesquisador brasileiro que publicou vários estudos sobre a floresta amazônica e o Cerrado:

https://monicapiccinini.com/2022/10/10/br-319-a-threat-to-the-survival-of-the-amazon-rainforest/

“Os países que importam commodities do Brasil precisam rever seus acordos comerciais, principalmente de carnes, soja, minérios, biocombustíveis e agora petróleo e seus derivados que vêm da Amazônia. O agronegócio brasileiro tornou-se uma ameaça à Amazônia, aos povos tradicionais e ao clima global.”

Estamos enfrentando vários desafios pela frente, nenhum deles simples de se resolver, exigindo total transparência, boa vontade e poder para que se possa fazer mudanças essenciais e efetivas que criarão um impacto positivo e significativo no futuro do nosso planeta e da humanidade.

Não podemos mais fechar os olhos para essas questões, pois o resultado de nossa inação afetará profundamente o futuro de nossos filhos!

Monica Piccinini (Blog)
Jornalista ambiental e colaboradora da Revista AEscolaLegal em Londres – Inglaterra

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Redação

ÆscolaLegal é um esforço coletivo de profissionais interessados em resgatar princípios básicos da Educação e traduzir informações sobre o universo multi e transdisciplinar que a envolve, com foco crescente em Educação 4.0 e além, Tecnologia/Inovação, Sustentabilidade, Ciências e Cultura Sistêmica. Publisher: Volmer Silva do Rêgo - MTb16640-85 SP - ABI 2264/SP