Educação e Tecnologia
- abril 16, 2024
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A Educação ao usas de tecnologias para tornar-se instrumento político de dominação e distorcer a percepção das pessoas sobre a realidade, ela torna-se um perigo. Corremos este risco?
A Educação ao usas de tecnologias para tornar-se instrumento político de dominação e distorcer a percepção das pessoas sobre a realidade, ela torna-se um perigo. Corremos este risco?
A relação entre a educação e a técnica é tão antiga quanto o aparecimento da espécie humana. No entanto, o debate em torno desse vínculo vem assumindo enorme relevância depois do crescimento de nossa consciência e interesse pelos efeitos da tecnologia na educação, hoje no seu estágio mais avançado.
Inaugura-se aqui um série de artigos sobre a questão. Acompanhem.
Genivaldo Monteiro e
Jacqueline Quaresemin
São Paulo, 16/04/2024
3 Minutos.
Apesar da longevidade que envolve a relação entre técnica e educação, é no século XV, no início da chamada modernidade, que se intensificam a presença e influência da tecnologia nos processos formativos. Com o desenvolvimento da imprensa gutemberguiana (entre os anos de 1439 e 1440), inicia-se a consequente popularização da leitura e da escrita e da expansão do acesso aos livros.
Portanto, a partir daí a defesa pela universalização do ingresso nas instituições escolares assume relevância social e política.
Após esse evento que Marie J. A. N. de Condorcet (1743-1794), um dos importantes pensadores iluministas, viu no movimento oriundo da imprensa de Gutemberg, não só a chave para educação de sua época, mas uma condição necessária para ampliação da participação política, portanto, para a renovação da esfera pública.
No seu Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano, nos diz o autor: “Essa instrução, que cada homem pode receber pelos livros no silêncio e na solidão, não pode ser universalmente corrompida: basta que exista um canto de terra livre, onde a imprensa possa preencher suas folhas“. (Condorcet, 1993, p. 112).
Contudo, antes desse período, já no século XVII, Juan Amós Comênius (1592-1670) atribuira valor pedagógico à invenção de Gutemberg. Ele introduz o uso do livro didático na sala de aula. Ele estende, assim, o papel da leitura e da escrita para além dos espaços restritos aos leitores/as adultos/as.
No entanto, ainda no mesmo século também (em 1650) , segundo Wilson e Innes (2010) que o uso de outras tecnologias no âmbito educacional visavam não à formação política e a emancipação almejadas por Condorcet. Contrariamente apontavam para a submissão e a disciplina dos corpos, imprimindo na escola a dúvida secular sobre a sua real finalidade: produzir a opressão ou a autonomia?
Um exemplo material dessa primeira função da técnica na educação vigente na época, reside no uso de instrumentos para fins punitivos e violentos, a exemplo do hornbook. Esse recurso escolar consistia na fixação de um texto escrito (geralmente, o alfabeto) na superfície de uma tábua de madeira. Sua dupla finalidade era: conduzir o processo de alfabetização e a realização do castigo físico (com o uso violento desse instrumento) para aqueles/as que não conseguissem aprender (memorizar) a lição.
Como se vê, a inserção dos recursos tecnológicos no âmbito da educação já apontava, em séculos passados, para uma histórica dicotomia: ora a técnica era aplicada em favor da formação cidadã (no caso de Condorcet) ora ela servia como instrumento para submeter os indivíduos aos métodos e conteúdos ensinados, através de punições.
Desde então, pendulando entre os ideais de ‘emancipação’ e ‘submissão’, é dessa forma que vem sendo concebida a recorrente relação entre técnica e educação.
Entretanto, chegado o século XXI, as inovações tecnológicas e seus efeitos educacionais vêm suscitando intensas discussões sobre os benefícios e prejuízos provocados pela tecnologia na formação humana. Partindo dessa condição, o intento das próximas publicações será o de refletir sobre as questões e temas envolvidos nesse antigo dilema.
Assim sendo, os textos que seguirão a esta pequena introdução, cuidarão de abordar a relação mencionada, considerando seus efeitos diversos no cenário tecnológico do século XXI. Seus propósitos compreenderão em levantar algumas reflexões sobre essa relação, destacando suas consequências diversas.
O argumento que transpassará os próximos textos de nossa autoria, pode ser assim resumido: o estágio da técnica no qual nos encontramos vem afetando os pressupostos que embasam boa parte de nossas práticas, a exemplo da educação.
Assim, para pensar o fenômeno educativo contemporâneo é indispensável uma reflexão sobre as possíveis implicações éticas, políticas, epistemológicas, sociais e antropológicas da nossa téchne, na formação humana.
Implicações éticas: porque, ao sermos provocados/as pelos dilemas levantados pela engenharia genética, inteligência artificial e biotecnologia, indagamo-nos sobre os limites de nossas ações, mediadas pela tecnologia, frente ao sentido e ao destino da vida humana, dos demais seres e do mundo que habitamos;
Implicações políticas: porque as decisões sobre o destino da coletividade, hoje, não são mais exclusividades dos seres humanos, tendo, também, enorme interferência e mediação de outros ‘atores’ não-humanos – redes digitais, algoritmos etc. (Latour, 2012);
Epistemológicas: pois as tecnologias contemporâneas vem alterando o significado do ensino, da aprendizagem, da ciência e do conhecimento em geral;
Sociais: uma vez que as formas de sociabilidade do século XXI não podem desconsiderar a tecnologia como componente inquestionável dos processos de interação e comunicação, constituindo-se enquanto um modo da vida sociotécnico.
Finalmente, antropológicas: pois, essas transformações vêm afetando as atribuições, habilidades e a identidade humana.
Portanto, e a assim distribuídas, tais ‘consequências’ serão tomadas como tópicos centrais dos próximos textos, servindo, portanto, como elenco e roteiro das questões que propomos discutir.
Para tanto, eles serão apresentados nas próximas edições desta seção, na revista AEscolaLegal, separadamente. Para cada um deles, dedicaremos dois ou mais textos, a depender da necessidade e urgência temática.
Profº Dr Genivaldo Monteiro – Professor de Filosofia da Educação na UFPB
Profª. Jacqueline Quaresemin – Mestra Historiadora – Pesquisadora – UFRGS
Referências
CONDORCET, Jean A. N. de C. M. Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano. Campinas, SP: Unicamp, 1993.
LATOUR, Bruno. Reagregando o social: uma introdução à teoria Ator-Rede. Tradução de Gilson César Cardoso de Sousa. Salvador: Edufba; Bauru: Edusc, 2012.
WILSON, Charles; INNES, Benjamin. The learning machines. New York Times. set., 2010. Disponível em: https://archive.nytimes.com/query.nytimes.com/gst/fullpage-9403E2DE153BF93AA2575AC0A9669D8B63.html Acesso em: 02/04/2024.