Empresas adoecem. Comunicação cura.
- julho 15, 2020
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Contagiar ou contaminar: a escolha é sua. Temos pouco controle sobre o que nos atinge, mas podemos escolher como agir e reagir a cada instante. Você está consciente
Contagiar ou contaminar: a escolha é sua. Temos pouco controle sobre o que nos atinge, mas podemos escolher como agir e reagir a cada instante. Você está consciente
Verdade seja dita, empresas já viviam em ambientes contaminados e tóxicos muito antes da chegada do coronavírus.
São Paulo, 15/07 de 2020.
Vania Bueno
4 Minutos
Há farta evidência de que líderes pouco empáticos, falta de confiança, distanciamento em silos e competição exacerbada, são ‘viroses relacionais’ que comprometem a ‘saúde’ das organizações. As empresas adoecem. A comunicação cura.
É comum que problemas de comunicação apareçam como enfermidade crônica, com conflitos e incivilidades que passam a fazer parte da cultura e da rotina.
Neste quadro já conhecido, o coronavírus surge como um sério agravante: a acomodação, ainda que desconfortável, dos relacionamentos cotidianos, foi atropelada por dinâmicas extremas e inesperadas impostas pelo estado de calamidade. Mudanças estruturais, no espaço físico, nas relações e nos processos são uma dose cavalar de incerteza, medo e estresse.
Sob pressão, somos ainda mais impulsivos e desatentos à forma como agimos e reagimos. Na ‘rede peão’ informações também viralizam e podem criar ou aprofundar sérias barreiras e conflitos.
A transparência digital revela pressupostos, julgamentos e preconceitos, inconscientes ou dissimulados, podendo transformar pequenos desentendimentos em grandes crises, o que compromete a tomada de decisão, a produtividade e os resultados.
É preciso considerar e assumir que misturar, sem aviso prévio, vida pessoal e profissional, pode ser uma intervenção de altíssimo impacto e risco, que muitos estão vivendo e nem sempre dando conta. Noções de espaço, privacidade, autonomia, tarefas e até de identidade estão sendo sacudidas.
Soube de jovens, vivendo a experiência do primeiro emprego, que voltaram a dormir com os pais. Casais à margem da separação. Amigos temendo obesidade ou alcoolismo. Outros, em contrapartida, revitalizaram o convívio com a família, estão mais saudáveis e felizes em seus cantos.
Alguns chegam a sentir culpa, tamanho é o bem-estar que estão experimentando. Isso tudo revela que quando incluímos a dimensão emocional, fica mais fácil perceber o verdadeiro sentido de diversidade: para além do gênero, idade, etnia ou classe social, cada um é um.
Vivemos, individual e coletivamente, novas formas de ser, pensar e estar, em condições e necessidades peculiares para sobreviver, interagir e produzir. Imersos em instabilidade, a comunicação é a única forma de compartilhar nossas singularidades.
O alerta é para o fato de que essa habilidade humana pode ser usada tanto para confundir, oprimir e manipular, quanto para alimentar empatia, aprender, colaborar e evoluir. Com comunicação tecemos acordos ou alimentamos discórdias.
Se comunicação é sinônimo de comportamento, então é impossível não se comunicar. Quer queira, quer não, cada um se comunica o tempo todo. Sabe aquele silêncio que fala mais que o discurso? A ausência que grita? Palavras, gestos, preferências, tudo comunica.
Repare o quanto um olhar pode acabar com o seu dia. E como um abraço ou um elogio podem se tornar inesquecíveis. Aquele jeito que inspira confiança. A simpatia que abre portas. A violência que domina e desqualifica. Todas essas percepções fluem na comunicação.
Ação e significado. É na escolha, consciente ou não, de cada palavra e gesto – dado ou recebido – que tecemos a narrativa da convivência. Com mais ou menos harmonia.
Boa parte de nós passa a maior parte do tempo envolvido com o trabalho, interagindo com gente mais ou menos conhecida, vindas de diferentes contextos e influências particulares. Na rede global, outras línguas, valores e hábitos. Formas de ver o mundo mais ou menos inclusivas.
Na conturbação, o impacto da comunicação e se torna ainda mais evidente, para o bem e para mal. A conexão virtual diminui drasticamente a possibilidade de leitura e compreensão da linguagem não verbal, dos gestos, do olhar e da intenção.
Limitados a palavras distantes, e muita vezes apressadas, ficamos à mercê de mal-entendidos, conflitos e confusões que podem tornar mais complicada a convivência que já é complexa. Por isso cuidar da qualidade da comunicação agora é mais estratégico e essencial do que nunca.
Em meio à tempestade escura esperamos por uma luz que indique o caminho. Líderes têm esse papel essencial e precisam praticar formas de comunicação que gerem confiança e ofereçam suporte para que grandes adaptações aconteçam com rapidez e eficiência.
Cabe à cada um da equipe, no entanto, estar mais atento, aberto e compassivo nesse processo para que haja compreensão mútua. Isso vale também para as interações entre as empresas e todos os seus públicos. Relacionamentos são sempre processos de corresponsabilidade.
Relações tóxicas, geralmente, são consequência de fluxos de comunicação contaminados. Isso vale para a vida pessoal e profissional. Aplicando a analogia da hora: assim como hoje precisamos ter cuidado dobrado com os alimentos que recebemos e compartilhamos, também é possível fazer uma dieta de comunicação, avaliando com cuidado o cardápio que consumimos e oferecemos. Algumas reflexões como contribuição:
Você tem conversado com você? Reserva algum tempo para se perguntar com está se sentindo, o que precisa e com o que pode contribuir? Como anda a saúde das suas relações? E a qualidade dos seus pensamentos? O que pode fazer para melhorar os relacionamentos que importam?
Buscar aprendizado e novas práticas são o caminho para nos libertarmos de padrões de comportamento que não nos servem mais. A pandemia pode ser uma excelente razão para assumir sua mais nova versão. Deixar o que não serve, abrir espaço para o novo.
Conflitos internos são parte do processo de amadurecimento, mas quando não cuidados ou mal resolvidos, aparecem quando menos esperamos e colocam tudo a perder. Se a conversa comigo mesmo é crítica e tóxica – “não faço nada direito, estou gorda, não vou conseguir. Eles estão contra mim.” – o que terei para oferecer ao outro? Toxina.
Quando reconheço meus talentos e virtudes e desejo, sinceramente, fazer melhor o que não deu certo, posso me sentir melhor e também ter mais compaixão por mim e pelo outro. A gente só dá aquilo que tem.
Aprimore seu abastecimento. Quais são os critérios que você utiliza para definir o que deve ou não abastecer seus pensamentos e sentimentos? A tecnologia da comunicação nos coloca no centro do mundo, como uma imensa ‘feira’ de informações. A oferta é enorme e os riscos também.
Fake News, movimentos preconceituosos, separatistas e violentos, estão consolidando posições cada vez mais extremistas e nocivas. Nem tudo o que oferecem, você precisa ingerir.
Assim escolhemos fornecedores, limpamos embalagens e desinfetamos produtos antes de estocá-los ou consumi-los, é responsabilidade de cada um checar a procedência, a validade e a qualidade daquilo que define nossos pontos de vista.
Hora de rever referências e assumir a responsabilidade de resgatar valores e, a partir deles, fazer assepsia de tudo o alimenta nossas crenças e atitudes. Importante lembrar que hoje temos um poder que não tínhamos antes – criar, editar e distribuir informações – mas que isso resulta também em responsabilidade.
Temos pouco controle sobre o que nos atinge, mas podemos escolher como agir e reagir a cada instante. Você está consciente do que anda colocando no ‘prato’ do outro? Em culturas tóxicas é comum que a contaminação seja rápida e abrangente. É frequente que um grupo harmonioso e produtivo, perca essas qualidades com a presença de uma pessoa tóxica.
A tendência inconsciente é reproduzir comportamentos indesejáveis que não sejam corrigidos. Aquela conhecida imagem da maçã estragada que compromete a caixa toda. “Se ele não me escuta, não falo mais com ele. Aqui ninguém confia em ninguém, nada acontece. Não adianta tentar.”
Da mesma forma, a presença de pessoas positivas pode contagiar a convivência na direção inversa, do bem-estar, da camaradagem e da compreensão mútua. Por isso é tão importante cuidar da qualidade de cada ação e reação. Ao receber uma mensagem de difícil digestão, que tal uma pausa para refletir? Respondo agora ou deixo para amanhã cedo?
Será que esta é a melhor palavra para usar aqui? Preciso mesmo fazer esta observação ou copiar esta pessoa? Será que de fato ele teve a intenção de me ofender? Qual é a minha verdadeira motivação nesta resposta?
Um ponto de partida importante é tentar separar fatos de pessoas e resistir a julgamentos superficiais e impetuosos. Troque o “você é” por “aquilo que você fez”. O “ele sempre ou ela nunca” por “nós naquele dia”. Já faz diferença. Um pouquinho aqui, outro ali, a gente pode ir aparando arestas, desmontando armadilhas. Estamos vivendo uma grande disrupção ao mesmo tempo. Cuidar da comunicação é uma forma de conspirar a favor.
Não tome, por favor, este texto como mais um sermão com receitas infalíveis para todos os males. Ele tem a pretensão de uma tentativa. Um convite para ‘dar-se conta.’ Perceber que recebemos e geramos impacto o tempo todo.
Mas, e se o outro não quiser ouvir ou compreender? Sempre recebo esta pergunta. Não temos poder sobre o outro e já é muito empenho cuidar de nós mesmos. Assuma e faça a sua parte. O exemplo continua sendo o melhor professor.
Vania Bueno – Comunicação – Desenvolvimento Organizacional