17/05/2025
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Entre a Abundância e a Escassez

  • dezembro 19, 2024
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O paradoxo dos recursos hídricos no Brasil Daniela Doms São Paulo, 19/12/20245.4 Minutos. A abundância dos recursos naturais é frequentemente vista como algo eterno e inabalável. Essa percepção, enraizada

Entre a Abundância e a Escassez

Daniela Doms

A abundância dos recursos naturais é frequentemente vista como algo eterno e inabalável. Essa percepção, enraizada em crenças culturais e reforçada por séculos de relação despreocupada com a natureza, tem levado muitos a negligenciar os sinais claros de esgotamento e desequilíbrio ambiental. Persistem ideias que subestimam os impactos das ações humanas sobre os recursos essenciais à vida, como a água, por exemplo.

Essa visão, fundamentada na ideia de que os recursos naturais estariam garantidos por forças divinas, ignora uma realidade crucial: embora a natureza seja generosa, as atividades humanas vêm comprometendo gravemente o equilíbrio ecológico. Esse desequilíbrio ameaça não apenas o meio ambiente, mas a própria sobrevivência da humanidade. E, apesar de ser parte integral da natureza, foi levada pela modernidade a acreditar, de forma ilusória, que dominá-la seria sinônimo de superioridade.

Parece que nossos governantes compartilham da mesma visão equivocada, ignorando a finitude e a fragilidade dos recursos naturais. Mesmo diante de evidências concretas e projeções científicas alarmantes, as iniciativas para preservar os recursos hídricos e promover a adaptação às mudanças climáticas permanecem insuficientes. Pesquisadores têm dedicado esforços significativos ao tema. Entretanto, ainda enfrentamos a ausência de políticas públicas eficazes que assegurem a segurança hídrica e a resiliência climática em nosso país.

Embora o Brasil seja reconhecido mundialmente por sua abundância em recursos hídricos, cerca de 60,9 milhões de pessoas vivem em cidades com baixa garantia de abastecimento de água. Estes são dados do segundo o Plano Nacional de Segurança Hídrica. Caso não haja avanços na gestão e uso sustentável deste recurso, esse número poderá saltar para 73,7 milhões até 2035. O uso indiscriminado da água e a falta de fiscalização agravam ainda mais essa situação crítica, exigindo ações imediatas e estruturadas.


AGRICULTURA E IRRIGAÇÃO

A irrigação agrícola é um dos principais fatores de pressão sobre os recursos hídricos no Brasil. Ela é responsável por 50% da retirada de água doce dos cursos d’água, conforme dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).  

No Estado de São Paulo, por exemplo, um estudo realizado por pesquisadores da UNESP de Ourinhos, na região da Bacia Hidrográfica do Rio Pardo, revelou um crescimento exponencial no uso de pivôs de irrigação. De apenas um pivô irrigando 26 hectares no ano 2000, para 60 pivôs irrigando mais de 2.700 hectares em 2021. Portanto, um aumento de mais de 100 vezes a extração de água.

Mapa do estado de São Paulo e localização do Aquífero Guarani (Img. USP)

Esse cenário reforça a necessidade urgente de planejamento e gestão eficiente dos recursos hídricos. Portanto, para garantir que o uso excessivo pela agricultura não comprometa o abastecimento de outras regiões que dependem da mesma bacia hidrográfica.

Embora a água seja vital para a segurança alimentar e a produção agrícola, incluindo as commodities que sustentam a balança comercial brasileira, é essencial que seu uso seja orientado por critérios de sustentabilidade.

Além disso, a água é um recurso indispensável para a geração de energia hidrelétrica, que ainda representa 60% da matriz energética nacional. Além disso, da sobrevivência de todas as formas de vida.

SECA E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Os desafios relacionados à seca são agravados por sua complexidade sistêmica e interconectada e afeta diversos setores, como agricultura, abastecimento de água, energia, ecossistemas e até mesmo a navegação. No Brasil, eventos recentes ilustram a gravidade da situação. O Rio Solimões registrou uma descida média de 10 cm por dia, enquanto os rios Amazonas, Negro e Madeira atingiram níveis historicamente baixos.

O fato afetou mais de 747 mil pessoas na Amazônia apenas neste ano. Esses impactos não se limitam ao âmbito local, uma vez que a Região Hidrográfica Amazônica é um eixo estratégico de transporte de cargas essenciais, cuja capacidade foi reduzida em até 50% pela seca.

No âmbito econômico, as secas figuram entre os riscos mais onerosos, causando perdas bilionárias anuais e afetando o desenvolvimento global, sobretudo no setor agrícola. No entanto, os custos indiretos – como os danos à saúde humana e aos ecossistemas – são frequentemente ignorados. Além disso, os impactos nos sistemas agrícolas de um país podem gerar insegurança alimentar em outros. Portanto, evidenciando a interconexão das economias e dos ecossistemas globais.

A necessidade urgente de ações conjuntas

Diante desse cenário, políticas públicas intersetoriais e ações proativas são cruciais. O Atlas Mundial da Seca, publicado pelas ONU, destaca a importância de integrar o conhecimento local às decisões políticas e de investir em tecnologias avançadas, como sistemas de monitoramento e previsão de riscos. Estratégias como a implementação de sistemas de alerta antecipado, práticas agrícolas inovadoras e o fortalecimento da cooperação internacional são fundamentais para promover a resiliência e reduzir vulnerabilidades.

Outro ponto importante são as alterações na mobilidade humana, como os migrantes climáticos. É evidente a natureza interconectada dos ecossistemas e das sociedades humanas e o efeito cascata gerado pelas mudanças climáticas. É urgente adotar abordagens abrangentes para entender, gerenciar e se adaptar a essa realidade.

Daniela DomsPesquisadora – Geografia ambiental – Ecofeminismo

REFERÊNCIAS – clique para acessar:

*Atlas Mundial da Seca –  
*Mudanças Na Paisagem Do Alto Curso Da Bacia Hidrográfica Do Rio Novo, São Paulo, Brasil E Impactos Sobre Os Recursos Hídricos –
*Agência Nacional De Águas (ANA), Impacto Da Mudança Climática Nos Recursos Hídricos Do Brasil –

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