15/06/2025
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Falência Sistemática da Profissão

  • abril 4, 2025
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Não é de hoje. Mas, há uma clara percepção que após o golpe civil-militar 1964 (acordo MEC/USAID – Brasil e EUA) o sitema educacional brasileiro entrou em uma

Falência Sistemática da Profissão

Não é de hoje. Mas, há uma clara percepção que após o golpe civil-militar 1964 (acordo MEC/USAID – Brasil e EUA) o sitema educacional brasileiro entrou em uma rota de colapso com espiral descendente. Um projeto de desmonte sistemático da capacidade crítica brasileira na escola e educação pública. A culpa nunca foi dos professores, mas de quem ocupou seu lugar…

As evidências são claras e incontornáveis: a profissão docente caminha, a passos largos, para a falência. Em 2018, o Brasil amargou a última posição no ranking global de status do professor, segundo levantamento da Varkey Foundation, publicado no portal G1.

Desde então, o cenário não só permanece crítico como se agravou, refletindo um projeto estrutural que desvaloriza quem ensina. Professores da educação básica seguem mal remunerados, expostos à violência e sem o mínimo de reconhecimento social ou condições materiais adequadas para exercer sua função.

Em 2025, mais de 79% dos professores disseram já ter pensado em abandonar a carreira, segundo reportagem da IstoÉ Dinheiro. É alarmante, mas não surpreende. Os motivos? Baixos salários, condições precárias, violência simbólica e física, invisibilidade política. De novo, não são apenas números: são sintomas de um projeto que naturaliza a desvalorização estrutural de quem educa.

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Os sinais estão por toda parte. Sou obrigado mais uma vez a insistir em minhas teses. No artigo “Sem rodeios: os professores ganham muito mal”, publicado no ICL Notícias em 13 de novembro de 2024, apontei o óbvio que o discurso oficial insiste em contornar. Ou seja, sem valorização real do trabalho docente, qualquer discurso sobre melhoria da educação é farsa. Não há dignidade possível na profissão que obriga seus profissionais a viverem em constante estresse financeiro, emocional e físico.

É nesse contexto que ONGs como Todos pela Educação, dentre outras, se tornam protagonistas do debate público. Ocupam espaços de formulação sem jamais pisarem no solo concreto das escolas públicas brasileiras e suas salas de aulas precárias. Recebem milhões, sem enfrentar o calor escaldante daqueles ambientes superlotados e nem o desprezo institucional que se tornou norma.

Em artigo recente (“A tragédia da superlotação nas escolas públicas brasileiras e o descaso com a educação”, no ICL em 18 de março de 2025), discuti o absurdo de crianças e professores confinados em salas com altas temperaturas, típicas de nosso verão — e ainda se espera que esses corpos suados e exaustos produzam excelência pedagógica.

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A falência da profissão docente não é fruto do acaso. É o desdobramento coerente de um sistema que, como bem analisou Michel Foucault, disciplina os corpos para garantir a manutenção da ordem social. Nesse modelo, a educação pública — e com ela seus principais agentes, professores e alunos — deve ser domesticada, não emancipada.

Quando um docente recusa essa lógica de submissão, ergue a voz, denuncia as contradições estruturais e propõe caminhos de transformação, torna-se alvo. Pode ser silenciado, transferido compulsoriamente para outra unidade no ano letivo seguinte ou, mais frequentemente, simplesmente ignorado pelo aparato burocrático que finge escutá-lo.

Paulo Freire perseverava na ideia de que ensinar é um ato político. A recusa em garantir salários decentes e condições básicas é, portanto, uma declaração política. Um ataque às possibilidades de emancipação que o ato educativo carrega.

Capitalismo sem capital – impossível.

Insisto, é preciso dizer com todas as letras: não há reconhecimento efetivo sem aumento salarial real. Esse foi o ponto central do artigo “Valorização dos professores sem aumento real de salário, é isso mesmo?” (ICL Notícias, 15 de janeiro de 2025). As promessas de reconhecimento, planos de carreira e bonificações condicionadas a metas absurdas são migalhas travestidas de política pública. Dignidade profissional que não aparece no contracheque é só propaganda.

Gramsci alertava para o papel dos intelectuais orgânicos na transformação social. Mas no Brasil de hoje, quem ainda escuta os professores — os verdadeiros intelectuais orgânicos da educação básica? As vozes autorizadas continuam sendo as dos “especialistas” de terno, das fundações empresariais e dos influencers educacionais que jamais pisaram em sala de aula num bairro periférico. A quem serve esse silenciamento?

Pierre Bourdieu demonstrou que a escola tende a reproduzir as estruturas de dominação social. Mas o que acontece quando o professor, peça central nesse processo, entra em colapso? Quando já não suporta, já não aguenta, já não encontra forças para continuar?

A Função de Cézar, seus Governadores e suas práticas

Um sistema que se alimenta da precariedade só pode se sustentar pela exploração e pela culpa. Se o aluno não aprende, a responsabilidade recai sobre o docente; se é bem-sucedido, as secretarias de Educação correm para capitalizar o feito na imprensa. Mas quem responsabiliza o Estado* por não oferecer sequer o mínimo necessário para o trabalho pedagógico acontecer?

Já em “Sala de aula, um lugar perigoso” (ICL Notícias, 22 de março de 2025), discutiu como a violência contra os professores se tornou banalizada. Não apenas as agressões físicas ou verbais, mas a violência institucional de ser jogado em contextos hostis, muitas vezes com turmas de mais de 40 alunos, sem ventilador, sem apoio, sem reconhecimento.

Isso não é acaso. É a expressão planejada de um modelo excludente.

O historiador Edward P. Thompson, que além de seus estudos sobre a formação cultural da classe operária inglesa foi também professor de trabalhadores adultos, ensinou-nos a compreender a classe a partir da experiência vivida. E a experiência dos professores brasileiros, hoje, é de angústia, esgotamento e abandono.

Espiral infernal – o conjunto da obra

A cada semestre, mais docentes adoecem. A cada ano, corremos o risco de talentos se afastarem da profissão. Muitos entram com licenças médicas, desgastados física e emocionalmente, o que desfalca ainda mais as escolas. A cada discurso oficial, acumula-se mais cinismo, travestido de reconhecimento. Em pesquisa intitulada Perfil e Desafios dos Professores da Educação Básica no Brasil, divulgada em 8 de maio de 2024 pelo Instituto Semesp e publicada na reportagem “Oito em cada dez professores já pensaram em desistir da carreira”, da IstoÉ Dinheiro, revelou que 79,4% dos docentes já consideraram abandonar a profissão.

O levantamento, realizado entre os dias 18 e 31 de março com 444 professores de todas as regiões do país, aponta como principais fatores o baixo retorno financeiro, a ausência de reconhecimento, a sobrecarga de trabalho e a violência escolar. Mais da metade dos entrevistados (52,3%) relataram ter sido vítimas de agressões verbais, intimidações, assédio moral, injúria racial e ameaças — muitas vezes praticadas por alunos, responsáveis e até colegas de trabalho.

Ainda assim, a matéria tende a revestir essa tragédia com possíveis elogios à “vocação” do professor. Ao exaltar a persistência individual (talvez “resiliência”), o texto apaga o papel do Estado e reforça a lógica meritocrática que isenta os responsáveis pelas políticas públicas.

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Não se trata de desconhecimento, mas de fidelidade ideológica: o capital, sobretudo o financeiro, não deseja professores pensantes, deseja técnicos obedientes. Não quer sujeitos críticos, mas “operários” silenciosos. Reduz a educação a um braço da produtividade, e a docência a um mecanismo de controle social.

A crise da profissão docente não é colateral — é central. E se nada for feito com urgência, não será apenas o professor que faltará à escola. Será a própria escola que deixará de cumprir seu papel civilizatório.

Valter Mattos da Costa – Professor de História – História Moderna e Contemporânea – Mestre em História Social pela UFF. Doutor em História Econômica pela USP. Editor da Dissemelhanças Editora.

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