Musicafinidades – Brasil/Cabo Verde
- abril 26, 2024
- 0
“Quem me ensinou a nadar... Foi os peixinhos do mar..." Daqui até Cabo Verde, na África, encontros musicais e culturais.
“Quem me ensinou a nadar... Foi os peixinhos do mar..." Daqui até Cabo Verde, na África, encontros musicais e culturais.
Praia, Cabo Verde, 26/04/2024
2,6 Minutos.
Os cabo-verdianos vêm gravando músicas brasileiras há décadas. Ao longo do tempo, o que fez sucesso no Brasil também fez em Cabo Verde. Dos alegres pagodes cariocas aos axés baianos, sem contar “o rei” Roberto Carlos e os temas da novela que estiver passando – sim, porque lá passam todas as novelas daqui.
Para se ter uma ideia do impacto da música brasileira naquelas ilhas, refira-se que a composição “Morango do Nordeste” (Walter de Afogados e Fernando Alves), gravada por vários artistas e grupos desde o fim dos anos 1980 e que foi um hit em 2000, com o grupo Karametade, foi escolhida para animar a campanhas eleitorais do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) em 2001. E naquele ano, esse partido elegeu tanto o presidente da República como o primeiro-ministro (este último é quem governa, já que em Cabo Verde o regime político é parlamentarista).
A escolha de “Morango do Nordeste” é reveladora do sucesso que a música já estava fazendo entre o público cabo-verdiano. Depois das eleições, ela continuou em alta, tendo sido gravada por um cantor de lá, Roger, em ritmo de zouk (música com origem nas Antilhas francesas, muito apreciada em Cabo Verde e gravada por muitos músicos de lá).
Mas já era assim cerca de meio século antes. Um célebre cantor cabo-verdiano, Fernando Quejas, ao começar a sua carreira, em Portugal, no fim da década de 1940, cantando em programas de calouros, interpretava vários temas brasileiros. Ele já os conhecera em Cabo Verde, antes de mudar-se para Portugal. Isso porque, na Rádio Clube de Cabo Verde, tocavam músicas brasileiras, captadas também do Brasil através das ondas curtas das rádios.
As vozes de Nelson Gonçalves, Orlando Silva e Sílvio Caldas, assim como os sambas de Ary Barroso, eram muito bem conhecidos. “A morna [gênero musical cabo-verdiano] e a música brasileira eram as nossas músicas”, afirmava Fernando Quejas.
Outro músico cabo-verdiano dessa época, Eddy Moreno, percorreu vários países apresentando-se como “artista afro-brasileiro”. Numa fotografia antiga reproduzida há anos num jornal, ele aparece tal e qual o clichê do malandro carioca, com uma camiseta listrada e um chapéu de palha de aba curta.
Outro aspecto curioso mostrando a sua ligação ao Brasil, é o fato de ter gravado, no seu único disco solo, uma composição intitulada “Solo B.Léza”, que provavelmente terá aprendido de ouvido, pelas cordas do violão do seu antigo companheiro B.Léza (um dos principais compositores de mornas de todos os tempos). Essa música é nada mais nada menos que o clássico “Odeon”, de Ernesto Nazareth.
Enquanto Fernando Quejas cantava em Lisboa e Eddy Moreno corria o mundo, em Cabo Verde, na cidade do Mindelo, ilha de São Vicente, uma rádio experimental fazia concursos para revelar novos talentos. Djosinha, que veio a se tornar também um nome muito conhecido da música cabo-verdiana, foi o vencedor de um dos concursos. Era ainda um garoto e, de tão pequeno, precisou subir numa cadeira para alcançar o microfone. E cantou uma “moda sertaneja” que fazia sucesso na época: “Quem me ensinou a nadar… Foi os peixinhos do mar…”.
Anos depois, Djosinha, fazendo parte do grupo Voz de Cabo Verde, mas também nos seus discos solo, viria a gravar várias outras composições brasileiras, como “Menina moça”, “Recado”, “Mulher de 30”, “Mas que nada”, “Que pena”, “A volta do boémio”, “Por causa de você”, “Bangalô de chocolate”, “Coração vulgar” e o célebre tema de Dorival Caymmi “Nem Eu”. Isso o torna o maior cantor cabo-verdiano de música brasileira.
Destaque para a sua interpretação de “Súplica cearense” (Gordurinha e Nelinho), um dos grandes sucessos de Luiz Gonzaga, cuja letra é como se fosse a versão brasileira de “Sina de Cabo Verde” (Jacinto Estrela/Gabriel Mariano). A letra de cada um desses dois clássicos, um de cada lado do Atlântico, fala do mesmo drama conhecido lá e aqui: morrer de fome, sem chuva, ou afogado por ela.
Gláucia Nogueira – Jornalista, Dra. em Antropologia