Num Certo País Infeliz isso Acontece
- junho 12, 2025
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Não é resultado apenas dos números, mas de uma complexa interação entre história, expectativas, comunicação e experiência cotidiana. A direita joga com tudo isso e mais...
Não é resultado apenas dos números, mas de uma complexa interação entre história, expectativas, comunicação e experiência cotidiana. A direita joga com tudo isso e mais...
Fernando Nogueira da Costa
Campinas, SP – 12/06/2025
6.6 Minutos
Li o artigo abaixo de Pedro Cafardo (Valor, 10/06/25) e pensei: finalmente um colunista disse algo com o qual concordo! Fico boquiaberto com a discrepância entre os indicadores e o falseamento crítico da oposição cega já em campanha faltando mais de um ano para eleição.
“Num certo país infeliz, espalha-se um enorme pessimismo sobre a economia e, aparentemente, resultados bastante positivos para a vida real de pobres e ricos são quase ignorados nas análises.
Nesse país infeliz, argumenta-se que a inflação está incontrolável, mas ela atingiu em média 4,73% ao ano nos dois últimos anos. Nos quatro anos anteriores, havia alcançado 6,17% ao ano. E a inflação média atual está abaixo da média dos últimos trinta anos (6,5% ao ano), desde que foi criada a atual moeda em circulação.
Nesse país, propala-se que o descontentamento advém das classes mais pobres, que estariam sendo fulminadas por uma inusual inflação dos produtos alimentícios. Mas os alimentos subiram 8% no ano passado, menos que a renda das famílias em geral, que cresceu 10%, e muito menos que a renda das famílias mais pobres, que aumentou 19%.
Nesse país mal-humorado, a taxa de desemprego vem recuando e estava em 6,6% da força de trabalho no primeiro trimestre, em nível próximo do mais baixo da série histórica para o período. A previsão atual é de que caia para 5,9% até dezembro. A informalidade no trabalho recuou para 37,9%, taxa situada entre as menores da série histórica iniciada em 2015.
Nesse país, segundo o Relatório das Nações Unidas sobre Estado de Insegurança Alimentar no Mundo, o número de pessoas em situação de fome diminuiu de 17,2 milhões em 2022 para 2,5 milhões em 2023. Portanto, cerca de 14,7 milhões de pessoas deixaram de passar fome de um ano para outro nesse país infeliz.
O PIB desse país surpreendeu novamente os pessimistas e cresceu 1,4% no primeiro trimestre, índice superior ao dos países da OCDE e do G7 – ambos os grupos avançaram minguado 0,1%. O crescimento se dá a despeito da imposição de uma assombrosa taxa básica de juros, de 14,75% ao ano, nove pontos percentuais acima da inflação, que desincentiva investimentos.
Essas surpresas do PIB ocorrem desde 2020 nesse país infeliz, quando se projetava recessão de 6,5% e ela foi de 3,3%. Em 2021, a expansão prevista era de 3,4% e a efetivada foi 4,8%. Em 2022, estimava-se 0,3% e deu 3%. Em 2023, o esperado era 1,4% e deu 2,9%. Em 2024, previa-se 1,6% e deu 3,4%.
Nesse país, observa-se que os empresários estariam insatisfeitos, mas os lucros das empresas no primeiro trimestre foram excepcionais e superaram as expectativas do mercado.
O lucro líquido das 387 companhias abertas não financeiras subiu 30,3% no trimestre, para R$ 57 bilhões, e as receitas cresceram 13,9%, para R$ 976,7 bilhões.
Na área financeira, os lucros dos quatro maiores bancos no primeiro trimestre cresceram em média 7,3% e somaram R$ 28,2 bilhões. Um bancão aumentou seu resultado em 39% na comparação com o mesmo período do ano passado.
Nesse país pessimista, atingido há décadas pelo vírus da desindustrialização, a indústria voltou a crescer: 3,1% no ano passado. Em março, avançou 1,2% sobre fevereiro e 3,1% sobre março de 2024.
Por que, afinal, a bruma pessimista continua a embaçar toda a economia desse país infeliz?
Se prevalecesse a “lei Carville” (É a economia, estúpido!), cunhada na campanha presidencial de Bill Clinton, em 1992, essa neblina não faria sentido.
Nesse país infeliz, um partido de oposição (PL) pôs no ar uma peça publicitária engraçadinha dizendo ter saudade de um ex-presidente porque está tudo “caro”, fazendo rima com o nome do ex. Mas, nos quatro anos desse governo “saudoso”, a inflação média anual foi de 6,17%, índice bem maior que o dos dois primeiros anos do governo atual desse país (4,73%). Os alimentos estariam subindo mais, argumenta-se. Falso. Nos quatro anos “saudosos”, os alimentos subiram em média 8,24% ao ano. Nos dois do atual mandato, 4,36% ao ano.
A peça publicitária foi contestada? Que se saiba, não. O debate econômico se dá basicamente em torno de problemas fiscais, que podem ter impacto nos próximos anos, mas não afetam hoje o humor e o dia a dia das pessoas. Ou esse país infeliz tem graves falhas na comunicação ou talvez sua infelicidade e seu pessimismo não venham da economia, estúpido.“”
[N.E.: Então vem de onde? Ódio classista? Ódio racista? Ódio ao pobre, ao nordestino? Neoescravagismo? Doença mental, ignorância, maldade pura? Um combo?]
Fernando Nogueira da Costa: a análise de César Felício (Valor, 10/06/25) da última pesquisa de popularidade [veja tabela acima] continua a manter a elevada correlação entre os eleitores da extrema-direita neofascista e a desaprovação do governo.
“Essa relação entre uma parcela maior de eleitores que enxerga melhoria de vida e uma menor que vê piora permanece relativamente constante independentemente do segmento pesquisado. Não varia significativamente por sexo, faixa etária, rendimento, escolaridade ou região.
Há uma duas grandes exceções, contudo: religião e ideologia. É maior entre os evangélicos a parcela que vê piora de vida (32%) do que a fatia que vê melhora (28%). Na ideologia, os que percebem piora predominam entre os eleitores que se declararam direitistas, mas não propriamente bolsonaristas, e entre aqueles que se afirmam bolsonaristas.
É natural que essas faixas medularmente oposicionistas tenham uma percepção de que a vida piorou. O que chama a atenção é não existir este marcador nos outros segmentos do eleitorado que têm uma péssima avaliação do governo: sulistas, eleitores de renda maior, homens e jovens. [Esta generalização é equivocada por não dizer em quais percentuais.]
‘Eu não gosto‘ não se explica – É birra de criança.
Isso indica que não é desprezível a quantidade de eleitores que do ponto de vista pessoal pouco têm a se queixar do governo, e que ainda assim rejeitam de forma frontal um novo mandato para o presidente. Não há muito o que o Planalto possa fazer para sensibilizar esse eleitor. Ele não desaprova o governo por frustração. Desaprova por convicção.”
Perdeu, Mané…
Fernando Nogueira da Costa – Profº. Dr. Titular IE UNICAMP
[N.E.: Dissipar essa névoa exige não apenas a manutenção dos indicadores positivos, mas também a transformação do ambiente institucional e a melhoria na qualidade dos serviços públicos.]
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