12/06/2025
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O bando no céu de Sampa

  • abril 16, 2025
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Gosto de animais. Principalmente dos selvagens. Acredito que suas visões numa cidade como São Paulo, são um bom sinal de esperança, apesar dos pesares...

O bando no céu de Sampa

Há décadas que vivo encantado com este voador caprichoso, navegador consciente, de beleza comum, sem muitos atrativos, mas rápido e eficiente em suas incursões. Seu nome popular Quiri-quiri. Um falconiforme que se dá bem numa cidade grande como São Paulo.

O menor falcão do mundo, cientificamente chamado de Falco sparverius é relativamente comum na cidade de São Paulo, e em todo o Brasil. É também conhecido por outros nomes, e o mais imponente deles é Falcão americano.

Sempre gostei de observar o céu. Contar estrelas, reflexo de meu senso perdido, olhar as nuvens em seus formatos diversos e as cores que se irradiam pelo contato das águas aéreas com os raios do Sol. Principalmente no Outono, quando a inclemência do astro rei se retrai e os ventos frios do Sul abrandam as manhãs, suavemente aquecidas, e as tardes ganham traços de uma aquarela rica em nuances.

Claro, as noites também são especiais. Ver sua beleza não é fácil numa cidade poluída como São Paulo. Em todos os sentidos os dejetos das atividades humanas, escapam para o ar e ocupam espaços dentro de nossos corpos. Cheiros e vapores, metais e partículas se avolumam nos olhos, nariz e garganta dos pedestres, transeuntes, dos motoristas e de quem se imagina seguro dentro das casas e dos apartamentos.

O ataque destes elementos poluentes vêm dos carros movidos a combustível sólido, do concreto e do cimento das construções ávidas e dos investimentos verticais, do lixo deixado nas ruas (no dia que os coletores de lixo fizerem greve, a coisa vai ficar grave!)

Velozes, graciosos e furiosos

Contra esta parede ar poluído pequenas criaturas, com cerca de 25 a 30 cm se projetam em alta velocidade, e às vezes, lentamente, pairando ou dando voltas suaves no ar, acompanhando as colunas térmicas de ar quente que sobem dos asfalto congestionado. Um balé leve, concentrado, focado em seus afazeres e necessidades básicas.

Caça pequenos roedores, pequenos pássaros (filhotes de outros) e insetos. Já tive a oportunidade de ver um caçando um canário amarelo, da sacada de meu apartamento. Uma perseguição veloz, em que o canário lhe deu um baile e escapou graças a sua velocidade e menor tamanho. Driblando o pequeno predador entre os galhos de um enorme jacarandá paulista. Lá onde enterrei o umbigo de meu filho…

Noutra ocasião vi um caçando um bando de pardais em uma árvore frondosa, em meio a uma enorme “gritaria” dos pássaros assustados. O falcão depois de rodear a arvora algumas vezes decidiu mergulhar por entre a folhagem e de lá saiu com um pardal no bico.

A visão da tarde

Diversão – recuso-me a imaginar que estes pequenos bólidos não se divirtam lá em cima com os ventos. E até o namoro dos machos com as fêmeas. A corte, momentos em que ambos se encostam graciosa e suavemente, antes de encontrar um pouso seguro para o “amor”. Geralmente árvores altas, frondosas…

Eu sempre os vi sozinhos, aos pares e no máximo em trio, onde um casal, aparentemente, estava praticando voos de caça ou ensinando algo para o filhote já capaz de acompanhá-los em altas aventuras. E sempre em impressionaram. Eu os via como um bom sinal. Eram, ao meu pensar, avisos dos deuses.

Cardume, enxame, bando…

Porém, desta vez eu fiquei perplexo, confesso. Foram 14. Contei-os várias vezes para me certificar da quantidade e me encantar com a fluidez, o controle, a facilidade com que subiam e desciam ao sabor dos ventos. Estava uma tarde morna, um sol pálido entre nuvens, mas eles sabiam usar as correntes ascendentes e projetar-se cada vez mais para o alto. Sem esforço, apenas mantendo as asas abertas. Em silêncio.

Enquanto faziam círculos cada vez mais amplos no ar, alguns se aproximavam dos outros e formavam pares, para em seguida se separarem com manobras acrobáticas. Um movimento rápido, um “quebrar de asas” e um deslizar veloz para longe, e em seguida. novamente em círculos reaproximarem-se do bando…

Vi o que me pareceu um “casal flertando”. Eles voavam juntos e se tocavam vez ou outra. Sumiram no céu azul acinzentado assim, sem se separar mais do que um metro um do outro, cada vez menores ao olhar, mais longe, longe… Foram muito alto, todos, e sumiram.

Fique pensando que também já vira um encontro assim numeroso de capivaras, de macacos, outros bandos de pequenas aves, nos passeios e acampamentos, em sítios, retirado. Também de peixes (cardumes durante uns mergulhos que pratiquei na adolescência em praias ainda ‘limpas’ em reservas e áreas protegidas no litoral norte de São Paulo e no Rio de Janeiro.) Quatis e saguis na Mata Atlântica, interior de São Paulo, passagens rápidas pelos interiores das Minas Gerais e Bahia, Santa Catarina.

Memoráveis

Estas imagens ficarão comigo. Todas muito belas, mas acredite, esta de hoje me deu um alento. Foi como se os deuses (ou o Deus, de acordo com minha formação judaico-cristã) me dessem uma oportunidade de acreditar que a vida flui em círculos e que ainda somos capazes de nos elevar, antes de sumir no cinza morno das térmicas de um outono.

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