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O ESPELHO SIMBÓLICO

Reflexões sobre a essência do Divino

São Paulo, 16/07/2024
55 Minutos.

1. “Reflexos do Divino: Além do Espelho Literal”

O encontro entre Nicodemos e Jesus é descrito no capítulo 3 do Evangelho de João. Durante a Festa da Páscoa, muitas pessoas em Jerusalém acreditaram em Jesus como mestre divino devido aos sinais que Jesus fazia, embora não compreendessem plenamente quem ele era. Nicodemos, maravilhado pelas obras de Jesus, encontrou-se com ele à noite, possivelmente por medo de se expor ou por respeito.

Nicodemos procurou Jesus com dúvidas sobre como entrar no reino de Deus, o que levou Jesus a falar sobre a necessidade de “nascer de novo“. Nicodemos interpretou isso de forma literal, mas Jesus esclareceu que se referia a um nascimento espiritual.

Simbolicamente, Nicodemos representa aqueles que vivem nas trevas e encontram a luz. Jesus falou sobre regeneração, novo nascimento e o amor infinito de Deus. A conversa termina com Jesus afirmando que aqueles que praticam a verdade se aproximam da luz, indicando um convite implícito para Nicodemos seguir a luz.

O pai, Adonai, Deus, Jeovah, Elohin o reino…

Tanto no Evangelho de João quanto no diálogo fictício entre Nicodemos e a esposa, ele está buscando entender aspectos espirituais profundos. Nicodemos procura Jesus à noite com questões sobre o reino de Deus. No seriado, Nicodemos questiona se a imagem culturalmente aceita de Adonai corresponde à realidade do divino.

Nicodemos expressa dúvidas se o conhecimento sobre Adonai na Lei é suficiente ou se há mais a ser descoberto, sugerindo que a verdade sobre Deus pode ser mais complexa e bela do que imaginamos. Isso ecoa a busca de Nicodemos por uma compreensão mais abrangente do reino espiritual através de Jesus.

O ESPELHO SIMBÓLICO
Nicodemus e Zohara – Dúvidas sobre o Deus. (Img Web)

Jesus usa metáforas como “nascer de novo” para transmitir conceitos espirituais profundos. Nicodemos questiona sobre o significado oculto por trás de símbolos como o espelho barato que não reflete com nitidez sua imagem. Ambos os diálogos exploram a possibilidade de uma compreensão mais elevada, profunda e espiritual além das aparências superficiais ditadas pelo senso comum.

A conclusão da conversa de Jesus com Nicodemos no Evangelho, no qual Ele convida Nicodemos a se aproximar da luz da verdade, pode ser paralelizada com o questionamento de Nicodemos sobre ver a “imagem completa” de Adonai. Ambos os contextos sugerem um convite para uma iluminação espiritual mais entranhada e uma compreensão mais clara da divindade.

O diálogo entre o casal revela uma dualidade de significados. A primeira camada é a percepção literal de Zohara sobre o “espelho barato,” que ela despreza por não refletir sua imagem nitidamente. Zohara representa uma abordagem que interpreta o espelho de forma literal, sem considerar a dimensão simbólica. Sua falta de imaginação e entendimento sobre a natureza simbólica da psique a impede de ver além das aparências.

Superfícies mal polidas mal refletem

Como observou Carl Gustav Jung em Resposta a Jó quando ele pontua que a ênfase literalizante na religião está aniquilando-a, porque tudo está sendo mantido fora da arena subjetiva. Jung critica essa interpretação estritamente literal, que desvaloriza a riqueza simbólica e subjetiva da experiência religiosa, limitando a compreensão mais penetrante da espiritualidade. O diálogo fictício, portanto, reflete a tensão entre uma leitura literal e uma interpretação simbólica da fé, convidando à reflexão sobre a necessidade de enxergar além da superfície.

A segunda camada de significação refere-se à percepção de Nicodemos do espelho que, diferente de sua esposa, o percebe como um símbolo, estabelecendo um paralelo entre o espelho e os textos religiosos. Assim como o espelho barato distorce e obscurece a imagem refletida, as teologias podem ser vistas como “baratas”, na medida em que falham em captar plenamente a realidade do divino. Nicodemos reconhece que as interpretações teológicas superficiais e literais não conseguem transmitir a verdadeira essência e profundidade da experiência espiritual.

Essa visão crítica sugere que as teologias, ao serem insuficientemente sofisticadas ou profundas, não proporcionam um reflexo claro da natureza divina. Elas podem oferecer apenas uma compreensão parcial e distorcida, semelhante a um espelho de qualidade inferior. Esse insight de Nicodemos, portanto, desafia os fiéis a buscarem uma interpretação mais rica e simbólica da fé. Portanto, uma que transcenda as limitações das exegeses literais e alcance uma compreensão mais arguta e autêntica do sagrado.

A dúvida expressa sobre o conhecimento de Adonai na Lei, questionando se estão realmente vendo a imagem completa, aponta para uma inquietação teológica e filosófica. Nicodemos se pergunta se a percepção tradicional de Deus, conforme revelada na Lei, pode ser incompleta ou distorcida. Deste modo, sugere uma abertura para a possibilidade de que a natureza divina seja mais vasta, complexa e misteriosa do que se pode compreender apenas através das escrituras e das tradições religiosas estabelecidas.

Essa reflexão é particularmente significativa no contexto de The Chosen, que busca humanizar e aprofundar as histórias bíblicas, convidando os espectadores a explorarem as dimensões mais sutis e transcendentais da fé. A ideia de que a verdade sobre Deus pode ser “mais bonita e mais estranha do que podemos imaginar” desafia os limites da compreensão racional e abre espaço para uma experiência espiritual mais rica e multifacetada.

Portanto, esse diálogo não apenas aprofunda a caracterização de Nicodemos como um buscador da verdade espiritual, mas também convida o público a refletir sobre suas próprias percepções de Deus. Ou seja, a considerar a possibilidade de uma realidade divina que transcende as limitações humanas de entendimento.

2. Despertar do Espírito: além da monocultura da divindade

A representação de Deus nas culturas monoteístas tem sido um tema central de estudo e debate em diversas disciplinas, incluindo a teologia, a filosofia e a psicologia. Este artigo ensaístico explora a hipótese de que essa representação não condiz com a realidade psíquica de Deus, conforme compreendida pela Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung. Especificamente, questiona-se a visão de Deus como uma entidade única, exclusivamente masculina, separada da natureza, exclusivamente boa e sem representação imagética. Esse fenômeno, que denominamos por “monocultura da divindade“, promove uma visão estreita e homogênea da espiritualidade, que pode sufocar a diversidade de experiências e trazer impactos psicológicos e culturais.

As mil faces de Deus – dentro e fora de mim

Entendemos que a diversidade é fundamental para uma psique saudável, pois permite a integração de diferentes aspectos do ser. Este artigo pretende demonstrar como a monocultura da divindade não reflete a totalidade arquetípica da psique humana, destacar as implicações dessa distorção – incluindo a alienação interna e externa e a rigidez psicológica, que contribuem para conflitos internos e sociais – e propor caminhos para uma compreensão mais inclusiva e complexa da divindade.

3. Fundamentação Teórica: Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung

Em janeiro de 1960, ao ser entrevistado pela BBC, Carl Gustav Jung, médico psiquiatra e fundador da psicologia analítica, foi perguntado se acreditava em Deus. Jung respondeu: “Não preciso acreditar em Deus, eu sei”. Diante da polêmica sobre o significado desta resposta, Jung escreveu uma carta aos ouvintes do programa:

Eu não disse, na entrevista: “Há um Deus”, mas: “Não preciso crer em Deus; eu sei”. Isto não quer dizer: Sei que há um determinado Deus (Zeus, Javé, Alá, o Deus trinitário), mas antes: Sei que me acho claramente confrontado com um fator desconhecido em si e ao qual denomino “Deus”, in consensu omnium (“quod semper, quod ubique, quod ab omnibus creditur”). É Nele que penso, é por Ele que chamo, todas as vezes que invoco seu nome, nos momentos de medo ou de raiva, todas as vezes que digo espontaneamente: “Ó Deus!” Isto acontece todas as vezes que encontro alguém mais poderoso do que eu.

É um nome apropriado para todas as grandes emoções que ocorrem em meu próprio sistema psíquico e que dominam minha vontade consciente, apoderando-se do controle sobre mim mesmo. É por este nome que designo tudo o que se atravessa, de forma violenta e desapiedada, o itinerário por mim traçado; tudo o que subverte minhas concepções subjetivas, meus planos objetivos, e interfere no curso de minha vida, seja para o bem seja para o mal.

Fixo em um centro – Girando em todas as direções

Seguindo a tradição, chamo “Deus”, e um “Deus pessoal”, à força do destino, tanto sob o aspecto positivo como sob o aspecto negativo, na medida em que sua origem se situa fora de meu contrário; é a mim mesmo que o meu destino expressa em primeiro lugar, máxime quando me vejo diante dele, que me fala sob a forma da consciência moral, como uma vox Dei com a qual posso até mesmo me entreter e discutir. (Nós agimos e sabemos, ao mesmo tempo, que estamos agindo; somos simultaneamente sujeitos e objetos.)

Porém, eu consideraria uma falta de compostura intelectual embalar-me na crença de que a ideia que tenho de Deus coincide com a do Ser Supremo universal e metafísico do credo religioso ou das “filosofias”. Longe de mim hipostasiar esta potência, ou de atrever-me a qualificá-la como um “Deus que só pode ser bom”. Somente minha experiência pode ser boa ou má. Sei, entretanto, que a vontade superior se apoia em uma base que transcende toda e qualquer concepção humana.

É sabendo da existência do confronto com uma vontade superior em meu próprio sistema psíquico que eu conheço a Deus, e mesmo que eu pretendesse ousar a hipostasiação, em si ilegítima, de minha concepção, ainda assim diria que conheço um Deus que está situado além do bem e do mal achando-se também em mim e fora de mim e por toda parte. “Deus est circulus cuius centrum est ubique, cuius circumferentia vero nusquam” (Deus é um círculo cujo centro está em toda parte e cuja circunferência não está em parte alguma). (Jung, 1978, P. 146)

Innex machina

Nesta carta Jung reflete sua visão complexa e pessoal sobre o conceito de Deus. Ele distingue claramente entre a ideia de “crer em Deus” e “saber de Deus“. Para Jung, a experiência de Deus não é algo que pode ser reduzido a uma entidade específica com atributos fixos, como Zeus, Javé, ou Alá, mas sim um encontro com um fator desconhecido e transcendente dentro de si mesmo. Ele descreve como o nome “Deus” é invocado em momentos de intensa emoção e confronto com forças maiores que a própria vontade consciente, tanto positivas quanto negativas.

Ao se referir a Deus como um “Deus pessoal”, Jung destaca como essa força está enraizada no destino pessoal de cada indivíduo, manifestando-se por meio da consciência moral e influenciando as escolhas e experiências de vida. Ele enfatiza que essa percepção de Deus transcende qualquer concepção humana ou filosófica do Ser Supremo universal, evitando a hipostasiação ou limitação dessa potência a definições específicas.

Para Jung, o conhecimento de Deus não é simplesmente uma crença intelectual, mas uma experiência, intrínseca, e íntima que engloba todos os aspectos da existência humana, indo além da dicotomia do bem e do mal. Sua famosa citação final, “Deus é um círculo cujo centro está em toda parte e cuja circunferência não está em parte alguma“, ilustra sua visão de uma divindade que permeia tudo, mas não pode ser contida por definições limitadoras.

Assim, Jung oferece uma perspectiva psicologicamente rica e existencialmente elevada sobre a natureza de Deus, convidando à reflexão sobre o significado pessoal e universal da espiritualidade e da experiência religiosa.

O provérbio esculpido, em sua forma latina, no frontispício da casa de Jung em Küsnacht, sobre a porta de entrada, como também na lápide em sua tumba no cemitério protestante em Zurique: vocatus atque non vocatus Deus aderit” traduzido como: “Evocado ou não, Deus está presente” encapsula uma ideia arguta sobre a presença de Deus ou do divino na vida humana, independentemente de ser invocado conscientemente ou não.

A tradução literal “Evocado ou não, Deus está presente” sugere que a presença de Deus não depende da vontade humana ou de rituais formais de invocação, mas é uma realidade constante e inevitável. Para Jung, essa frase reflete sua crença na existência de uma dimensão espiritual ou transcendente que permeia a existência humana, independentemente de nossa consciência ou aceitação dela.

Das religiões sem religiosidade

Esse provérbio citação resume a visão de Jung sobre a relação entre o divino e o humano, enfatizando a presença contínua de Deus na vida de cada indivíduo, independentemente de sua percepção consciente ou práticas religiosas formais.

Deus está sempre presente, seja reconhecido ou não pelo indivíduo. Isso implica que a relação com o divino não é determinada apenas por práticas religiosas formais, mas é uma parte intrínseca da condição humana. Indica que Deus transcende as limitações da compreensão humana e das formas institucionais de religião. A presença divina é universal e não pode ser circunscrita por dogmas ou rituais específicos.

Na perspectiva junguiana, essa frase pode ser vista como uma expressão da presença do “Self“, o centro unificador da psique, que Jung associava a uma dimensão arquetípica que transcende a individualidade.

Carl Gustav Jung usou, aproximadamente, seis mil vezes a palavra Deus em seus escritos e, especialmente, nos últimos dez anos de sua vida, usou cento e sessenta vezes o termo Imago Dei, Imagem de Deus ou Deus-imagem. As menções a Deus comparecem em Resposta a Jó (OC 11/4) – aproximadamente quinhentos e cinquenta menções; Mysterium coniunctionis (OC 14/1/2) – aproximadamente quatrocentas reportações; Aion: estudos do simbolismo do si-mesmo (OC 9/2) – aproximadamente trezentas alusões; Seminários sobre Zaratustra – aproximadamente mil ocasiões; Psicologia e Religião (OC 11/5) aproximadamente 200 menções e Memórias Sonhos e Reflexões aproximadamente 300 referências.(JUNG, 2021, p. 354)

Essas notas evidenciam o grande significado que Deus teve na vida e na obra de Jung. Porém, o empenho de Jung não se orientava ao Deus metafísico, transcendente, elaborado pelos teólogos, mas, sobretudo, ao Deus presente na realidade psíquica: “É apenas através da psique que podemos estabelecer que Deus age sobre nós”. (Jung, 1986, p. 46)

Uno, múltiplo, absoluto, eterno, perene

Jung detectou a existência de um arquétipo da totalidade na Psique, ocupando uma posição central e ordenadora que o aproximava do Deus-imagem. Esse também é o arquétipo da unidade: “O processo de individuação, (…)subordina o múltiplo ao Uno. O Uno, porém, é Deus, ao qual, em nós, corresponde a imago Dei, a imagem de Deus” (JUNG, 2014, p. 67)

Como podemos compreender Imago Dei? Esclarecendo e diferenciando Deus e a imagem de Deus, Jung escreveu:

É por causa, naturalmente, da eterna confusão entre objeto e imago que não se pode fazer uma distinção entre “Deus” e “imago de Deus”, e, por isto, se pensa que, ao falarmos da “imagem de Deus”, referimo-nos ao próprio Deus e o interpretamos em sentido “teológico”. Não cabe à Psicologia enquanto ciência, supor uma hipostasiação da imago de Deus. Contudo, deve, respeitando os fatos, contar com a existência de uma imagem de Deus. De modo análogo, conta com a presença do instinto, porém, sem se arrogar a competência de dizer em que consiste o “instinto” em si.

Todos sabem que espécie de fatos psicológicos se quer designar pelo termo de “instinto”, por mais obscura que pareça a natureza do instinto como tal. Também é claro que a imagem de Deus, por exemplo, corresponde a um determinado complexo de fatos psicológicos e representa, assim, uma dada grandeza com a qual podemos operar. Mas saber o que Deus é em si mesmo constitui um problema que foge à competência de qualquer Psicologia. Lamento ter de repetir semelhantes evidências. (JUNG, 1984, p. 626.)

Jung enfatiza que há uma eterna confusão entre o objeto divino e a representação psicológica que as pessoas têm desse objeto, ou seja, entre o que é Deus em si e como ele é percebido e representado na psique humana. Ele argumenta que a Psicologia não deve hipostasiar a imago de Deus, ou seja, não deve tratá-la como uma entidade real e independente de sua manifestação na psique humana. Em vez disso, Jung defende que a Psicologia deve respeitar a existência da imago de Deus como um fenômeno psicológico, sem pretender definir o que Deus é em sua essência. Para Jung, assim como no caso dos instintos, a Psicologia pode operar com a imago de Deus como um complexo de fatos psicológicos observáveis, mas não tem a competência para determinar a natureza última de Deus.

Em busca de si mesmo

Um dos conceitos centrais na obra de Jung é o de arquétipos, que são padrões universais de comportamento e imagens presentes no inconsciente coletivo de todas as pessoas. Entre os arquétipos mais importantes estão a Sombra, a Anima/Animus e o Self.

Jung descreve os arquétipos como “formas ou imagens de natureza coletiva que ocorrem praticamente em todo o mundo como constituintes individuais dos mitos e, ao mesmo tempo, como produtos autoctônicos e individuais do inconsciente” (Jung, 2014 p. 89).

Ele identificou o Self como um dos arquétipos mais fundamentais e abrangentes no inconsciente coletivo. O Self representa a totalidade da psique, integrando tanto os aspectos conscientes quanto os inconscientes do ser humano. Jung frequentemente associava o arquétipo do Self com a Imago Dei, ou a imagem de Deus, dentro da alma humana, sugerindo que essa imagem arquetípica é um reflexo da busca pela totalidade e integração na psique humana.

Descreve o Self como o arquétipo da totalidade, um conceito central na Psicologia Analítica. Este é a representação de toda a psique, incorporando tanto o consciente quanto o inconsciente, e atua como um guia para o processo de individuação, que é o desenvolvimento pleno do indivíduo. “O Self é um arquétipo que simboliza a totalidade da psique como um todo, unindo o consciente e o inconsciente em um processo de realização e integração” (Jung, 1984, p. 44).

Argumentou que a Imago Dei, ou a imagem de Deus, dentro da alma humana é uma expressão do arquétipo do Self. Ele sugere que a experiência de Deus é uma experiência do Self e vice-versa. A busca por Deus é, na verdade, uma busca pelo Self, pela totalidade e pela integração da psique. “A Imago Dei em nós é algo que nos impele a buscar uma totalidade que não é só um ideal humano, mas um reflexo da estrutura fundamental de nossa psique” (Jung, 1978, p. 61).

O todo dentro do pote

No processo de individuação, os indivíduos são chamados a integrar todos os aspectos de sua psique, incluindo os conteúdos inconscientes e os arquétipos, para alcançar a totalidade. A imagem de Deus desempenha um papel crucial neste processo, servindo como um símbolo da meta última da individuação. “A Imago Dei está no centro de nossa psique, representando a busca pela totalidade. Ao integrar os aspectos fragmentados de nossa psique, nos aproximamos da realização da imagem divina em nós” (Jung, 1978, p. 62).

Jung também enfatiza que tanto o Self quanto a Imago Dei possuem uma natureza dual, contendo aspectos positivos e negativos. Essa dualidade reflete a necessidade de integrar não apenas o bem, mas também o mal, ou a Sombra, para alcançar a totalidade psíquica. “A imagem de Deus não é puramente benigna; ela também inclui os aspectos sombrios. Esta dualidade deve ser reconhecida e integrada para que a psique atinja a completude” (Jung, 1993, p. 35).

A associação entre o arquétipo do Self e a Imago Dei em Jung é central para entender a psicologia da religião e o processo de individuação. Jung vê a Imago Dei como uma expressão do Self, refletindo a busca pela totalidade e integração dentro da psique humana. A integração dos aspectos conscientes e inconscientes, incluindo a aceitação da dualidade inerente ao Self, é fundamental para o desenvolvimento pleno do indivíduo. Assim, a imagem de Deus na alma humana não é apenas um conceito religioso, mas um símbolo profundo da estrutura e dinâmica da psique.

Jung argumenta que a psique humana é intrinsecamente diversa, composta por uma variedade de componentes que precisam ser integrados para alcançar a individuação. A totalidade psíquica não pode ser alcançada por meio da repressão ou exclusão de qualquer aspecto da personalidade. Em vez disso, requer a aceitação e integração de todas as partes, incluindo aquelas que são tradicionalmente vistas como negativas ou indesejáveis, como a Sombra. “Um indivíduo só pode diferenciar-se e integrar-se na medida em que não perde contato com a totalidade da psique, que está organizada em torno do Self” (Jung, 1993, p. 34).

4. A Monocultura da Divindade

A monocultura da divindade, ao apresentar Deus como único, exclusivamente masculino, separado da natureza e exclusivamente bom, não representa a totalidade do Self porque ignora a diversidade e a dualidade inerentes à psique humana. O Self, conforme descrito por Jung, incorpora tanto o consciente quanto o inconsciente, incluindo aspectos masculinos e femininos, bem como elementos de luz e sombra. A representação unidimensional da divindade exclui essas facetas essenciais, impedindo a integração plena e a realização da totalidade psíquica.

A monocultura da divindade refere-se a uma representação de Deus que é única, exclusivamente masculina, separada da natureza, exclusivamente boa e sem representação imagética. Esta visão estreita é prevalente nas principais religiões monoteístas, como o Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo.

O ESPELHO SIMBÓLICO
Fernando Pessoa – Poeta (Img Web)

Nas religiões monoteístas, Deus é frequentemente visto como uma entidade única e indivisível. Embora essa unicidade enfatize a onipotência e onisciência divinas, ela também exclui a multiplicidade e a diversidade de manifestações divinas. Esta visão contrasta com a realidade psíquica, em que a totalidade do Self inclui uma variedade de aspectos e arquétipos que precisam ser integrados para alcançar a individuação. “Deus é uma realidade psíquica de importância suprema, experimentada como uma qualidade de transcendência e poder” (Jung, 2012, p. 246).

A representação de Deus como uma figura exclusivamente masculina reflete um patriarcalismo que marginaliza o feminino. Na psique humana, tanto os aspectos masculinos quanto os femininos são essenciais para a saúde psicológica. A exclusão do feminino na imagem divina perpetua a desigualdade de gênero e impede a integração da anima (aspecto feminino) na psique dos indivíduos, especialmente nos homens. “A anima é a personificação de todas as tendências psicológicas femininas na psique do homem” (Jung, 2013, p. 222).

O humano fora de seu meio – Centros deslocados

Outro aspecto da monocultura da divindade é que nas religiões monoteístas, Deus é frequentemente percebido como transcendente e separado da natureza. Esta visão dissocia o divino do mundo natural, contribuindo para uma desconexão ecológica na psique humana. Jung e a Ecopsicologia enfatizam a importância de uma conexão intrínseca, com a natureza para o bem-estar psicológico. A ausência de uma representação divina que inclua a natureza limita a capacidade dos indivíduos de reconhecer a sacralidade do meio ambiente. “A perda da relação com a natureza conduz a um sentimento de desorientação e à experiência do mundo como vazio e sem sentido” (Jung, 1987, p. 106).

A visão tradicional de Deus como exclusivamente bom exclui o reconhecimento e a integração do mal. Segundo Jung, o mal é uma parte inerente da psique humana, representada pelo arquétipo da Sombra. A negação do mal na imagem divina impede a confrontação e a integração desses aspectos sombrios, levando à projeção de negatividade e conflitos internos não resolvidos. “O mal é uma condição do bem, sem a qual não pode haver nada de bom. A sombra, personificação de tudo o que negamos em nós mesmos, é essencial para a totalidade” (Jung, 1982, p. 44).

A representação monoteísta de Deus é caracterizada pela concepção de uma divindade única e transcendente, geralmente entendida como criadora e governante do universo. Nas tradições monoteístas, como o Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, Deus é frequentemente descrito como absoluto, onipotente, onisciente e benevolente. Essa concepção enfatiza a singularidade divina, a separação entre Deus e a criação, além de atributos como justiça, misericórdia e amor incondicional. A imagem de Deus nessas tradições também reflete valores culturais e éticos, oferecendo um fundamento espiritual e moral para suas comunidades de fé.

Ouro de tolo

A concepção de um Deus único nas tradições monoteístas frequentemente contribui para o fenômeno da monocultura divina, na qual Deus é representado de maneira uniforme e homogênea. Essa representação unidimensional de Deus pode limitar a diversidade espiritual e a compreensão da divindade, ao enfatizar atributos como onipotência, transcendência e singularidade exclusiva. Ao definir Deus como o único ser supremo, a monocultura divina tende a simplificar uma realidade espiritual intrinsecamente multifacetada e rica em simbolismo.

Essa simplificação pode influenciar não apenas a prática religiosa, mas também a compreensão da psique humana e suas necessidades espirituais. Ao promover uma visão restrita de Deus, focada em características como o poder absoluto e a perfeição moral, a monocultura divina pode obscurecer a diversidade de experiências espirituais e a multiplicidade de caminhos de conexão com o sagrado. Isso pode levar a uma uniformidade na expressão religiosa e a uma intolerância em relação a visões alternativas ou heterodoxas da divindade, impactando negativamente o diálogo inter-religioso e a liberdade espiritual individual.

Além disso, a monocultura divina pode reforçar hierarquias religiosas e estruturas de poder que mantêm e defendem interpretações específicas de Deus, limitando o potencial para uma exploração mais ampla e inclusiva da espiritualidade. Isso pode criar barreiras para aqueles que buscam uma compreensão adaptativa da divindade, que possa abraçar a complexidade da experiência humana e suas múltiplas manifestações espirituais. Portanto, ao examinar a associação entre a concepção de Deus único e a monocultura divina, é essencial considerar como essas representações influenciam a diversidade espiritual e a liberdade de crença em contextos religiosos e culturais diversos.

5. Monoteísmo e a exclusão da pluralidade. O projeto Colonialista

O monoteísmo, caracterizado pela crença em um único Deus, muitas vezes exclui a pluralidade de experiências espirituais e visões de mundo que são valorizadas em outras tradições religiosas. Carl Gustav Jung, em sua abordagem psicológica, observou: “A tendência ao monoteísmo, com sua ênfase na singularidade e na unidade divina, pode obscurecer a riqueza e a profundidade das experiências espirituais encontradas em diferentes tradições religiosas e culturais.” (Jung, 1978, p. 35).

Essa ênfase na singularidade divina pode limitar a compreensão da complexidade da psique humana e das diversas formas de experiência espiritual. Além disso, a psicóloga junguiana Ann Belford Ulanov destaca: “A exclusão da pluralidade nas representações divinas pode contribuir para uma alienação espiritual, na medida em que marginaliza outras formas de experiência religiosa e espiritualidade, reduzindo a complexidade e a riqueza da jornada interior.” (Ulanov, 2002, p. 12)

Portanto, ao negligenciar a pluralidade de expressões espirituais, o monoteísmo pode não apenas limitar a compreensão da diversidade humana, mas também perpetuar uma visão rígida e exclusivista da espiritualidade. Incorporar e valorizar a pluralidade espiritual pode abrir caminho para uma maior integração psicológica e espiritual, permitindo uma compreensão mais integrada e inclusiva da natureza da divindade e da experiência humana.

6. Deus e o Domínio Masculino

“A igualdade de gênero, entendida como a integração da anima e do animus, é crucial para a harmonia psicológica e para uma relação saudável com o mundo interior e exterior.” (Stein. 2016. p. 76)

A monocultura da divindade, que frequentemente se manifesta na representação de um Deus exclusivamente masculino, desempenha um papel significativo na perpetuação do patriarcado, do machismo e da misoginia dentro das estruturas religiosas e sociais e nas tradições monoteístas. Por exemplo, no Candomblé, o orixá Exu é frequentemente associado à dualidade e à ambiguidade, sendo visto como aquele que traz equilíbrio entre os opostos, incluindo aspectos tanto positivos quanto negativos da vida. Exu é reconhecido como um guardião dos caminhos, responsável por mediar entre o mundo espiritual e o humano, e por vezes é mal compreendido devido à sua complexidade e natureza dual.

A imagem de um Deus exclusivamente masculino não apenas legitima, mas também santifica e reforça papéis de gênero tradicionalmente associados ao patriarcado. Isso pode ser observado na atribuição de características divinas como a liderança, a decisão final e o controle, frequentemente vistas como atributos masculinos. Entretanto, qualidades associadas à feminilidade, como a receptividade, a compaixão e a nutrição, são marginalizadas ou subestimadas.

Culturas machistas e a perda de controle

Essa dinâmica contribui para a perpetuação de estruturas sociais e religiosas que privilegiam os homens em posições de autoridade e poder, enquanto limitam o acesso das mulheres a essas esferas influentes. Além disso, a identificação exclusiva de Deus com o masculino pode resultar na desvalorização das experiências e contribuições das mulheres dentro das comunidades religiosas, minando sua capacidade de influenciar e moldar normas culturais e religiosas.

O fenômeno da monocultura da divindade também pode alimentar atitudes de machismo e misoginia ao justificar e perpetuar a ideia de superioridade masculina e inferioridade feminina.

Essa visão de mundo pode ser internalizada tanto individualmente quanto coletivamente, impactando as percepções de autoestima, autovalorização e autoexpressão das mulheres. A misoginia, assim como a desigualdade de gênero, pode ser justificada e legitimada por interpretações religiosas que colocam as mulheres em uma posição de subordinação e dependência em relação aos homens.

7. Quando Deus se Afastou da Terra

Na medida em que a religião monoteísta se desenvolveu, especialmente nas tradições judaico-cristãs, a representação de Deus como uma entidade transcendente e separada da natureza desempenhou um papel crucial no processo de desequilibro ecológico. Ao conceber Deus como totalmente distinto e superior à criação material, essas tradições enfatizaram a ordem racional e moral imposta por Deus sobre o universo. Com isso, reduziu a natureza a um estado de instrumentalização e servidão ao propósito divino.

A tese de Max Weber sobre o “desencantamento do mundo” oferece uma lente poderosa para entender a relação entre a monocultura divina, a representação de Deus separado da natureza e as transformações na espiritualidade e na visão de mundo modernas. Weber argumentou que o advento da modernidade trouxe consigo uma crescente racionalização e desmagicização da experiência humana, resultando em um mundo cada vez mais secularizado e desencantado.

Max Weber usou o termo “desencantamento do mundo” para descrever um processo histórico no qual a modernidade ocidental passou por uma racionalização crescente, resultando na perda de significado religioso e mágico no mundo. Essa ideia sugere que a sociedade moderna, ao adotar a racionalidade instrumental e a ciência, perdeu a conexão com o sagrado e com o sentido profundo da vida que existia em sociedades pré-modernas.

Monocracia religiosa e distanciamentos

Essa visão permite uma compreensão mais integrada da divindade, na qual o mal não é visto como algo separado ou oposto à bondade, mas como parte integrante da totalidade divina. Ele reflete uma abordagem de aceitação e equilíbrio. O divino e o material são vistos como esferas separadas e, por vezes, em conflito. Essa dualidade perpetua uma separação entre o sagrado e o profano, enfraquecendo os vínculos tradicionais entre a espiritualidade humana e o mundo natural. Como resultado, o desencantamento do mundo descrito por Weber é exacerbado pela visão de um Deus que não é imanente à natureza, mas sim transcende e domina sobre ela de maneira distanciada.

O ESPELHO SIMBÓLICO
Percepções de distintas e profundas realidades. (Img Web)

O conceito de transcendência em religiões monoteístas enfatiza a supremacia e a separação de Deus em relação ao mundo natural. Por exemplo, no Cristianismo, Deus é frequentemente descrito como o criador dos céus e da terra. Isso indica sua posição como entidade separada e superior ao universo material que ele criou. Essa visão também influencia a percepção da humanidade como distintamente separada e única em relação ao restante da criação.

A ênfase na transcendência de Deus levou à valorização da espiritualidade sobre o mundo físico, levando à interpretação de que o propósito humano está principalmente ligado à vida espiritual e à adoração de um Deus que existe além das limitações do espaço e do tempo.

Em contraste, tradições religiosas não monoteístas, como algumas formas de espiritualidade indígena e politeísta, frequentemente concebem divindades que estão imanentes na natureza. Ou seja, presentes e interligadas com o mundo natural. Nesses sistemas de crenças, a divindade é vista como parte integrante e inseparável da natureza, refletindo uma visão mais integrada e interconectada do sagrado e do mundo físico.

A separação entre Deus e a Natureza nas religiões monoteístas não apenas define a relação entre o divino e o mundo material, mas também molda profundamente a cosmovisão e as práticas religiosas dessas tradições, influenciando a maneira como os fiéis entendem sua existência, propósito e responsabilidade em relação ao universo.

A monocultura divina, reforça a supremacia e a transcendência absoluta de Deus. Limita a capacidade humana de perceber e valorizar a sacralidade e a interconexão da vida na Terra. Isso pode levar a uma alienação crescente em relação ao meio ambiente e a uma exploração não ética dos recursos naturais. À medida que a natureza é vista como um recurso a ser dominado e explorado em vez de um ecossistema vivo com valor intrínseco. Desta forma, a tese de Weber sobre o desencantamento do mundo nos convida a refletir sobre como as representações religiosas influenciam nossa compreensão da relação entre humanidade e natureza. Ao examinar a influência da monocultura divina e da separação de Deus da natureza, podemos questionar como essas concepções moldam não apenas nossa visão espiritual e ética, mas também nossas práticas sociais e ambientais.

Ela também enfatiza um único entendimento ou representação exclusiva de Deus. Consequentemente, muitas vezes estabelece normas rígidas de comportamento moral e ético baseadas em interpretações específicas da divindade. Isso, por exemplo, pode incluir a valorização da pureza, castidade e abstinência sexual como virtudes supremas, enquanto qualquer forma de expressão sexual fora desses limites é vista como imoral ou pecaminosa. Tal visão pode criar um ambiente na qual a sexualidade humana é vista como uma força a ser controlada e suprimida, em vez de ser compreendida como uma parte natural e saudável da experiência humana.

8. O Redemoinho da Alma

A expressão Summum Bonum é um termo filosófico e teológico que se refere ao conceito de “Bem Supremo“. Essa ideia remonta à filosofia antiga, especialmente aos pensadores gregos como Platão e Aristóteles, e foi posteriormente incorporada ao pensamento teológico e filosófico cristão. No contexto cristão, o Summum Bonum é frequentemente associado a Deus como o Bem Supremo e a fonte última de toda bondade. Nesta perspectiva, Ele é visto como o ápice da perfeição moral e espiritual, a fonte de todas as virtudes e a própria essência do Bem.

Uma crítica comum ao conceito de Summum Bonum é como reconciliar a existência do mal e do sofrimento no mundo com a noção de um Deus que é o Bem Supremo. Filósofos e teólogos têm explorado diferentes respostas para esta questão, como o livre arbítrio e a ideia de que o mal é resultado da imperfeição da criação ou da ação humana. O conceito de Summum Bonum também levanta questões sobre como diferentes tradições religiosas interpretam e experienciam a ideia de Deus como o Bem Supremo. As diversas visões sobre o que constitui o Bem podem variar significativamente entre diferentes religiões e culturas.

Na teoria de Carl Gustav Jung, especialmente em sua obra Resposta a Jó, a concepção de um Deus exclusivamente bom carrega implicações profundas para a compreensão da psique humana e do desenvolvimento espiritual.

Na obra, Jung criticou a ideia de um Deus unidimensionalmente benevolente como uma simplificação que não captura a totalidade dos arquétipos e da natureza da divindade. Para Jung, a psique humana é intrinsecamente complexa e multifacetada, refletindo uma gama completa de emoções, impulsos e dilemas morais que não podem ser reduzidos a uma polaridade simplista entre bem e mal.

Nem bom nem mal – só os 2 e muito mais

Jung viu o Livro de Jó como um poderoso mito que retrata o confronto humano com o divino. Jó é um homem justo que enfrenta uma série de calamidades, o que leva a questionar a justiça de Deus. Este confronto não é apenas um drama externo, mas também um reflexo do conflito interno entre os aspectos conscientes e inconscientes da psique.

Carl Gustav Jung explorou a questão da teodiceia no contexto de Jó. Isto é, a questão sobre como conciliar o sofrimento humano com a existência de um Deus benevolente e onipotente. Ele sugeriu que a resposta de Deus a Jó, do meio do redemoinho, representa uma revelação do divino que transcende a compreensão humana ordinária.

A representação de um Deus exclusivamente bom tende a idealizar a divindade e a excluir aspectos sombrios e contraditórios da experiência humana. Jung argumentou que essa polarização pode resultar em uma sombra coletiva, uma parte oculta e reprimida da psique que contém impulsos negativos e desconfortáveis, como raiva, inveja e desejo de poder. Ao negar ou reprimir esses aspectos sombrios, a psique humana pode experimentar um desequilíbrio psicológico e espiritual, pois a integração e a aceitação de todos os aspectos da personalidade são essenciais para o processo de individuação.

Além disso, a ideia de um Deus exclusivamente bom pode levar a uma visão moral rígida e a uma expectativa irrealista de perfeição moral, tanto para indivíduos quanto para sociedades. Isso pode criar uma pressão psicológica para suprimir aspectos indesejáveis da psique e para evitar confrontar o sofrimento e a injustiça no mundo. Jung propôs uma abordagem mais inclusiva da divindade, na qual Deus é visto como uma totalidade que incorpora tanto a luz quanto a escuridão, a criação e a destruição, o amor e a ira.

‘Tenens ad collum Deum’

Para Jung, a compreensão da divindade deve abranger a complexidade dos arquétipos e a pluralidade de experiências espirituais. Isso não implica justificar o mal, mas reconhecer que tanto os aspectos positivos quanto negativos da psique humana têm sua origem na divindade. Essa perspectiva pode promover uma relação mais autêntica e equilibrada com o sagrado, permitindo uma maior liberdade para explorar e integrar a totalidade da experiência humana.

A partir da teoria junguiana, a concepção de um Deus exclusivamente bom não apenas limita a compreensão da divindade, mas também pode restringir o potencial de crescimento psicológico e espiritual dos indivíduos. Ao abraçar uma visão mais inclusiva e integrativa da divindade, podemos cultivar uma compreensão mais aguda de nós mesmos e do mundo ao nosso redor, promovendo assim um caminho mais rico e significativo em direção à individuação e à plenitude da vida psíquica.

Relacionar o conceito de Summum Bonum com a monocultura divina envolve explorar como a ideia de um Bem Supremo absoluto pode influenciar a percepção e a representação de Deus de maneira uniforme e homogênea dentro de contextos religiosos e filosóficos. O Summum Bonum, ao enfatizar a singularidade e a perfeição moral de Deus, pode contribuir para a monocultura divina ao promover uma visão unidimensional da divindade, na qual todas as qualidades e atributos são reduzidos a uma essência única de bondade absoluta. Essa representação simplificada pode limitar a compreensão da complexidade da divindade, excluindo aspectos de dualidade, contradição ou ambiguidade que podem existir na experiência humana e nas tradições religiosas.

Além disso, a monocultura divina pode reforçar uma visão hierárquica e exclusivista do divino, na qual interpretações divergentes ou complementares são marginalizadas em favor de uma narrativa dominante de perfeição moral e autoridade absoluta. Portanto, a relação entre Summum Bonum e monocultura divina destaca a importância de uma reflexão crítica sobre como diferentes concepções de bem supremo podem moldar e influenciar a diversidade espiritual e a compreensão da divindade em contextos religiosos e filosóficos variados.

9. Ausência de representação imagética de Deus.

Certas tradições religiosas monoteístas limitam ou proíbem a representação visual ou imagética de divindades, impactando tanto a prática religiosa quanto a compreensão. Essa abordagem é comum em algumas tradições abraâmicas, como o Judaísmo e o Islamismo, que enfatizam a transcendência absoluta de Deus e a impossibilidade de capturar sua natureza infinita em uma forma física ou imagem da espiritualidade.

A monocultura da divindade, ao promover uma única e exclusiva concepção de Deus, muitas vezes impõe normas estritas sobre como essa divindade deve ser entendida e venerada. Isso pode incluir a proibição de imagens ou representações visuais de Deus, baseada na crença de que tentar representar o divino de forma material é inadequado ou até mesmo blasfemo. A proibição de imagens de Deus pode ser vista como uma medida para evitar a idolatria e manter a pureza da adoração. Em algumas tradições, a ênfase é colocada na transcendência e na universalidade de Deus, ressaltando que qualquer representação material pode reduzir a grandiosidade e a singularidade do divino.

A ausência de representação imagética de Deus pode ter várias consequências dentro das comunidades religiosas. Por um lado, pode reforçar a ideia de uma divindade abstrata e distante, dificultando a conexão pessoal e emocional com o sagrado para alguns fiéis. A falta de uma imagem ou ícone visual pode limitar as formas de adoração e expressão espiritual

Jung vê Deus como um arquétipo da totalidade, que é refletido no Self. Ele sugere que as imagens de Deus nas diversas tradições religiosas são manifestações simbólicas do Self. “A imagem de Deus é a expressão mais elevada e abrangente do Self na psique humana” (Jung, 1986, p. 45). Assim, a busca espiritual e a busca psicológica pela individuação são caminhos paralelos que levam ao mesmo destino: a realização do Self.

10. A Imago Dei

A religião é um dossel sagrado, um edifício de representação simbólica elaborada pelo ser humano para transcender a anomia da realidade. É a ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente significativo. A tentativa de encontrar sentido e ordenar a realidade, fugindo ao estado de falta de objetivos, pelas contingências cegas, pelo caos, pela desordem.” (Berger, 1985, p. 22).

Há muitas maneiras de olhar a religião. O sociólogo Peter Berger vê a religião como um “dossel sagrado”. Como uma construção simbólica elaborada pelos seres humanos para transcender a anomia e encontrar sentido na realidade, a religião ordena o caos. Deste modo, proporciona um universo humanamente significativo que foge da desordem e das contingências cegas. Em essência, a religião é uma tentativa de encontrar propósito e estabilidade em um mundo incerto.

O ESPELHO SIMBÓLICO
Crucificai-o. Porque conclamou as pessoas
a olharem para dentro de si . (img Web)

Carl Jung, por outro lado, entende a religião como uma manifestação essencial da psique humana, profundamente enraizada no inconsciente coletivo. Para Jung, os símbolos religiosos e as imagens arquetípicas emergem naturalmente da psique, servem como pontes entre o consciente e o inconsciente. Esses símbolos religiosos desempenham um papel crucial na integração psíquica e ajudam os indivíduos a alcançarem um equilíbrio interno e a se conectar com o sagrado. Jung vê a religião como um caminho para a individuação, na qual o encontro com os símbolos religiosos possibilita a integração das várias partes da psique.

Ao relacionar as duas perspectivas, podemos ver que, enquanto Berger enfatiza a construção social da religião como um meio de conferir sentido e ordem à realidade externa, Jung destaca a importância intrínseca da religião na estrutura interna da psique humana. Ambos concordam que a religião tem um papel vital na vida humana, mas abordam sua função a partir de ângulos diferentes: Berger foca na ordem social e no sentido coletivo, enquanto Jung foca na integração psíquica e no desenvolvimento individual.

Como vimos, o conceito de Imago Dei (imagem de Deus) é central na compreensão junguiana da divindade. Jung acredita que a Imago Dei, presente em cada ser humano, é uma representação do Self. Ele afirma que “a Imago Dei no homem é um símbolo de sua realização final, um reflexo da sua totalidade interior” (Jung, 1986, p. 45). A Imago Dei, portanto, é a imagem arquetípica que impulsiona o indivíduo a buscar a totalidade e a integração de sua psique.

Desta forma, entendemos que do ponto de vista psicológico, Jung asseverava a realidade de uma imagem de Deus como um símbolo unificador e transcendente. Algo capaz de reunir fragmentos psíquicos heterogêneos ou unir opostos polarizados. Como qualquer imago, a Imago Dei é um produto psíquico distinto do objeto que ela tenta representar e para o qual aponta. A Imago Dei aponta para uma realidade que transcende a consciência. Jung, acatando a denominação de Rudolf Otto, chamou-a de numinoso.

Antes de falar da religião, devo explicar o que entendo por este termo. Religião é — como diz o vocábulo latino religere — uma acurada e conscienciosa observação daquilo que Rudolf Otto acertadamente chamou de “numinoso”, isto é, uma existência ou um efeito dinâmico não causados por um ato arbitrário. Pelo contrário, o efeito se apodera e domina o sujeito humano, mais sua vítima do que seu criador. Qualquer que seja a sua causa, o numinoso constitui uma condição do sujeito, e é independente de sua vontade.

In and out

De qualquer modo, tal como o consensus gentium, a doutrina religiosa mostra-nos invariavelmente, e em toda a parte, esta condição ligada a uma causa externa ao indivíduo. O numinoso pode ser a propriedade de um objeto visível, ou o influxo de uma presença invisível, que produzem uma modificação especial na consciência. Tal é, pelo menos, a regra universal.” A Imago Deus é extraordinariamente numinosa. (Jung, 1978, p. 9).

Dessa forma, para Jung, a experiência religiosa autêntica, ou experiência numinosa, é uma manifestação direta do Self. Essas experiências são caracterizadas por uma sensação de reverência, mistério e conexão intensa com algo maior que o ego. “A experiência numinosa é a vivência direta do arquétipo de Deus no inconsciente, que se manifesta como o Self” (Jung, 1987, p. 98). Essas experiências não apenas conectam o indivíduo com a divindade, mas também promovem a integração e a harmonia interior.

11. Integração dos Opostos

O Self representa a integração de todos os opostos dentro da psique, incluindo aspectos como o bem e o mal, o masculino e o feminino, o consciente e o inconsciente. Jung vê essa integração como essencial para a realização do Self e a compreensão da divindade. “Deus é uma totalidade que inclui todos os opostos, e a realização do Self é um reflexo dessa totalidade na psique humana” (Jung, 2014, p. 32)i. Assim, a imagem de Deus nas tradições religiosas que integraram esses opostos pode ser vista como mais completa e verdadeira ao reflexo do Self.

O processo de individuação é a jornada pessoal de crescimento e realização do Self. Este processo envolve a integração dos conteúdos inconscientes e a confrontação da sombra, os aspectos reprimidos ou negados da personalidade. Jung vê a individuação como um caminho paralelo à busca espiritual pela divindade. Ele afirma que “a individuação é, na essência, uma busca pela totalidade e pela conexão com o Self, que é um reflexo da divindade interior” (Jung, 1985, p. 27).

Ao comparar a monocultura da divindade com a realidade psíquica de Deus conforme Jung, torna-se evidente que a visão monoteísta é inadequada para refletir a complexidade da psique humana. A exclusividade, a masculinidade, a separação da natureza, a bondade unilateral e a ausência de representação imagética contrastam com a necessidade de diversidade, integração de ambos os gêneros, conexão ecológica, aceitação da dualidade do bem e do mal e o uso de símbolos para a comunicação com o inconsciente. Diz Jung: “A representação de Deus como uma entidade unidimensional não pode capturar a totalidade da psique, que é composta por uma diversidade de aspectos e arquétipos” (Jung, 2014, p. 38).

Carl Gustav Jung, em sua Psicologia Analítica, oferece uma crítica penetrante a essa representação, sugerindo que ela não capta a totalidade e a diversidade da experiência psíquica.

A visão monoteísta de Deus, predominante nas principais religiões abraâmicas, apresenta uma divindade única, masculina, separada da natureza e exclusivamente boa. Embora essa perspectiva tenha desempenhado um papel crucial na formação das culturas e sociedades ao longo dos séculos, ela pode ser considerada inadequada para refletir a complexidade intrínseca da psique humana.

Jung argumenta que a psique humana é composta por uma vasta gama de elementos conscientes e inconscientes, abrangendo tanto o bem quanto o mal, o masculino e o feminino, e uma sólida conexão com a natureza. A representação monoteísta de Deus, ao enfatizar um único aspecto da divindade, resulta em uma monocultura da divindade que reduz essa complexidade. “A unilateralidade psíquica é o resultado da inibição, ou mesmo da repressão, de determinados conteúdos psíquicos e atitudes, que são compensados por uma intensificação contrária do outro lado da psique” (Jung, p. 83, 1990).

As discrepâncias entre a monocultura da divindade e a realidade psíquica têm profundas implicações para a saúde mental e espiritual dos indivíduos. A falta de diversidade na representação divina limita a capacidade dos indivíduos de explorar e integrar diferentes aspectos de sua psique, enquanto a ausência de símbolos visuais dificulta a expressão e a conexão com o inconsciente. “A diversidade na representação divina é essencial para uma psique saudável, pois permite a integração dos diferentes aspectos do self” (Jung, 2014, p. 299).

A visão monoteísta tradicional, ao enfatizar uma única imagem de Deus, falha em refletir a complexidade e a diversidade da psique humana. Carl Gustav Jung, por meio de sua Psicologia Analítica, oferece uma crítica poderosa a essa representação e propõe uma visão mais inclusiva e integrada da divindade.

12. Impactos Psicológicos e Culturais

A monocultura da divindade contribui para a alienação interna e externa, desconectando os indivíduos de partes importantes de sua psique e da comunidade ao seu redor. A falta de reconhecimento da diversidade interna leva à repressão de aspectos vitais do self, enquanto a exclusão de representações femininas e naturais perpetua a alienação de grupos marginalizados e do meio ambiente. “A alienação é um fenômeno psicológico que resulta da incapacidade de integrar aspectos divergentes da psique” (Jung, 1990, p. 157).

A frase atribuída ao teólogo Mestre Eckhart: “A qualidade da vida de um homem depende da qualidade de seus deuses, das formas que o Divino toma frente a ele. Em outras palavras: a qualidade da vida de um homem depende das exigências que sua alma se faz quando admira a face de seu Deus” (Jung, 1982, p. 157). Ela sintetiza perfeitamente a importância das representações divinas na psique humana. Para Jung, as imagens de Deus que cultivamos internamente têm um impacto profundo na nossa saúde mental e na nossa qualidade de vida. Uma representação divina que integra diversos aspectos da psique – masculino e feminino, bom e mau, natural e transcendente – pode promover uma vida mais equilibrada e plena. Em contraste, uma visão monoteísta restrita pode levar a uma vida psíquica fragmentada e conflituosa.

Símbolos, signos e por trás da luz! Judaísmo – Paganismo – Panteísmo – Cristianismo – Islamismo – Zoroastrismo – Hinduísmo – Animismo – Budismo Taoísmo – Ateísmo

Jung explora em profundidade os símbolos religiosos e as imagens arquetípicas, examinando como essas formas simbólicas influenciam a vida psicológica e espiritual dos indivíduos. Ele argumenta que os deuses e as figuras divinas são representações de aspectos profundos da psique humana e que a relação de uma pessoa com essas imagens simbólicas impacta significativamente sua qualidade de vida.

Além disso, a monocultura da divindade, que promove uma visão homogênea e uniforme de Deus, pode restringir a diversidade simbólica necessária para a integração completa da psique. Ele acreditava que os símbolos e imagens desempenham um papel crucial na comunicação entre o consciente e o inconsciente. A ausência de uma representação rica e variada de Deus pode limitar essa comunicação, resultando em uma alienação da própria alma e uma desconexão das dimensões mais profundas do ser.

A visão monoteísta limitada de Deus pode resultar em rigidez psicológica, na qual os indivíduos se tornam inflexíveis e menos capazes de se adaptar a novas experiências ou perspectivas. Essa rigidez impede o crescimento psicológico e a evolução espiritual, pois restringe a capacidade de integrar novos conhecimentos e de se conectar com diferentes aspectos da própria psique. “A rigidez psíquica é um obstáculo ao desenvolvimento da personalidade, que necessita de flexibilidade e capacidade de adaptação” (Jung, 2013, p. 273).

Não há só um caminho. “A casa de meu pai tem muitas moradas!”

A unilateralidade psíquica promovida pela monocultura da divindade também pode manifestar-se na rigidez das crenças e na dificuldade em lidar com a ambiguidade e a complexidade da vida. Indivíduos que internalizam uma visão unidimensional de Deus tendem a buscar respostas definitivas e absolutas para questões existenciais e éticas, evitando a introspecção complexa e a exploração de diferentes perspectivas.

Jung enfatiza que a psique humana é composta por uma diversidade de conteúdos, incluindo aspectos conscientes e inconscientes, pessoais e coletivos. No entanto, devido a vários fatores como socialização, educação e experiências individuais, os indivíduos podem desenvolver uma ênfase desproporcional em certos aspectos da psique, enquanto negligenciam outros. Jung explica: “A unilateralidade psíquica é o resultado da inibição, ou mesmo da repressão, de determinados conteúdos psíquicos e atitudes, que são compensados por uma intensificação contrária do outro lado da psique” (Jung, 1990, p. 173).

A unilateralidade psíquica representa uma limitação no desenvolvimento psicológico e espiritual dos indivíduos, pois impede a realização da totalidade do self. Jung enfatiza a importância de integrar todos os aspectos da psique para alcançar a harmonia interior e promover relacionamentos mais saudáveis e uma vida mais significativa.

13. Conflitos Internos e Sociais

A exclusão de elementos importantes da psique, como o feminino e a sombra, pode levar a conflitos internos não resolvidos e à projeção desses conflitos na sociedade. Isso pode resultar em tensões e divisões sociais, na qual a intolerância e a discriminação se tornam mais prevalentes. A falta de integração da diversidade psíquica contribui para um ambiente social menos harmonioso e mais conflituoso. “Os conflitos internos não resolvidos são frequentemente projetados no mundo externo, resultando em tensões e divisões sociais” (Jung, 2014, p. 112).

A falta de integração da diversidade psíquica, conforme discutido por Jung, pode manifestar-se em diversos contextos sociais contemporâneos, contribuindo para ambientes menos harmoniosos e mais conflituosos como, por exemplo, a polarização política e ideológica entendida como uma manifestação da unilateralidade psíquica, na qual grupos e indivíduos se identificam rigidamente com suas próprias crenças e perspectivas, enquanto rejeitam ou demonizam aquelas que são diferentes. Isso pode levar a divisões profundas na sociedade, dificultando o diálogo e a cooperação.

O ESPELHO SIMBÓLICO
Mulher, negra, pobre, oprimida, mãe, irmã… (Img Web)

Outros exemplos: conflitos étnicos e raciais, intolerância religiosa, discriminação de gênero e orientação sexual, desigualdade socioeconômica. A disparidade econômica e social em muitos países também pode ser vista como um reflexo da unilateralidade psíquica. A concentração de riqueza e poder em poucas mãos, enquanto muitos sofrem com a pobreza e a privação, sugere uma falta de integração de valores como justiça social e equidade, que são fundamentais para uma sociedade harmoniosa.

Em todos esses exemplos, a falta de integração da diversidade psíquica contribui para um ambiente social no qual prevalecem desconfianças, hostilidades e injustiças. Jung enfatizaria a importância de reconhecer e integrar as múltiplas facetas da psique coletiva e individual para promover uma sociedade mais equilibrada, inclusiva e harmoniosa.

14. Para além da monocultura da divindade:

A representação tradicional de Deus nas religiões monoteístas, caracterizada por um único ser divino, masculino e separado da natureza, pode ser vista como limitada ao refletir a complexidade da psique humana. Carl Gustav Jung, em sua Psicologia Analítica, propõe uma abordagem mais inclusiva e integradora que reconheça a diversidade intrínseca do inconsciente coletivo e a totalidade do Self. Como bem pontua o analista junguiano David Tacey:

O desafio de hoje é, portanto, de um lado, não descartar nossa tradição e herança cristã e, de outro, encarar o estado de nigredo para o qual descemos. Na visão de Jung, nós nos encontramos no início de uma nova cultura e era psicológica, mesmo que ainda sem imagens, símbolos, rituais ou mitos coletivos orientadores. Entrar em território desconhecido dentro dessa cultura nova anda de mãos dadas com os seguintes desenvolvimentos necessários já em andamento.

Ei-los: novos esforços de integração referentes à inclusão do “mal” na compreensão de integridade, além do desagradável e banal. Também a integração do feminino e da natureza como dimensões significativas reprimidas e negligenciadas pelo cristianismo. Portanto, reinterpretação das escrituras religiosas como poéticas e simbólicas e não como puramente históricas e literais. E, reinterpretação da cura de Cristo como expressão simbólica do dinamismo interior da alma. (Tacey, 2013, p. 62)

Esta entrada em território desconhecido demanda o desenvolvimento de novas formas de integração, incluindo a inclusão do “mal” como parte da compreensão da integridade, e a valorização de aspectos antes desprezados, como o feminino e a natureza, que foram reprimidos e negligenciados pelo cristianismo.

Tacey também ressalta a necessidade de reinterpretar as escrituras religiosas de forma poética e simbólica, ao invés de puramente histórica e literal, e de entender a figura-cura de Cristo como uma expressão simbólica do dinamismo interior da alma. Essas mudanças são essenciais para moldar uma nova cultura que integra aspectos antes marginalizados, promovendo uma compreensão mais integrada. e acentuada do ser humano e sua espiritualidade.

14.1 Miríades Sagradas: A Unidade na Diversidade Divina

Jung argumenta que uma visão unidimensional da divindade não consegue abarcar a profundidade e a amplitude da experiência humana. Ele sugere que Deus deve ser visto como uma totalidade que inclui tanto os aspectos luminosos quanto os sombrios, o masculino e o feminino, o consciente e o inconsciente. Esta perspectiva reconhece o Uno no múltiplo e o múltiplo no Uno. “A imagem de Deus deve conter o seu oposto… Deus deve ser uma totalidade, um ‘complexio oppositorum’, justamente porque ele é completo” (Jung, 1986, p. 98).

Para superar a visão monoteísta tradicional, Jung propõe uma representação de Deus que acolha a diversidade de manifestações divinas. Isso implica reconhecer que a divindade pode se expressar de múltiplas formas e símbolos, refletindo as várias facetas do inconsciente coletivo. Ao fazer isso, cada expressão individual de divindade é uma parte do todo maior, do Uno. “O símbolo de Deus é o ponto de encontro de todos os opostos… ele representa a reconciliação dos contrários” (Jung, 1982, p. 75).

Por outro lado, Jung também propõe que o múltiplo seja entendido como uma manifestação do Uno. Cada símbolo, cada mito e cada arquétipo é uma expressão da mesma realidade divina, mostrando a interconexão entre todas as coisas. Esta visão promove a ideia de que a divindade não está confinada a uma única forma, mas permeia toda a criação de maneiras diversas e interconectadas. “Tudo aquilo que o inconsciente tem a dizer pode ser encontrado nos símbolos, e estes símbolos são, em última análise, expressões do Self, a totalidade que nos abarca” (Jung, 2014, p. 39).

Onde está o poder que a todos oprime

Superar a representação monoteísta de Deus envolve abraçar uma visão mais rica e complexa da divindade que reconhece e integra a diversidade de experiências e símbolos psíquicos. Ao ver o Uno no múltiplo e o múltiplo no Uno, promovemos uma compreensão mais profunda e holística da psique humana e da própria divindade. Esta abordagem não apenas enriquece a vida espiritual, mas também facilita a integração de todos os aspectos do Self, levando a uma maior harmonia interior e social.

Por exemplo, as religiões afro-brasileiras (Candomblé, Umbanda) apresentam uma visão do divino que vai além do monoteísmo tradicional, caracterizando-se pelo politeísmo ou pelo panteísmo, nas quais múltiplas divindades, forças ou espíritos são venerados. Ao reconhecerem múltiplas divindades e espíritos, cada um com suas próprias características, funções e mitologias, enfatizam a diversidade e a multiplicidade do divino. Vêm a espiritualidade como uma rede complexa de seres espirituais interligados que influenciam o mundo material e o espiritual.

Muitas dessas tradições têm uma visão cíclica e dinâmica da vida e da espiritualidade, em que o divino está presente em todos os aspectos da existência, desde a natureza até a comunidade humana. Isso contrasta com a visão monoteísta tradicional, que frequentemente coloca Deus como uma entidade única e transcendente, separada do mundo material.

Nas folhas das árvores, nas águas correntes, na terra fecunda e no vento que sopra, a presença divina se desdobra em miríades de formas, unindo o visível ao invisível em eterna harmonia. Cada Orixá, cada espírito, cada ancestral, uma peça no vasto mosaico do sagrado. Na diversidade, encontramos a unidade, e na multiplicidade, a verdadeira essência do divino.

A religiões afro-brasileiras não apenas celebram a diversidade das divindades e espíritos, mas também refletem uma visão de mundo em que a espiritualidade é dinâmica, relacional e profundamente enraizada na experiência humana e na natureza. Em sua multiplicidade, elas oferecem uma compreensão rica e multifacetada do sagrado, conectando indivíduos às suas raízes ancestrais e à vastidão do universo espiritual.

14.2 Sagrado Feminino na Imagem da Divindade – mãe , irmã, terra – vida

A compreensão da divindade nas tradições monoteístas tem sido, em grande parte, dominada por uma visão masculina e patriarcal. No entanto, para alcançar uma representação mais inclusiva e complexa, é essencial integrar o feminino, reconhecendo a totalidade da experiência humana e psíquica. A seguir, são apresentadas propostas para incluir o feminino na representação de Deus e exemplos de tradições religiosas e mitologias que já incorporam o feminino de maneira significativa.

A Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung enfatiza a importância dos arquétipos femininos, como a Grande Mãe, a Anima e as deusas guerreiras, como expressões vitais da psique. Integrar esses arquétipos na representação de Deus pode enriquecer a compreensão da divindade. “A totalidade só pode ser alcançada quando ambos os aspectos, masculino e feminino, são reconhecidos e integrados” (Jung, 1982, p. 20).

Adotar uma linguagem que inclua tanto o feminino quanto o masculino ao se referir à divindade. Por exemplo, em vez de usar exclusivamente termos como “Pai”, incorporar também “Mãe” ou utilizar termos neutros como “Criador” ou “Fonte“. Isso pode ajudar a desmontar as conotações patriarcais e abrir espaço para uma representação mais equilibrada. Desenvolver rituais e práticas espirituais que honrem o feminino. Isso pode incluir celebrações dos ciclos naturais, a valorização da intuição e das emoções, e a inclusão de figuras femininas sagradas em cerimônias religiosas. Tais práticas ajudam a integrar o feminino no cotidiano espiritual.

Temos Maria, Maia, Gaia, Pacha Mama, Freia e Boff

Para Jung, a integração do feminino na compreensão da divindade é crucial para a saúde psíquica. Ele defendia que a reconciliação dos opostos – masculino e feminino, luz e sombra – é essencial para o processo de individuação. A falta de representação feminina na divindade cristã impede esse processo, levando a uma repressão de aspectos essenciais da psique. “A totalidade psíquica requer a integração de todos os aspectos, tanto masculinos quanto femininos. A exclusão do feminino da divindade resulta em uma divisão interna que se manifesta em desequilíbrios psicológicos” (Jung, 2014, p. 20).

Leonardo Boff discute a ideia de Deus como pai e mãe em seu trabalho, integrando uma perspectiva que enfatiza a complementaridade e a dualidade na natureza divina. Ele argumenta que essa visão não apenas enriquece nossa compreensão de Deus, mas também promove uma espiritualidade mais inclusiva e equilibrada. Boff sugere que, ao reconhecer tanto a dimensão paterna quanto materna de Deus, somos capazes de captar melhor a totalidade divina, refletindo isso em nossas próprias vidas e relações sociais. Ele diz: “Deus se revela como a plenitude do amor que abraça em si mesmo a ternura do pai e a doçura da mãe, expressando uma divindade que transcende a dualidade para revelar a unidade na diversidade.”

Frei Leonardo Boff – Teologia da Libertação (Img Web)

Ao descrever Deus como a plenitude do amor, a frase enfatiza não apenas a transcendência divina, mas também a imanência do amor que abraça todas as criaturas e aspectos da vida. A ideia de que Deus incorpora tanto a ternura paterna quanto a doçura materna sugere uma concepção de divindade que transcende estereótipos de gênero e papéis exclusivamente masculinos ou femininos. Isso amplia nossa compreensão de Deus para além de limitações humanas.

Leonardo Boff argumenta que Deus transcende a dualidade percebida entre os papéis tradicionais de pai e mãe, mostrando que a divindade é capaz de abraçar e integrar essas polaridades aparentemente opostas em uma unidade superior. Ele sugere que a diversidade de expressões divinas, como amor paterno e materno, não contradiz a unidade essencial de Deus, mas a enriquece.

Boff nos convida a uma reflexão sobre como concebemos e experimentamos Deus, desafiando dualismos simplistas e promovendo uma compreensão mais integradora e amorosa da divindade.

14.3 Raízes do Inconsciente: A Integração Essencial para a Totalidade

A passagem do Evangelho Apócrifo de Tomé é uma metáfora rica e profunda que pode ser interpretada de várias maneiras. A frase pode indicar que o sagrado se manifesta nas atividades diárias e mundanas. A espiritualidade não precisa ser procurada em rituais ou lugares específicos, mas pode ser encontrada na vida cotidiana, nas tarefas simples e comuns, podendo simbolizar a união do material e do espiritual.

A madeira e a pedra são objetos físicos, pertencem à natureza imanente, mas Jesus afirma que ele está presente neles. Isso pode sugerir que o mundo físico e o espiritual não são separados, mas interligados e interdependentes.

Nessa linha, Leonardo Boff, teólogo brasileiro conhecido por sua contribuição à Teologia da Libertação, nos oferece uma visão profunda sobre a presença divina no cristianismo com sua citação. “Por isso, para o cristianismo, o importante não é a transcendência nem a imanência. É a transparência, que é a presença da transcendência dentro da imanência. (grifo do autor). Não é a epifania, o Deus que vem e se anuncia. É a diafania, o Deus que, de dentro, emerge para fora, de dentro da realidade, do universo, do outro e do empobrecido.

Boff sugere que a essência do cristianismo não está em separar o divino (transcendência) do mundano (imanência), mas em perceber a transparência, na qual o divino se manifesta dentro da realidade cotidiana. A transparência é a visão clara e direta da presença divina no mundo e na vida diária.

Contra o monoteísmo excludente colonial

A epifania é tradicionalmente entendida como uma manifestação súbita e externa de Deus. Em contraste, Boff introduz a ideia de diafania, na qual Deus emerge de dentro da realidade. Isso implica uma visão de Deus que não se impõe de fora, mas que se revela de dentro do próprio universo, das pessoas, especialmente dos pobres e marginalizados. Da mesma maneira que Tomé, Boff enfatiza uma espiritualidade engajada e uma teologia que reconhece o sagrado no cotidiano, na natureza e nas lutas humanas. Para ele, a verdadeira experiência do divino não é uma fuga para um reino transcendente, mas a descoberta do sagrado na vida comum e na justiça social.

A noção de transparência que Boff apresenta, na qual a transcendência se manifesta dentro da imanência, pode ser estendida à relação entre o ser humano e a natureza. Ver a presença divina em todas as coisas implica reconhecer a sacralidade da natureza e a interconexão entre todos os elementos do universo. Em muitos de seus escritos, Leonardo Boff destaca a importância da ecologia e da teologia da criação. Ele defende que a criação inteira é uma manifestação de Deus e que, portanto, deve ser tratada com respeito e reverência. A transparência divina na natureza nos chama a uma ética ecológica na qual cuidamos do meio ambiente como uma expressão do divino.

A transparência de Deus na imanência pode inspirar uma espiritualidade ecológica, na qual a experiência do sagrado inclui a comunhão com a natureza. Isso promove uma visão de mundo em que a natureza não é apenas um recurso a ser explorado, mas um espaço sagrado na qual podemos encontrar e experimentar o divino.

A ideia de diafania, na qual Deus emerge de dentro da realidade, pode ser vista como um reconhecimento da interdependência entre todos os seres. A ecologia profunda sugere que todos os seres vivos estão interconectados e que a saúde de um afeta a saúde de todos. Essa visão ecológica é coerente com a noção de transparência divina, na qual cada parte da criação reflete a presença de Deus.

Muito do Uno no Todo. Todos os uns.

Essa compreensão leva a um compromisso com a ação ecológica. Se vemos a natureza como um lugar de transparência divina, somos chamados a proteger e preservar o meio ambiente. A luta pela justiça ecológica se torna uma expressão de fé e espiritualidade, refletindo a presença divina no mundo natural.

A reconexão entre divindade e natureza é essencial para uma compreensão mais global da espiritualidade e para o bem-estar psicológico e ecológico. A seguir, apresentamos propostas para uma representação divina que inclui a natureza e os benefícios dessa reconexão.

Incorporar arquétipos naturais na representação divina, como as divindades da terra, do céu, das águas e das florestas. Estes arquétipos são expressões profundas da psique coletiva e ajudam a conectar o ser humano ao mundo natural. Jung afirmou que “a natureza é a fonte primária do inconsciente, e sua integração é essencial para a totalidade” (Jung, 1984, p. 54). A reconexão com a natureza promove o equilíbrio psíquico ao integrar aspectos reprimidos ou negligenciados da psique. Jung argumentava que a alienação da natureza contribui para a fragmentação psíquica e que a reintegração com o mundo natural é essencial para a saúde mental. “O contato com a natureza é fundamental para a integridade psicológica, pois representa uma reconexão com a matriz da vida” (Roszak, 1998, p. 79).

Estudos mostram que o contato com a natureza reduz os níveis de estresse e ansiedade, promovendo um senso de bem-estar e calma. A inclusão de práticas que celebram a natureza na espiritualidade pode amplificar esses efeitos terapêuticos, proporcionando uma sensação de paz e renovação espiritual.

Uma representação divina que inclui a natureza reforça a sensação de unidade e conexão com o todo. Esse sentimento de interconexão pode promover uma maior empatia e compaixão, não apenas entre os seres humanos, mas também em relação a todos os seres vivos e ao planeta como um todo.

Natureza é Mãe – ‘Sacroventre‘ da Vida e sua geração

A sacralização da natureza pode inspirar ações ecológicas concretas, motivando as pessoas a protegerem e preservar o meio ambiente. A espiritualidade ecológica pode fornecer uma base moral e ética para o ativismo ambiental, incentivando práticas sustentáveis e o respeito pela biodiversidade. Integrar elementos de espiritualidades que valorizam a natureza pode resgatar sabedorias ancestrais e práticas tradicionais de convivência harmoniosa com o meio ambiente. Essas práticas podem oferecer soluções sustentáveis e inspiradoras para os desafios psicoecológicos contemporâneos.

A Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung e a Ecopsicologia compartilham uma visão profunda sobre a interconexão entre a psique humana e a natureza. Ambas as abordagens enfatizam a importância da relação do ser humano com o mundo natural para a saúde mental e espiritual, reconhecendo que a desconexão da natureza pode resultar em um sofrimento psicológico significativo. A seguir, exploramos como a Psicologia Analítica de Jung se relaciona com os princípios da Ecopsicologia.

Como já citamos, a Psicologia Analítica de Jung é conhecida por sua teoria dos arquétipos e do inconsciente coletivo. Seu argumento é que o inconsciente coletivo é uma camada profunda da psique que contém imagens e símbolos universais (arquétipos) compartilhados por toda a humanidade. Muitos desses arquétipos estão diretamente relacionados à natureza, como a Grande Mãe, que simboliza a terra fértil e nutridora, e o Herói, que frequentemente se aventura na selva ou nas montanhas.

A Ecopsicologia, por sua vez, enfatiza a conexão intrínseca entre a mente humana e o mundo natural. Ela sugere que muitos dos nossos problemas psicológicos resultam da alienação da natureza. A integração dos arquétipos naturais, conforme identificado por Jung, pode ajudar a reestabelecer essa conexão perdida. “A natureza não só forma a base física da nossa existência, mas também fornece um repertório simbólico rico que nutre a alma humana” (Jung, 1984, p. 67).

O abraço da árvore

O processo de individuação, central na Psicologia Analítica, é o caminho pelo qual uma pessoa se torna um indivíduo completo e integrado, reconhecendo e reconciliando os diversos aspectos da psique. Jung via a natureza como um aliado vital nesse processo, oferecendo metáforas e experiências que refletem a jornada interna da individuação. A natureza, com seus ciclos de nascimento, crescimento, morte e renovação, espelha os processos internos de transformação psicológica.

A Ecopsicologia também valoriza a natureza como um meio de crescimento e cura pessoal. Ela sugere que a imersão em ambientes naturais pode facilitar o processo de individuação, ajudando os indivíduos a se reconectarem com aspectos esquecidos ou reprimidos de si mesmos. “Ao nos envolvermos com a natureza, estamos simultaneamente nos engajando com os processos arquetípicos que sustentam nossa psique” (Roszak, 1998, p. 175).

Jung introduziu o conceito da Sombra, que representa os aspectos da personalidade que são reprimidos ou negados. Ele acreditava que a Sombra precisa ser confrontada e integrada para que a individuação ocorra. Da mesma forma, a Ecopsicologia vê a crise ecológica como uma manifestação da Sombra coletiva da humanidade. Nossa destruição do meio ambiente reflete a negação e a repressão de nossa conexão intrínseca com a natureza.

Integrar essa Sombra requer um reconhecimento de nossa responsabilidade coletiva e uma transformação profunda de nossas atitudes e comportamentos em relação ao mundo natural. “A crise ecológica é, em última análise, uma crise da psique, que exige uma abordagem psicológica profunda para ser verdadeiramente resolvida” (Buzzell; Chalquist, 2009, p. 87).

A real natureza da humanidade

Tanto Jung quanto os ecopsicólogos reconhecem o poder dos símbolos e rituais para mediar a reconexão com a natureza. Jung estudou práticas espirituais e rituais de diversas culturas, observando como eles facilitavam a integração psíquica. Da mesma forma, a Ecopsicologia incorpora práticas que conectam as pessoas à natureza de maneira simbólica e direta, por exemplo: caminhadas meditativas, jardinagem terapêutica e rituais sazonais.

Essas práticas não só promovem a cura individual, mas também cultivam um senso de pertença e responsabilidade em relação ao ambiente natural. “Os rituais que honram a terra ajudam a restabelecer nosso vínculo com o mundo natural, promovendo um senso de harmonia e equilíbrio” (Buzzell; Chalquist, 2009, p. 175).

A Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung e a Ecopsicologia compartilham uma visão complementar sobre a interdependência entre a psique humana e a natureza. Ambas reconhecem que a saúde mental e espiritual está profundamente ligada à nossa relação com o mundo natural. A integração dos arquétipos naturais, o processo de individuação facilitado pela natureza, a confrontação da Sombra coletiva na crise ecológica, e o uso de símbolos e rituais são maneiras pelas quais essas duas abordagens se entrelaçam e se fortalecem mutuamente. Ao cultivar uma conexão mais profunda com a natureza, podemos promover tanto a cura pessoal quanto a sustentabilidade ecológica.

Assim, a inclusão da natureza na representação divina é essencial para uma espiritualidade integrada. e para o bem-estar psicológico e ecológico. Propostas como a reintegração dos arquétipos naturais, o uso de linguagem e imagens naturais, práticas espirituais ecológicas, educação ambiental e a integração de mitologias naturais podem promover essa reconexão. Os benefícios incluem o equilíbrio psíquico, a redução do estresse, a sensação de unidade, a inspiração para a ação ecológica e o resgate de sabedorias ancestrais. Ao reconectar a divindade com a natureza, podemos cultivar uma espiritualidade que honra e protege a teia da vida.

14.4 Sombras Divinas: A Integração do Mal na Imagem de Deus

No transcorrer dos tempos há a sensação mística de que todo esforço de individuação realizado pelos seres humanos também afetou as trevas no inconsciente coletivo de todos os humanos, sendo esse o lugar do predador. Jung disse uma vez que Deus adquiriria maior consciência à medida que os seres humanos adquiram maior consciência. Ele postulava que os humanos lançavam luz sobre o lado sombrio de Deus quando expulsavam seus próprios demônios para a luz do dia.” (Estés, 1994, p. 276).

Neste excerto, Clarissa Pinkola Estés aborda a interconexão entre a jornada de individuação humana e a transformação do inconsciente coletivo. Ela sugere que os esforços individuais para alcançar a autocompreensão e a consciência têm um impacto maior, influenciando as “trevas” presentes no inconsciente coletivo, onde reside o “predador”. Estés referência Jung, que propôs que à medida que os seres humanos se tornam mais conscientes, essa conscientização também eleva a consciência divina.

Assim, quando os indivíduos confrontam e trazem à luz seus próprios demônios internos, eles contribuem para a revelação e transformação das partes sombrias do divino. Estés destaca a importância do processo de individuação não apenas para o crescimento pessoal, mas também para a evolução espiritual coletiva e a integração das sombras tanto no nível pessoal quanto no universal.

A visão tradicional de Deus nas religiões monoteístas frequentemente enfatiza a bondade absoluta, relegando o mal a uma força externa ou antagônica. No entanto, integrar a dualidade de bem e mal na imagem de Deus pode proporcionar uma compreensão mais completa e profunda da divindade e da psique humana. A seguir, exploramos propostas para essa integração e apresentamos exemplos de mitologias e tradições que reconhecem essa dualidade.

Deus e o Diabo na Terra do Sol – Luz e Sombra

A Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung sugere que a totalidade psíquica envolve a integração tanto do bem quanto do mal. Jung introduziu o conceito da Sombra, que representa os aspectos reprimidos da personalidade, incluindo o mal. Integrar a Sombra na imagem de Deus implica reconhecer que a divindade abarca todas as polaridades. “Somente um Deus que inclui tanto o bem quanto o mal pode ser uma imagem completa da totalidade psíquica” (Sanford, 1995, p. 76).

Uma abordagem para integrar o mal na imagem de Deus é reinterpretar textos sagrados para refletir essa dualidade. Muitas escrituras contêm passagens nas quais Deus manifesta aspectos destrutivos ou punitivos, que podem ser reinterpretadas para destacar a complexidade divina. Esta reinterpretação pode ajudar a corrigir a visão unilateral de Deus como exclusivamente bom.

Teólogos e líderes religiosos podem desenvolver teologias que explicitamente reconheçam a presença do mal dentro da divindade. Isso pode envolver a criação de novas doutrinas ou a adaptação de ensinamentos existentes para incluir a ideia de que Deus incorpora todos os aspectos da experiência humana, incluindo o sofrimento e o mal.

Reconhecer a dualidade na divindade pode levar a uma compreensão mais profunda da própria psique. Aceitar tanto o bem quanto o mal dentro de si mesmo promove a integração e o crescimento pessoal. Não há despertar de consciência sem dor. As pessoas farão de tudo, chegando aos limites do absurdo para evitar enfrentar a sua própria alma. Ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz, mas sim por tornar consciente a escuridão. (Jung, 2012, p. 456).

Somos o que somos. Aceita?

Uma teologia que reconhece a dualidade pode promover maior tolerância e empatia. Entender que o mal é parte da condição humana e divina pode levar a uma atitude mais compassiva em relação aos outros e a si mesmo. A aceitação da dualidade divina pode trazer um maior equilíbrio espiritual e psicológico, promovendo uma visão mais complexa e integrada da vida.

Integrar o mal na imagem de Deus é uma proposta que pode enriquecer a compreensão espiritual e psicológica da divindade e da psique humana. Exemplos de mitologias e tradições que reconhecem a dualidade, como o hinduísmo, a mitologia grega e nórdica, e o taoísmo, demonstram a importância de aceitar ambos os aspectos da existência. Os benefícios dessa integração incluem uma compreensão mais profunda da psique, redução da repressão psicológica, promoção da tolerância e empatia, e um equilíbrio espiritual e psicológico mais holístico. Ao abraçar a totalidade da divindade, podemos encontrar caminhos mais profundos e completos para o crescimento pessoal e espiritual.

Por exemplo, nas religiões de matriz afro, os orixás são frequentemente associados à dualidade e à ambiguidade, sendo visto como aqueles que trazem equilíbrio entre os opostos, incluindo aspectos tanto positivos quanto negativos. Essas tradições permitem uma compreensão multifária da divindade, na qual o mal não é visto como algo separado ou oposto à bondade, mas como parte integrante da totalidade divina, refletindo uma abordagem de aceitação e equilíbrio.

14.5 Símbolos na Fertilização da Consciência

Como vimos anteriormente, os símbolos e imagens desempenham um papel crucial na prática religiosa. Atuam como pontes entre o consciente e o inconsciente. Eles facilitam a conexão com o sagrado, promovem a integração psíquica e ajudam a expressar verdades espirituais profundas que não podem ser plenamente capturadas pelas palavras. Aqui, apresentamos propostas para o uso efetivo de símbolos e imagens na prática religiosa, além de exemplos de símbolos arquetípicos e suas funções na psique.

A função principal dos sonhos e dos símbolos é compensar os desvios da consciência e ajudar a psique a encontrar um equilíbrio. Os símbolos, em particular, têm a capacidade de nos conectar com as partes mais profundas e muitas vezes inconscientes de nossa mente, permitindo um caminho para a compreensão e integração dessas partes. (Jung, 1987, p. 51).

Utilizar símbolos e imagens que refletem os ciclos da natureza, como o sol, a lua, e as estações do ano conectam os praticantes com os ritmos naturais, promovendo um senso de harmonia e equilíbrio com o mundo natural. Integrar símbolos que representam as dualidades da vida, como luz e escuridão, vida e morte, masculino e feminino contribui para reconhecer e integrar os opostos promovendo a totalidade psíquica. Um exemplo é o yin-yang, que simboliza a interdependência das forças opostas.

Perscrutando o inconsciente atrás de si

Na filosofia chinesa, a ideia de opostos complementares, yin e yang, representa a totalidade e a interação dinâmica das forças opostas no universo. Esta complementaridade é essencial para a vida e o equilíbrio, e cada lado contém uma semente do outro, simbolizando a interdependência e a unidade subjacente à dualidade aparente. (Jung, 1982, p. 156).

O ESPELHO SIMBÓLICO
Yin-yang e Mandala. (img Web)

As mandalas são símbolos de totalidade que representam a organização da vida ao redor de um centro unificador. Elas facilitam a meditação profunda e a auto exploração, promovendo a integração do self. Carl Jung usava mandalas como ferramenta terapêutica para acessar o inconsciente.

Os desenhos de mandalas que encontrei, em todos os lugares e épocas, demonstram a tendência humana de criar formas que se originam de um centro e que simbolizam a totalidade. Esta totalidade abarca todos os opostos coexistindo em harmonia. A mandala, assim, representa a psique total do indivíduo e do cosmos, oferecendo uma imagem do ser humano em sua relação com o universo. (Jung, 2013, p. 73)

Símbolos religiosos tradicionais para incluir aspectos femininos e ecológicos, promovm uma visão mais inclusiva e global do sagrado. Por exemplo, representar a Trindade Cristã de forma que inclua uma dimensão feminina, como a “Mãe Divina“.

[N.E.: A tradição católica coloca a Igreja como a Mãe (Maria). Designa, desta forma, uma instituição organizada formal e civilmente, separada ou não do Estado dependendo do país e época. Como criação racional humana, tende a ser ferramenta de dominação, como ocorre nas Colônias ultramarinas que ainda hoje vivem sob sua influência e suas divisões e interesses diversos. Mas, também atrai ao aspecto feminino da criação. Há mais do que o simples dualismo embutido aqui.]

Uma constante busca da verdade velada pelos signos

A Trindade cristã tradicional, composta pelo Pai, Filho e Espírito Santo, carece de um componente feminino explícito. No entanto, a psicologia analítica sugere que a totalidade divina deve incluir tanto o masculino quanto o feminino. A figura da ‘Mãe Divina’ ou da ‘Sophia’ pode ser vista como uma forma de compensar essa lacuna, integrando o princípio feminino e, assim, criando uma imagem de Deus mais completa e equilibrada. (Jung, 1982, p. 96).

O ESPELHO SIMBÓLICO
Dra. Nise da Silveira – Psiquiatra (Img Web)

O uso consciente de símbolos e imagens na prática religiosa pode enriquecer a experiência espiritual, promover a integração psíquica e facilitar o crescimento pessoal. Incorporar ritmos naturais, representar dualidades, usar mandalas, reinterpretar símbolos tradicionais e criar símbolos são formas eficazes de utilizar essas ferramentas poderosas. Os símbolos arquetípicos, como a Grande Mãe, o Herói, a Sombra, o Self e o Velho Sábio, desempenham funções essenciais na psique, ajudando a guiar os indivíduos em suas jornadas espirituais e psicológicas.

Em seu trabalho pioneiro na psiquiatria e psicologia analítica, a Dra. Nise da Silveira valorizava o uso das imagens como expressão e exploração do inconsciente. utilizando a arte como uma ferramenta terapêutica para explorar o inconsciente e promover a integração psíquica.

O trabalho da Dra. Nise da Silveira, evidencia como a arte pode transcender diagnósticos clínicos, permitindo uma conexão direta com os aspectos mais profundos da experiência humana. Seu trabalho pioneiro inspirou uma nova abordagem na psicoterapia, no qual a criatividade é vista como uma ponte essencial entre o consciente e o inconsciente, abrindo caminho para uma compreensão mais profunda e humanizada da psique.

15. Considerações Finais

Na canção “Folia“, esses versos evocam um contraste entre a dureza e a suavidade, entre a aspereza da vida cotidiana e a beleza encontrada na expressão artística e na tradição cultural. Quando se menciona “Mão de pegar enxada / Dura como uma pedra”, há uma imagem da dureza do trabalho manual na terra, uma realidade áspera e desafiadora da vida rural. A enxada representa o esforço físico e a rusticidade da vida no campo.

Em contraponto, a referência à sanfona, ao ser associada à imagem da “rosa amarela”, traz uma sensação de delicadeza, cor e vivacidade. A sanfona, um instrumento musical tradicionalmente utilizado nas festividades da Folia de Reis, simboliza a expressão artística, a música e a cultura popular. A imagem da “rosa amarela” sugere beleza, fragrância e alegria, contrastando vividamente com a rudeza inicial evocada pela mão áspera.

Esses versos da canção capturam a dualidade da experiência humana: a necessidade de lidar com o trabalho árduo e a rudeza da vida cotidiana, ao mesmo tempo em que encontramos beleza, expressão e significado nas tradições culturais e na arte. A música, através de sua melodia e poesia, oferece um espaço de respiro e celebração, nas quais esses opostos podem coexistir harmoniosamente.

Vamos à guerra por deus, macho, duro, implacável e escuro? Para que mesmo?

A monocultura da divindade, com sua representação de Deus como único, exclusivamente masculino, separado da natureza, exclusivamente bom e sem representação imagética, não condiz com a realidade psíquica conforme apontada pela Psicologia Analítica criada por Carl Gustav Jung. Essa visão limitada promove alienação interna e externa, rigidez psicológica e conflitos internos e sociais, ao ignorar a diversidade essencial para uma psique saudável.

A imposição de uma visão rígida e singular de divindade pode causar estresse e ansiedade em indivíduos que não se alinham com essa visão. A falta de reconhecimento e valorização de outras formas de espiritualidade pode contribuir para sentimentos de inadequação e isolamento.

A monocultura da divindade pode levar à intolerância religiosa, uma vez que outras crenças e práticas religiosas são vistas como inferiores ou erradas. Isso pode resultar em exclusão social e discriminação contra grupos minoritários que não compartilham a visão dominante. A imposição de uma visão religiosa dominante pode causar tensões e conflitos entre diferentes grupos culturais e étnicos. A tentativa de suprimir ou substituir crenças tradicionais e locais pode levar a uma perda de identidade cultural e a resistência por parte das comunidades afetadas.

A monocultura da divindade pode causar alienação espiritual, uma vez que ela não reconhece ou valoriza a diversidade de experiências religiosas e espirituais. Isso pode resultar em um sentimento de desconexão e falta de pertencimento entre aqueles cujas crenças não são refletidas na visão dominante. Pode levar à homogeneização cultural, na qual práticas e tradições religiosas diversas são suprimidas ou marginalizadas. Isso resulta na perda de riqueza cultural e diversidade, que são essenciais para a inovação e a resiliência social.

Tudo o que há de ruim numa moeda de um lado só

A monocultura da divindade promove uma visão de Deus exclusivamente masculina, podendo reforçar papéis de gênero tradicionais e patriarcais. Isso contribui para a perpetuação da desigualdade de gênero, a reprodução do patriarcado e do machismo, limitando as oportunidades e a representação das mulheres em várias esferas da vida social.

Uma visão de Deus que separa a divindade da natureza pode contribuir para a exploração irresponsável dos recursos naturais. Sem um senso de sacralidade ou conexão espiritual com a natureza, práticas ambientais sustentáveis podem ser desvalorizadas, agravando problemas ecológicos.

Em culturas que consideram a floresta como um ser vivo e sagrado, há uma tendência maior de promover práticas de manejo sustentável. Porém, quando a floresta é vista apenas como uma fonte de madeira e terras agrícolas, a exploração predatória geralmente ocorre, levando à devastação ambiental e à perda de biodiversidade.

Em comunidades nas quais a água é considerada sagrada, há um esforço maior para proteger fontes, rios e lagos da poluição. No entanto, em contextos nos quais a água é vista apenas como um recurso utilitário, é comum que haja menos preocupação com a poluição industrial e o desperdício, resultando em problemas como a escassez de água e a contaminação.

A agricultura industrial frequentemente utiliza métodos que esgotam o solo, as águas e reduzem a biodiversidade, como monoculturas e uso intensivo de pesticidas e fertilizantes químicos (venenos para diversas formas de vida). Em contraste, a agricultura regenerativa, que está alinhada com uma visão espiritual da terra, promove a rotação de culturas, o uso de compostagem e outras práticas que enriquecem o solo e protegem o ecossistema.

Em regiões onde a terra é vista apenas como uma fonte de recursos, as práticas de mineração e perfuração de petróleo podem devastar ecossistemas, poluir a água e deslocar comunidades indígenas. Em contraste, comunidades que veem a terra como sagrada frequentemente resistem a esses projetos e promovem alternativas sustentáveis.

Política e Economia com base na falsa religiosidade

Em culturas ou sistemas de crença nas quais a natureza não é vista como interligada com o divino, pode haver uma maior tendência ao negacionismo climático. Isso pode resultar em políticas públicas que ignoram ou minimizam a necessidade de reduzir emissões de carbono e não adotar práticas de energia sustentável.

A visão de que Deus está separado da natureza pode ter consequências profundas e prejudiciais para o meio ambiente. Exemplos de desmatamento, poluição, práticas agrícolas insustentáveis, indústrias extrativistas e mudanças climáticas ilustram como essa perspectiva pode levar à exploração irresponsável dos recursos naturais. Para promover a sustentabilidade ambiental, é crucial desenvolver uma visão que reconheça a sacralidade da natureza e a necessidade de protegê-la. Integrar uma consciência espiritual com práticas ambientais pode ajudar a criar um equilíbrio entre desenvolvimento humano e preservação ecológica, garantindo um futuro mais saudável e sustentável para o planeta.

Uma compreensão mais inclusiva e complexa da divindade, que inclua o feminino, a conexão com a natureza e a integração do mal, pode promover maior harmonia interna e social, bem como uma maior consciência ecológica.

Uma representação divina mais inclusiva e complexa e ecológica não só beneficia a prática religiosa, tornando-a mais rica e diversificada, mas também tem profundas implicações para a saúde ecopsíquicasociocultural. Ao integrar o feminino, a natureza e a dualidade do bem e do mal, podemos criar um modelo de espiritualidade que reflete a totalidade da experiência humana, promovendo um mundo mais equilibrado e sustentável.

Na canção “Folia“, a imagem da “rosa amarela” pode ser interpretada como um símbolo de diversidade e beleza na expressão da espiritualidade e da devoção. Enquanto a monocultura da divindade pode sugerir uma visão uniforme ou limitada da experiência espiritual, a “rosa amarela” representa a variedade de expressões, cores e formas que podem ser encontradas na busca pela conexão com o sagrado.

Todas as flores de um jardim.
O ESPELHO SIMBÓLICO
Nem Salomão, se vestiu como uma delas…
(Lucas 12:27)

A monocultura da divindade é uma abordagem exclusivista ou estreita, que limita as formas aceitáveis de devoção e espiritualidade. Em contraponto, a “rosa amarela” simboliza a diversidade de práticas religiosas, crenças e experiências individuais na busca pelo transcendente. Assim como uma rosa amarela destaca-se em meio a um jardim, a pluralidade de caminhos espirituais e expressões culturais enriquece a experiência humana e amplia nossa compreensão do divino.

O Jardim da Psique é um mosaico de flores diversas, cada uma refletindo uma faceta única da alma, juntas criando a beleza plena da totalidade. Somente por intermédio da inclusão de todos os aspectos da psique, podemos encontrar a verdadeira harmonia e despertar para a totalidade do ser. O Jardim Secreto da Psique Divina, além da monocultura da divindade, é um refúgio de totalidade, na qual o sagrado e o profano se entrelaçam em uma tapeçaria de infinitas possibilidades.

Que possamos experimentar o divino em todas as suas faces, abraçando a totalidade diversa da existência, nas qual cada sombra e cada luz dançam juntas no sagrado oikos da psique humana.

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