28/05/2025
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Pobreza na 1ª. Infância – Futuro Comprometido

  • maio 26, 2025
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Abandono, desleixo, preconceitos, medo e ódio. Fatores psicossociais exercidos, de cima para baixo que alimentam a pobreza e ampliam seu ciclo de existência.

Pobreza na 1ª. Infância – Futuro Comprometido

As desigualdades sociais começam muito cedo no Brasil – antes mesmo de a pessoa nascer. Fatores como classe social, renda, raça, escolaridade dos pais e local de moradia moldam precocemente o futuro.

Esta é uma importante conclusão do livro Ciência da Primeira Infância (Edgard Blücher, 2025), que reúne estudos de vários especialistas. A coordenação é do economista Naercio Menezes Filho, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Ele também é pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância (CPAPI). A obra foi lançada hoje (26/05), às 16 horas, na sede do Insper.

“O livro enfoca a primeira infância a partir de vários ângulos. Destacando que esse período, que vai da gestação até os 6 anos de idade, é de enorme importância na formação e na vida das pessoas. É um período de rápido desenvolvimento cerebral, em que as crianças adquirem habilidades de forma acelerada. Então, é fundamental que haja um desenvolvimento adequado, porque, caso contrário, vários aspectos futuros podem ficar comprometidos. Refiro-me a aspectos como habilidades motoras, capacidade de aprendizado, habilidades sociais, perseverança e outros”, diz Menezes Filho.

O pesquisador ressalta a importância de direcionar o olhar da ciência para essa fase da vida, que, até pouco tempo, não era tão estudada. “As pesquisas, geralmente, se concentravam no período seguinte à entrada da criança na creche ou pré-escola. Mas, agora, já temos um conhecimento multidisciplinar da fase anterior, que está ganhando relevo no mundo inteiro. E foi isso que buscamos reunir no livro.”

Quando a pobreza interessa e a quem?

Menezes destaca a plasticidade epigenética da primeira infância. Vale dizer, a expressão significa a ativação ou o silenciamento de genes em decorrência de fatores ambientais e sociais. Entretanto, sem que haja modificação no código genético em si.

“Antes, havia uma compreensão distorcida que enfatizava, de forma unilateral, os determinantes genéticos ou sociais. Ou era a genética que determinava tudo, ou era a sociedade que determinava tudo. Hoje está claro que os dois fatores interagem. Boa ou má alimentação, sonos reparadores ou não, ausência ou presença de estresse e muitos outros fatores ambientais e sociais. Este ‘combo’ vai fazer com que determinados genes se expressem ou sejam silenciados.

Esta, porém, não é a realidade vivenciada por muitas crianças nascidas em famílias pobres no Brasil. Com informações extraídas de grandes bancos de dados administrativos e de pesquisas recentes, o livro mostra que o país enfrenta uma condição de pobreza infantil que atravessa gerações. “A pobreza pode afetar o desenvolvimento infantil de várias maneiras. Ela é a ‘causa das causas’ dos fatores de risco”, resume Menezes Filho.

Contudo, a análise detalha como a renda dos pais impacta não apenas as condições de vida imediatas da criança, mas também sua trajetória futura. Indivíduos que nascem em famílias pobres tendem a apresentar menor estatura. Também apresentam, consequentemente, pior desempenho cognitivo, menos escolaridade. Assim, terão menor renda na vida adulta e maior probabilidade de maternidade/paternidade precoce. (N.E.: além de viverem menos).

Pobreza na 1ª. Infância - Futuro Comprometido
Quando, como e quem define o futuro destas crianças já planejado? (Img. AEL)

As estatísticas mostram que, entre as crianças nascidas nos 20% mais pobres da população, apenas 2,5% conseguem ascender ao grupo dos 20% mais ricos. De fato, esse índice é três vezes menor do que o dos Estados Unidos, que está muito longe de ser um país igualitário.

Um negócio chamado Brasil

“O capítulo do livro que trata de desigualdade e pobreza na primeira infância foi escrito por mim em parceria com Bruno Komatsu. E os dados com que lidamos são muito contundentes. Com efeito, o Brasil, infelizmente, é um dos campeões da desigualdade e da baixa mobilidade social. A futura inserção de classe de uma pessoa é fortemente determinada por sua inserção de classe no nascimento.

“Se você nasce em uma família pobre, vai ser muito difícil, vai ter de ultrapassar grandes barreiras. Precisará lutar contra discriminação a vida inteira para poder ascender socialmente. Os dados mostram isso de várias maneiras, distinguindo renda, raça, região etc. Vemos, por exemplo, que as crianças de famílias brancas e amarelas encontram sempre melhores condições do que as crianças negras e indígenas. É claro que há exceções, mas esta é a regra”, sublinha Menezes Filho.

Conforme dados divulgados em 30 de abril deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego do país no primeiro trimestre de 2025. Foi a menor registrada no período desde o início da série histórica: 7%. Apesar de tudo, esta é uma informação é muito auspiciosa, porque, como mostra o livro, o desemprego pode exercer um efeito devastador no ambiente familiar.

Gerando disfuncionalidades evitáveis, mas colaterais e “propositais

Artigos de outros economistas citados no livro mostram que a perda do trabalho por um dos genitores reduz, em média, 45% da renda do domicílio dois anos depois. Assim, uma série de graves consequências advém disso. O aumento do abandono escolar, a entrada precoce no mercado informal e crescimento da criminalidade juvenil.

“Os trabalhos de um grupo importante de economistas do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Pernambuco [Pimes-UFPE], conceito 6 no CAPES, por exemplo, mostram que, dois anos depois da demissão, a taxa de abandono escolar aumenta 6% e a taxa de distorção idade-série aumenta 18%”, informa Menezes Filho. Além disso, a convivência forçada no domicílio durante períodos de desemprego tende a aumentar significativamente os índices de violência doméstica.

Um dado bastante chocante apresentado por esses estudos é que o nascimento de uma criança em uma família carente pode ser o gatilho para a entrada dos pais no mundo do crime. “O nascimento de um filho aumenta a atividade criminosa do pai em 18% dois anos depois do nascimento e em cerca de 30% seis anos depois”, informam os estudos referindo-se a crimes com motivação econômica.

Pobreza e cor da pele não são crimes (Aporofobia). Mas, podem ser aproveitados para

Todo esse cenário, por si bastante desafiador, pode ser ainda agravado por comportamentos discriminatórios. À primeira vista são aqueles que interferem no desenvolvimento infantil no momento em que as crianças pequenas estão formando suas identidades. Sobretudo o racismo é um desses fatores. Crianças negras, mesmo sem sofrerem violência física, são frequentemente expostas a ambientes onde predominam imagens e discursos negativos sobre sua identidade.

Primordialmente, essa exposição pode gerar sofrimento psíquico e levar ao estresse tóxico. Ou seja, um tipo de estresse prolongado que, segundo o estudo, está associado ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade na vida adulta.

Decifrando um currículo para as escolas e formação dos professores

“É preciso interromper o ciclo de transmissão de pobreza e desigualdades investindo hoje nas crianças que mais precisam”, enfatiza Menezes Filho. “Antes de tudo, o que nosso livro mostra é a necessidade de uma abordagem intersetorial e transdisciplinar. Cada capítulo enfoca um aspecto. E cada aspecto demanda medidas específicas.

Então, não se trata de uma única política pública, mas de uma convergência de políticas públicas. Por exemplo, a diminuição da pobreza e o acesso ao consumo evoluíram muito, nos últimos 30 anos. Isso se deu, principalmente, graças a programas de transferências de renda, como o Bolsa Família. Assim, conseguimos avançar para tentar superar um gargalo que era a alta taxa de mortalidade infantil decorrente da desnutrição.

Porém, agora, temos outro tipo de problema associado à alimentação, que é o crescimento do sobrepeso e da obesidade devido ao consumo de alimentos ultraprocessados. Nesse sentido, por si só já demanda uma política pública específica. É preciso ver o conjunto. E atuar em muitas frentes ao mesmo tempo”, conclui Menezes Filho.

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