13/06/2025
Educação Política Nacional Sociedade

Quantos ainda estariam aqui?

  • abril 15, 2025
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O Rio de Janeiro continua lindo. Geograficamente belo, mas socialmente feio e abalado: A política de seguranda adotada até então não funciona.

Quantos ainda estariam aqui?

O Supremo Tribunal Federal retoma na próxima quinta-feira o julgamento mais importante da sua história. Hipérboles como essa são perigosas, mas não se trata de um excesso.

Estamos falando de um julgamento que pode salvar vidas de milhares de brasileiros. A vida é o critério que utilizei para mensurar a importância da sessão e que também guiará este texto. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, conhecida como ADPF das Favelas, é um marco em termos de boas práticas em segurança pública no Brasil. Primeiro por uma razão simples: trata-se de uma política baseada em dados que aponta para o planejamento das políticas públicas implementadas pelo Estado.

Mas também porque em trinta anos é a primeira vez que a população do Rio de Janeiro experimenta uma política em consonância com o artigo 144 da Constituição Federal. É aquele que define segurança pública como “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, sob a égide dos valores da cidadania e dos direitos humanos”.

Tomo como referência temporal para este texto as duas chacinas ocorridas em Nova Brasília, Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio em 1994 e 1995. No intervalo de sete meses, a polícia realizou duas operações que terminaram com 26 pessoas mortas na favela . A justificativa: repressão ao tráfico de drogas.

Como em tantas outras operações que se sucederam a essas, abundam indícios de execução e violação de direitos. Em 2017, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu que houve atos de tortura, execução e estupro no caso. A Corte disse ser responsabilidade internacional do Brasil pela violação de direitos humanos de vítimas e seus familiares. Foi a primeira vez em que o país foi julgado e responsabilizado na Corte por casos de violência policial. Mas apesar disso, as recomendações da sentença não foram cumpridas.

Não pode normallizar

Nova Brasília inaugurou um modus operandi tornado corriqueiro no Rio de Janeiro, adotado por polícias de outros estados nos anos seguintes. Acostumamo-nos com as operações policiais com dezenas de mortos. Com as crianças vítimas de balas perdidas a caminho da escola e com as cenas de trabalhadores atirados no chão do transporte público para fugir das linhas de tiros.

Não é preciso ser especialista para saber que em 30 anos essa política gerou resultados pífios. Não há registro de uma única localidade na qual o Estado retomou sua soberania por essa via. Não há facção criminosa ou grupo armado desarticulado com essas operações. Pelo contrário. Os grupos cresceram, se fortaleceram e ampliaram seu domínio. Não é preciso morar no Rio de Janeiro para saber que a situação da violência aqui não melhorou após décadas de operações policiais e tiroteios.

Ainda assim, contra todas as evidências, a bala continua sendo a ordem e o centro da política de segurança — não só no Rio. Esta é a primeira grande mudança capitaneada pelo STF. Ao longo de todo o processo da ADPF convivemos com a abundância de dados que evidenciam as consequências da política vigente e o impacto que o planejamento e monitoramento das operações policiais pode causar.

Números da crueldade oficial seletiva

A segunda grande mudança reside no fato de que o STF, de olho na Constituição Federal, mandou uma clara mensagem para a sociedade. A alta conta da segurança pública não será paga somente pelos mais pobres.

No entanto, há uma profunda desigualdade na maneira como os diferentes grupos sociais lidam com as consequências dessas questões. A população que habita favelas e periferias paga com a própria vida pela ineficiência do Estado. São famílias que todos os dias convivem com o medo, os sons e os traumas do tiroteio. Inclusive famílias de policiais.

Cotidiano fácil de traduzir em números. Desde 2016, o Fogo Cruzado mapeou 706 crianças e adolescentes baleados no Grande Rio. 45% foram atingidos durante uma operação policial e 32% foram vítimas de bala perdida. 38% foram baleados na Baixada Fluminense ou na Zona Norte da capital, áreas mais pobres do Grande Rio. Somente 3% foram atingidos na Zona Sul, área que vai do Catete ao Leblon, na capital.

Estatísticas funestas em queda?

É por tudo isso que posso afirmar aos Ministros da Suprema Corte: estávamos esperando por essa decisão há 30 anos. Ela chegou, marcou uma mudança de rumo e agora cabe perguntar: essa mudança deu resultado?

Não importa qual dado ou indicador você escolha, o Rio de Janeiro está demasiadamente mais seguro depois da ADPF. Comparando os dados de 2019 e os de 2024, os números caíram: tiroteios 66%, vítimas de balas perdidas 40%, agentes de segurança baleados 51%, crianças e adolescentes baleados 43% e chacinas 42%.

Um estudo de pesquisadores de Harvard demonstrou que após as primeiras decisões tomadas no âmbito da ADPF o número de mortos pela polícia diminuiu em 66%, enquanto os homicídios gerais diminuíram em 19%. As restrições impostas às operações policiais salvaram mais de 100 vidas somente nos primeiros 30 dias segundo os pesquisadores.

Eles ainda afirmam, com base em dados do Instituto de Segurança Pública, órgão do governo do estado, que não houve aumento da criminalidade e alguns índices chegaram a apresentar redução.

Justiça seja feita contra os crimes de farda.

O impacto da ADPF 635 está documentado, produzido por muitas fontes e pode ser facilmente acessado. Do outro lado, não há nenhum estudo sério que sugira impactos negativos das medidas tomadas pelo STF. Os relatórios apresentados pela prefeitura do Rio de Janeiro e pelo governo do estado são peças publicitárias da letalidade policial com foco em garantir votos de uma parcela da população que apoia as políticas de linha dura em 2026. Não dá para serem levados a sério.

Diante disso, podemos nos perguntar: quantas pessoas ainda estariam aqui se a ADPF tivesse acontecido 5, 10, 15 anos antes? Não dá para prever o passado, mas os dados nos ajudam a projetar o futuro. Em 2019, 874 pessoas morreram em operações policiais no Grande Rio. Em 2024, foram 491, queda de 44%.

Na próxima quinta o STF tem uma dupla chance. A Corte pode fazer história consolidando a mais eficaz e extraordinária política de segurança pública dos últimos 30 anos. Pode também fazer justiça, tirando o peso da segurança pública das costas daqueles que mais precisam dela.

É injusto que exatamente aqueles que convivem com o domínio territorial de grupos armados paguem com a vida por uma política ineficiente, marcada pela corrupção de agentes do Estado e pelo abuso do uso da força.

Um apelo popular

Se você quer saber mais sobre a ADPF 635 pode ver esse vídeo(?) em que trato das medidas tomadas pelo STF. Também quero te pedir para encaminhar esse texto para pessoas que precisam saber mais sobre o julgamento de quinta-feira.

Por fim, te convido a enviar uma mensagem para o presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso, pedindo que a Corte considere os impactos da ADPF em seu julgamento. Se preferir, pode só reenviar esse e-mail com sua recomendação de leitura. O endereço do gabinete dele é: gabmlrb@stf.jus.br

Um abraço,

Cecilia Olliveira – Diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado

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