A colonização da religiosidade brasileira pelo Bios Midiático, termo alcunhado por Muniz Sodré trata, conforme Miklos, da “criação de uma eticidade (costume, conduta, cognição, sensorialidade) estetizante e vicária.”
Chegou às mãos deste resenhista o necessário “Veredas do sagrado: interfaces entre imaginário, ecologia e religião”, organizado por Jorge Miklos, professor doutor do Programa de Pós-Graduação em comunicação da Universidade Paulista (Unip) e líder do grupo de pesquisa “Mídia e Estudos do Imaginário” da mesma instituição.
Por que um livro necessário? Pois a pesquisa em “Comunicação e Religião” é um ramo de estudos em crescente desenvolvimento no Brasil, registrando o organizador mais de 100 publicações, entre dissertações de mestrado e teses de doutorado, entre 2021 e 2018 junto ao banco de teses da Capes. Os textos estão originalmente publicados de forma espraiada em diferentes revistas, sendo agora revistos, ampliados e consolidados num só volume.
O organizador logo de início nos alerta sobre a colonização da religiosidade brasileira pelo Bios Midiático, termo alcunhado por Muniz Sodré. Trata-se, conforme Miklos, da “criação de uma eticidade (costume, conduta, cognição, sensorialidade) estetizante e vicária.” Nesse sentido, a religiosidade contextualizada pelos meios de comunicação é tendencialmente subalterna a interesses econômicos e desorganizadores do capitalismo. Ainda se referindo ao Bios Midiático trata-se, de um modo geral, do enlace indiscernível entre virtual e real, de modo que hoje o virtual também é o real e vice-versa.
E como se dá a comunicação hoje no ambiente virtual? Tanto quanto outras práticas sociais, a comunicação social existe num contexto caracterizado por relações sociais mercantilizadas. No capitalismo, tudo tendencialmente assume a forma de mercadoria, ou seja, coisa criada para a troca. E sempre uma troca rápida, surgindo assim um mundo de efemeridades e constante alta velocidade. Nesse esteio, consolida-se o consumismo, sempre individualista e hedonista.
A comunicação assume essa natureza daquilo que é superficial e veloz e, no âmbito dos estudos em Comunicação e Religião, constata-se que inevitavelmente a religiosidade brasileira está domesticada pela dinâmica mercantilizante da ideologia burguesa. Todavia, vamos a uma breve descrição de cada um dos capítulos desta importante obra.
Entre o mercado e o sagrado
O primeiro texto, “A servidão tecnológica: o encantamento da mídia na era cibercultural”, de autoria do organizador Jorge Miklos, vai de encontro ao que se disse anteriormente. Promovendo uma reflexão sobre o deslocamento das práticas religiosas para o ambiente virtual, o autor explica que à maneira de outros tipos de reações sociais, as práticas religiosas migram para o virtual no contexto capitalista do termo: reduzidas, não-transcendentes, individualistas, consumistas e regidas pela dinâmica do espetáculo recreativo.
Usualmente realizada em encontros presenciais, no boca a boca, as religiões brasileiras, em especial o cristianismo, seja neopentecostal, seja católico, hoje ocupam redes sociais tanto quanto ocupam – já de longa data – cada esquina, seja em grandes ou pequenas cidades. O texto é muito rico na abertura das linhas de pesquisa e reflexão sobre tal fenômeno.
O segundo texto, “O Sagrado Colonizado: religiões de mercado e mercado das religiões”, de co-autoria entre o organizador, Jorge Miklos, e Ronivaldo Moreira de Souza, mestre em Ciências da Religião e doutor em Comunicação, realiza a análise crítica da mercantilização das religiões e o espaço confinado no sagrado nesse meio. Questionam-se os autores sobre o lugar do sagrado numa religiosidade mercantilizada.
Capa do livro “Veredas do sagrado: interfaces entre imaginário, ecologia e religião”do profº Jorge Miklos. (Img. cedida)
O terceiro texto, “Sob o Signo de Narciso: religião midiatizada e a idolatria do eu”, de autoria do organizador, Miklos aproveita sua experiência enquanto analista junguiano e promove uma interface entre comunicação, religião e psiquismo, apontando que o antigo culto ao sagrado hoje foi substituído pelo culto ao eu, no sentido de adoração do dinheiro, da fama e do sucesso.
O quarto texto, “O Louvor à Grande Mãe Nazaré: um espetáculo da cultura midiática”, de co-autoria entre o organizador e a doutora em Comunicação Ariana Nascimento Silva, realiza um estudo sobre a midiatização da religiosidade brasileira. O texto conclui que o cartaz de 2011 da festa popular do Círio de Nazaré promoveu a chamada iconofagia, “no qual os homens devoram imagens e as imagens devoram os homens”.
O sagrado, a comunicação e os ativismos
O quinto texto, “O Ambiente Comunicativo da Casa Comum: Ecologia da Comunicação na Agenda Midiática do Papa Francisco”, de co-autoria do organizador com o Mestre e jornalista João Fortunato Freire trata da agenda midiática do Papa Francisco, adepto criticamente às redes sociais, das quais se vale como forma de criticar o capitalismo, as “fake news”, a ausência de engajamento comunitário e o consumismo.
O sexto texto, “Ecologia da Comunicação: uma teia de vínculos”, de co-autoria entre o organizador e a Doutora em Comunicação Agnes Arruda, aborda a Ecologia da Comunicação, relacionando a revigoração dos vínculos sociais e o fortalecimento da cidadania. O texto original fora rechaçado pela burocracia universitária, todavia, publicado pela vanguardista PAULUS: Revista de Comunicação.
O sétimo texto, “Ecologia da Comunicação na Marcha Mundial das Mulheres”, de co-autoria entre o organizador e a Mestra em Comunicação Maria Aparecida Cunha tratou da relação entre feminismo e comunicação, especificamente sobre a forma como a MMM exerce, ao seu modo, a Ecologia da Comunicação: os meios de comunicação são utilizados para visibilidade e mobilização diante das pautas, num autêntico exercício de cidadania midiática.
O oitavo texto, “Nós Não Temos Teologia, Nós Dançamos”, de co-autoria entre o organizador e a Mestra em Educação Tatiana Pena, fura o certo cristocêntrico, ao abordar os aspectos comunicacionais na Umbanda, religiosidade caracterizada pela oralidade e corporalidade em reverência às forças do Universo.
O nono texto, “Lila e Maya: em busca da sacralidade dos processos criativos e participativos”, de co-autoria entre o organizador e o Doutor em Comunicação Tadeu Iuama pretende traçar um estudo entre o brincar, em especial quanto aos larps (“live action role-playing” ou jogo de interpretação ao vivo em português).
Tecnologias, imaginário e povos oprimidos
O décimo texto, “O Senhor dos Dois Mundos: Steve Jobs, o herói tecnológico” de co-autoria entre o organizador e o Doutor em Comunicação Leonardo Aloi Torres, valendo-se do método junguiano da psico-história-arquetípica, expõe momentos da vida de Steve Jobs enquanto uma remitologização contemporânea da saga do herói.
O décimo primeiro texto, “Tudo o que ofereço é a Verdade: Matrix e o Imaginário Midiático” de co-autoria entre o organizador e a Mestra em Comunicação Gislene Pereira procurou identificar narrativas míticas no contexto do filme Matrix.
O décimo segundo texto, “Dentro e Fora da Casa Comum: Imaginário Simbólico na Missa dos Quilombos” de co-autoria entre o organizador e Luciano Pessoa trata da Missa dos Quilombos, criada por Dom Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra, com música de Milton Nascimento. A missa, realizada pela primeira vez em Recife, 1981, denunciou as mazelas atuais decorrentes da escravidão, sinalizando a face progressista da Igreja Católica, inclusive por incluir elementos de cultura diversa em sua liturgia.
O último texto, “A estereotipia dos povos originários na mídia hegemônica” de co-autoria entre o organizador e Sandra Penkal expõe criticamente o esvaziamento e os estereótipos da identidade indígena no Brasil.
Uma breve conclusão
As aproximadamente 280 páginas do livro são muitas e poucas ao mesmo tempo. “Muitas” pois são abertas ao mesmo tempo várias frentes de pesquisa e reflexão sobre religião e comunicação no Brasil. “Poucas” pois não se propõem à palavra final sobre os temas. E retomamos nossa tese exposta logo ao início dessa resenha: trata-se de um livro necessário.
Sua necessidade decorre da compreensão específica da apropriação pelas diferentes práticas religiosas da comunicação social no Brasil. As nuances comunicacionais num contexto capitalista tendencialmente reduzem o sagrado a uma condição mercantil, palatável ao consumismo infantilizado da ideologia contemporânea. O livro amplia o arsenal da pesquisa e instrumentaliza ativistas da comunicação social para furar o cerco do conservadorismo midiático-religioso.
Vinícius Magalhães Pinheiro -Mestre em Direito Político e Econômico – Universidade Presbiteriana Mackenzie. Docente de Filosofia do Direito.
DadosTécnicos:
DADOS DO AUTOR Jorge Miklos, professor doutor do Programa de Pós-Graduação em comunicação da Universidade Paulista (Unip) e líder do grupo de pesquisa “Mídia e Estudos do Imaginário” da mesma instituição.
DADOS DA OBRA Veredas do sagrado: interfaces entre imaginário, ecologia e religião. Organização: Jorge Miklos – São Paulo: Humanitas, 2021. 288p. – (História Diversa; v. 23) ISBN 978-65-89853-00-8
Contato para o livro: https://www.facebook.com/jorge.miklos (privado) Valor: R$ 30,00 – Depósito PIX – 060.045.538-67
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