Sustentabilidade

Agroecologia: sistema agrário sustentável

SUSTENTABILIDADE: No Brasil, podemos afirmar que a difusão da agroecologia é resultado da atuação pioneira de organizações não governamentais, desde 1980

Thelmely Torres Rego

São Paulo, 01/09 de 2020.

2 Minutos

No Brasil, a prática e o pensamento agroecológico resultam da constatação de que a agricultura de larga escala, baseada na produção de monoculturas, dependente de insumos externos e orientada pelos interesses do mercado tem levado à produção destrutiva nos âmbitos ambiental, social, econômico e cultural.

A agroecologia é colocada como alternativa a essa agricultura que tem sido historicamente chamada de convencional, dominada pelas grandes corporações, desde a produção até o consumo.

Na atualidade, está transmudada no agronegócio que, em essência, não constitui nenhuma novidade enquanto projeto de desenvolvimento para o campo brasileiro.

A agricultura convencional foi trazida para o Brasil na década de 1960. Entendida como moderna, significava, na prática, levar ao campo determinadas tecnologias – o pacote tecnológico da Revolução Verde – como agrotóxicos, fertilizantes sintéticos, sementes melhoradas, sistemas de irrigação, máquinas agrícolas, especialmente para a manutenção das monoculturas, unindo agricultura e indústria.

Especificamente, no caso brasileiro, (José Graziano da Silva – 1982)[1] identificou esse processo como uma modernização dolorosa, em que a agricultura foi subordinada à indústria mediante aliança entre o grande capital e o latifúndio, sob a égide do Estado, mantendo a estrutura e a política agrárias.

A gênese dessa agricultura remonta ao último quarto do século XVIII. Já nas décadas de 1820 e 1830, na Europa e América do Norte, houve uma considerável crise em função do esgotamento da fertilidade dos solos, solucionada com a produção do primeiro fertilizante sintético no ano de 1842.

Os desmatamentos de florestas para obtenção de terra arável resultaram no processo de erosão de solos e desequilíbrio ecológico (Foster, 2005).

No final do século XIX, o avanço científico e tecnológico, especificamente com a descoberta dos fertilizantes químicos, do melhoramento genético de plantas e motores de combustão interna, propiciou a consolidação de um padrão produtivo químico, motomecânico e genético na agricultura (Ehlers, 1999).

Ora, a problemática não está no desenvolvimento científico e tecnológico em si, e sim no fato de que ciência e tecnologia são desenvolvidas conforme os interesses de determinada forma social, portanto, sem neutralidade.

Fato é que, desde seus primórdios, a agricultura convencional, à medida que se consolidava nos sistemas agrários, revelava sua insustentabilidade. Todavia, concomitantemente, outras propostas de agricultura foram desenvolvidas.

No século XX, por exemplo, nas décadas de 1920 e 1930, foram criadas as vertentes biodinâmica, orgânica e biológica na Europa, e a agricultura natural no Japão, todas contrárias à agricultura convencional[2].

A partir de meados da década de 1960 essa agricultura convencional foi exportada para os então chamados países do Terceiro Mundo a fim de, mediante a modernização da agricultura, resolver problemas sociais e impulsionar tais países ao desenvolvimento.

Tal justificativa não passava de uma falácia. Dada a crise econômica do período, as muitas tensões sociais e, sobretudo, os questionamentos acerca da viabilidade do projeto de desenvolvimento do período pós-guerra, era necessário, urgentemente, reafirmar o modo de produção e garantir a expansão do capital.

Mais uma vez as contestações em relação ao modelo agrícola foram intensificadas. O desenvolvimento das ciências Agronomia e Ecologia, os estudos sobre a Revolução Verde e seus impactos, as pesquisas sobre as práticas agrícolas de povos tradicionais contribuíram para que diversas correntes de agricultura fossem retomadas ou constituídas.

No seu conjunto, ficaram conhecidas como agriculturas alternativas. Nos anos de 1970, a agroecologia foi colocada como uma das alternativas para uma agricultura de base sustentável.

A agroecologia no Brasil

No Brasil, podemos afirmar que a difusão da agroecologia é resultado da atuação pioneira de organizações não governamentais, desde 1980, na articulação de sujeitos e, sobretudo, pela realização de experiências concretas com agricultores a partir do cotidiano do trabalho em suas unidades produtivas.

Tais experiências prenunciaram a gênese da agroecologia no país no início da década de 1990. Mais acentuadamente, nos anos 2000, foi incorporada aos movimentos sociais e sindicais do campo.

Foram políticas e programas públicos, em centros de pesquisa, ensino e extensão rural, ainda que parcialmente, além de justificar a constituição de diversas redes e fóruns nacionais, estaduais e regionais e a realização periódica de eventos.

Contudo, essa difusão, teve e ainda tem seus limites, ora mais delimitados, ora menos, conforme o contexto político-econômico.

Sistema agrário agroecológico

O desafio para a constituição de uma agricultura sustentável, ou de base agroecológica, é que esta precisa ir além dos limites da unidade de produção individual, uma vez que a produção agrícola envolve um sistema alimentar muito maior.

É inerente à agroecologia uma dimensão integral que articula os aspectos técnico, ambiental, social, cultural e econômico. O sistema agrário agroecológico considera produção, transformação, transporte, distribuição, conservação, preparação dos alimentos e consumo, além de outros produtos como fibras, substâncias medicinais etc.

Portanto, a agroecologia tem como objeto a produção de toda a biomassa útil ao ser humano ou para a reprodução dos sistemas agrários[3]. Podemos ainda inferir que esse sistema agrário agroecológico considera também a produção da agricultura urbana e periurbana, a pesqueira, a extrativista, a criação animal, a mineração, entre outras.

Qualificando sustentabilidade

Então, é insatisfatório afirmar que a agroecologia possibilita uma agricultura sustentável, dado que o conceito sustentabilidade tem sido apropriado conforme distintos interesses.

Segundo pesquisadores renomados[4] do campo agroecológico, tanto da escola espanhola quanto da estadunidense, uma agricultura sustentável será impossível em um mundo insustentável.

Assim, atingir a sustentabilidade significa transformar os sistemas globais de produção, processamento e distribuição de alimentos, compreendendo que toda a intervenção agroecológica precisa necessariamente diminuir as desigualdades sociais propiciando o acesso igualitário aos meios de vida.

Thelmely Torres RegoEngenheira Agrônoma, Especialista em Gestão Estratégica para Organizações do Terceiro Setor e Mestre e Doutora em Educação/Formação em Agroecologia

[1] Ver A modernização dolorosa: estrutura agrária, fronteira agrícola e trabalhadores rurais no Brasil.

[2] Ver mais sobre essas temáticas em Agricultura sustentável: origens e perspectivas de um novo paradigma, de Eduardo Ehlers, 1999, e A ecologia de Marx: materialismo e natureza, de John Bellamy Foster, 2005.

[3] Ver mais sobre essa análise em Introducción a la agrecológia de Manuel González Molina, 2011.

[4] Manuel González Molina em Introducción a la agrecológia, 2011; Stephen Gliessman em Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável, 2009; Miguel Altieri em Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável, 2008; Eduardo Sevilla Guzmán, Graciela Ottmann e Manuel González Molina em Los marcos conceptuales de la agrecológía, 2006.

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Redação

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