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Dengue – Doença Antiga e Negligenciada

Na última década, predominou o vírus tipo um, mas agora o vírus tipo dois da dengue está em evidência e as pessoas ainda não desenvolveram resistência a ele.

Eliane da Silva Fernandes

Maringá – PR – 26/04/2022.

2 Minutos

O Brasil enfrenta uma nova epidemia de dengue transmitida pelo mosquito Aedes aegypti (Fig. 1). A doença, que estava em baixa há dois anos, apresentou crescimento de 600%, em comparação ao mesmo período de 2018, e tem como principal causador o vírus do tipo dois. Expedito José de Albuquerque Luna, professor do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP – Universidade de São Paulo, explica que o surto de dengue é algo esperado, pois desde sua introdução no Brasil há 30 anos atrás, a incidência é variante.

Desde janeiro deste ano, o Brasil contabilizou 323,9 mil casos prováveis de dengue e 79 mortes pela doença; entre as cinco cidades mais atingidas, três estão no Centro-Oeste: Goiânia (25,1 mil casos), Brasília (19,2 mil) e Aparecida de Goiânia (4,6 mil). Completam a lista, Palmas (7,5 mil), no Tocantins, e Votuporanga (4,7 mil), em São Paulo.

Dengue - Doença Antiga e Negligenciada
Os números, disponíveis no último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, revelam um aumento de 85,6% nas infecções por esse vírus, transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti, em relação ao mesmo período de 2021. (Getty Img)

O que está por trás desse cenário? E o que pode ser feito para combatê-lo?

Para o A. aegypti, as chuvas são sinônimo de água parada, local onde os ovos do mosquito eclodem e as larvas se desenvolvem até alcançarem a fase adulta. “Geralmente, quando chega o mês de dezembro e começamos a notar uma grande concentração do Aedes, já dá para prever que março e abril vão ser ruins, com muitos casos de dengue”, observa o infectologista Celso Granato, diretor do Fleury Medicina e Saúde.

Mas, na virada de 2021 para 2022, as projeções foram atrapalhadas por outras duas crises de saúde. Nessa mesma época, o Brasil enfrentou uma epidemia de influenza H3N2, que causou um aumento importante de casos de gripe, e a disseminação da variante ômicron do coronavírus, por trás de recordes nos números de infecção. “Os sistemas de vigilância da dengue foram muito prejudicados, já que nesses dois últimos anos havia um foco quase absoluto na pandemia de covid-19”, acrescenta o médico, que também é professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

A dengue é uma doença infecciosa febril aguda causada por um vírus pertence à família Flaviviridae, do gênero Flavivírus. O vírus da dengue apresenta quatro sorotipos, em geral, denominados DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Esses também são classificados como arbovírus, ou seja, são normalmente transmitidos por mosquitos. No Brasil, os vírus da dengue são transmitidos pela fêmea do mosquito A. aegypti (quando também infectada pelos vírus) e podem causar tanto a manifestação clássica da doença quanto a forma considerada hemorrágica.

As características clínicas e epidemiológicas peculiares da dengue no Brasil têm despertado o interesse de pesquisadores e órgãos nacionais e internacionais de saúde pública, tendo em vista a importância da identificação dos fatores que determinam as distintas formas de expressão individual e coletiva dessas infecções para o aperfeiçoamento do seu tratamento e controle, pois, em termos de número de casos, representa a segunda mais importante doença transmitida por vetor no mundo. A dengue se distribui em uma larga faixa abaixo e acima do Equador, 35º N a 35º S.

Ausência do Estado na área da Saúde

Dengue - Doença Antiga e Negligenciada
Ampla distribuição geográfica no número de transmissão da dengue. E grande concentração no Brasil e Am. do Sul.

Até a metade da década de 1990, o Sudeste Asiático se constituía na região do mundo mais atingida pela dengue. A partir de então, os países das Américas Central e do Sul começaram a se destacar nesse cenário e passaram a contribuir com muito mais da metade dos casos notificados dessa doença no mundo. Naquela década, em apenas um único ano (1998), o Brasil registrou mais de 700 mil casos.

O A. aegypti tem se caracterizado como um inseto de comportamento estritamente urbano, sendo raro encontrar amostras de seus ovos ou larvas em reservatórios de água nas matas.

Devido à presença do vetor no ciclo de transmissão da doença, qualquer epidemia de dengue está diretamente relacionada à concentração da densidade do mosquito, ou seja, quanto mais insetos, maior a probabilidade de ocorrência. Por isso, é importante conhecer os hábitos do mosquito, a fim de combatê-lo como forma de prevenção da doença.

Os ovos não são postos diretamente na água limpa, mas milímetros acima de sua superfície, em recipientes tais como latas e garrafas vazias, pneus, calhas, caixas d’água descobertas, pratos de vasos de plantas ou qualquer outro que possa armazenar água da chuva. Quando chove, o nível da água sobe, entra em contato com os ovos e esses eclodem em poucos minutos.

Em um período que varia entre cinco e sete dias, a larva passa por quatro fases até dar origem a um novo mosquito. A densidade natural do A. aegypti é maior no verão, pois nessa estação temos maior pluviosidade (mais chuvas), que aumenta a oferta de criadouros onde a fêmea pode deixar seus ovos, e altas temperaturas, que aceleram o desenvolvimento do mosquito entre as fases de ovo-larva-adulto.

As fêmeas do A. aegypti costumam viver dentro das casas em ambientes escuros e baixos (sob mesas, cadeiras, armários etc.), onde podem ser encontradas temperaturas (que variam entre 24 e 28°C) e umidades apropriadas para o mosquito adulto. Alimentam-se da seiva de plantas e picam o homem em busca de sangue para maturar seus ovos. Em média, cada mosquito vive em torno de 30 dias e a fêmea chega a colocar entre 150 e 200 ovos a cada ciclo de oviposição, que compreende 4 a 5 dias.

Apesar da cópula com o macho ser realizada, em geral, uma única vez, a fêmea é capaz de realizar inúmeras posturas de ovos no decorrer de sua vida, já que armazena os espermatozoides em suas espermatecas (reservatórios presentes dentro do aparelho reprodutor). Uma vez contaminada com o vírus da dengue, após um período de 8 a 12 dias de incubação, a fêmea torna-se vetor permanente da doença. Calcula-se que haja uma probabilidade entre 30 e 40% de chances de suas crias já nascerem também infectadas.

Dengue - Doença Antiga e Negligenciada
As larvas se desenvolvem logo após os ovos eclodirem dentro do reservatório de água (Img. Internet)

A doença pode ser assintomática ou pode evoluir até quadros mais graves, como hemorragia e choque. Na chamada dengue clássica, que deve ser notificada logo na primeira manifestação com febre alta (39° a 40°C) e de início abrupto, usualmente seguida de dor de cabeça ou nos olhos, cansaço ou dores musculares e ósseas, falta de apetite, náuseas, tonteiras, vômitos e erupções na pele (semelhantes à rubéola). A doença tem duração de cinco a sete dias (máximo de 10), mas o período de convalescença pode ser acompanhado de grande debilidade física, e prolongar-se por várias semanas.

No que diz respeito à forma mais grave da enfermidade, conhecida como febre hemorrágica da dengue, os sintomas iniciais são semelhantes, porém há um agravamento do quadro no terceiro ou quarto dia de evolução, com aparecimento de manifestações hemorrágicas e colapso circulatório. Nos casos graves, o choque geralmente ocorre entre o terceiro e o sétimo dia de doença, geralmente precedido por dor abdominal.

O choque é decorrente do aumento de permeabilidade vascular (capacidade das moléculas de atravessar os vasos sanguíneos e atingir o tecido), seguida de hemoconcentração e falência circulatória. Alguns pacientes podem ainda apresentar manifestações neurológicas, como convulsões e irritabilidade. Além disso, condições prévias ou associadas como referência de dengue anterior, idosos, hipertensão arterial, diabetes, asma brônquica e outras doenças respiratórias crônicas graves podem constituir fatores capazes de favorecer a evolução com gravidade.

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Eliane da Silva Fernandes – Doutora em Ciências Ambientais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).

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