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Direitos a Alimentação Adequada – Agroecologia.

O Dia Mundial da Alimentação é comemorado em 16 de outubro, mesma data da criação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) em 1945, e tem o intuito de promover a reflexão sobre o contexto da alimentação mundial atualizando a ênfase na Agroecologia um direito à alimentação adequada.

Thelmely Torres Rego

São Paulo, 19/11 de 2020.

3 Minutos

No ano de 1981 ocorreu a primeira comemoração do Dia Mundial da Alimentação com o tema A comida vem primeiro. Neste ano de 2020 o tema é Crescer, nutrir e sustentar, e tem sido muito debatido, uma vez que, conforme alerta a ONU, “os sistemas alimentares estão falhando e a pandemia da COVID-19 só agrava a situação”.

Até o final deste ano, a ONU aponta que “cerca de 130 milhões de pessoas correm o risco de ficarem à beira da fome” e que “esse número se soma aos 690 milhões de pessoas que já não têm o que comer” e “mais de 3 bilhões de pessoas não têm dinheiro para fazer uma dieta saudável.” (ONU, 2020).

No lançamento do Documento sobre o Impacto da Covid-19 na Segurança Alimentar e Nutricional, o secretário-geral das Nações Unidas afirmou que a “pandemia de COVID-19 intensificou ainda mais a insegurança alimentar em todo o mundo, levando a um nível ‘não visto há décadas’. Acrescentou ainda que “este ano, cerca de 49 milhões de pessoas podem cair na pobreza extrema devido à crise da COVID-19”; “o número de pessoas expostas a uma grave insegurança alimentar e nutricional vai crescer rapidamente” (ONU, 2020).

O Documento ainda ressalta que mesmo antes da pandemia centenas de milhões de pessoas já viviam uma crise alimentar, fome e desnutrição.

A fome é consequência da desigualdade social

A contradição está no fato de que “há alimentos mais do que suficientes no mundo para alimentar a nossa população de 7,8 bilhões de pessoas”, declara o secretário-geral das Nações Unidas (ONU,2020).

Ora, a fome não é resultado da produção insuficiente de alimentos, mas da desigualdade social e sua consequente exclusão. Acerca disso não há dúvidas.

Fome no mundo – Desigualdade social e inépcia politicoeconômica – (Foto ONU)

A despeito do aumento da produção agrícola a partir da implantação da agricultura de base industrial, especificamente ao longo do século XX, persistiram a fome, a desnutrição e a pobreza.

Nas duas últimas décadas desse século, diante do agravamento dos índices de pobreza, fome e desnutrição por todo o mundo, a temática foi se tornando cada vez mais importante – e urgente. Em 1996, na Cúpula Mundial da Alimentação, realizada em Roma, ficou evidente que intervenções pontuais eram insatisfatórias, sendo necessária a elaboração de políticas para a redução do contexto de fome e subnutrição no mundo.

O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, no Comentário Geral Número 12 O Direito Humano à Alimentação, salienta que cabe aos Estados “respeitar, proteger e cumprir o direito humano à alimentação adequada mediante políticas globais, regionais e nacionais” (ONU, 1999).

No Brasil, em 2010, em decorrência de um amplo processo de mobilização social a partir da atuação da sociedade civil organizada foi aprovada a Emenda Constitucional n. 4 que alterou o art. 6o introduzindo a alimentação como direito social: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)

O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) está contemplado no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle” (ONU, 1948).

O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, também no Comentário Geral Número 12 O Direito Humano à Alimentação (ONU, 1999), afirma que o direito à alimentação adequada é inseparável da condição de dignidade do ser humano e, sem o cumprimento desse direito, nenhum outro direito humano pode ser efetivamente realizado. O texto ressalta que o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) também é inseparável da justiça social.

Ainda no mesmo documento O Direito Humano à Alimentação observa-se que o DHAA é concretizado quando “cada homem, mulher e criança, sozinho ou em companhia de outros, tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, à alimentação adequada ou aos meios para sua obtenção” (ONU, 1999).

O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), portanto, consiste no acesso físico e econômico de todas as pessoas aos alimentos, o que pressupõe acesso aos recursos necessários, como terra, água, emprego, dentre outros.

Segurança Alimentar e Nutricional

Há dois conceitos importantes relacionados ao Direito Humano à Alimentação Adequada: segurança alimentar e nutricional e soberania alimentar.

O conceito de segurança alimentar e nutricional compreende dois elementos distintos e complementares. O primeiro, alimentar, refere-se à disponibilidade que envolve produção, comercialização e acesso ao alimento, e o segundo, nutricional, refere-se a aspectos como escolha, preparo e consumo dos alimentos, e das relações que estabelecem com a saúde, por exemplo.

Portanto, o conceito de segurança alimentare nutricionalencerra três características fundamentais: quantidade e regularidade no acesso aos alimentos, uma vez que os alimentos podem estar disponíveis, mas não acessíveis, e qualidade que abrange uma alimentação sem risco por contaminação, em que o consumo se faça de forma digna, que supra as necessidades nutricionais, dentre outras condições.

Soberania Alimentar

O conceito de soberania alimentar decorre da reação de movimentos sociais do campo à perspectiva neoliberal, apontando limites ao conceito de segurança alimentar empregado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), uma vez que, limitando-se à garantia do alimento, desconsidera onde e como a produção ocorre.

No que tange aos produtos geneticamente modificados (transgênicos), aqueles produzidos com agrotóxicos e os alimentos industrializados ultraprocessados, a sociedade civil organizada tem sido responsável pelo debate e combate, dado que não podem conferir segurança alimentar e nutricional às populações, tampouco soberania alimentar.

Assim, na Declaração do Fórum Mundial sobre Soberania Alimentar, realizado em Havana no ano de 2001, a soberania alimentar foi entendida como “o direito dos povos de definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantem o direito à alimentação para toda a população”.

Geração de emprego dentro do país, proteção da produção de um país diante da concorrência com países de capitalismo avançado, menor dependência das importações, bem como das flutuações de preços do mercado internacional, preservação da cultura e hábitos alimentares de um país e de seus diversos territórios, preservação do meio ambiente, pequena e média produção como base do sistema agrícola. Todos esses são exemplos daquilo que confere soberania alimentar na perspectiva de sociedades sustentáveis.

Esse conceito vem sendo associado ao de segurança alimentar e nutricional. No Brasil, é frequente o uso da expressão soberania e segurança alimentar e nutricional (SSAN), compreendendo a relevância que ambos os conceitos apresentam para o debate e para a intervenção na realidade a partir da elaboração de políticas públicas que venham a garantir o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA).

Agroecologia para o cumprimento do Direito Humano à Alimentação Adequada
A impossibilidade da agricultura industrial/agronegócio para o cumprimento do DHAA

A implantação da agricultura industrializada nos chamados países subdesenvolvidos, como o Brasil, durante as décadas de 1960 e 1970 foi justificada pela necessidade de aumentar a produção e a produtividade agrícolas a fim de acabar com a fome e a pobreza. O modelo não funcionou, ao contrário, desigualdade e exclusão social foram ampliadas, bem como índices de fome e insegurança alimentar persistiram.

A implantação das políticas neoliberais propiciou o desenvolvimento do agronegócio no campo brasileiro a partir da década de 1980. O foco do agronegócio está na produção e na exportação das commodities que correspondemaos produtos utilizados como matéria-prima para outras indústrias, produzidas em larga escala e geralmente para o comércio exterior.

As commodities, apresentando alta produtividade, são consideradas relevantes para a economia brasileira. Essa produtividade é fruto do uso intensivo de agrotóxicos, organismos geneticamente modificados (transgênicos), adubos sintéticos e intensa mecanização das lavouras que formam monoculturas a perder de vista. Também são beneficiadas pelas isenções de impostos sobre os agrotóxicos, por exemplo.

Todavia, o dito ‘avanço/progresso’ relacionado ao agronegócio só se realiza mediante o aumento da desigualdade social, da insegurança alimentar, dos conflitos no campo, da destruição ambiental, da perda da sociobiodiversidade, dentre outros impactos negativos.

O modelo de agricultura do último século não solucionou os problemas da fome, não diminuiu a pobreza, não preservou os recursos naturais. Em suma, não propiciou o desenvolvimento sustentável.

A agricultura que tem por objetivo primeiro produzir alimentos, na perspectiva da agricultura industrializada e do agronegócio foi reduzida a uma mercadoria como outra qualquer sob a lógica das atuais relações sociais de produção.

Agroecologia é capaz de propiciar o DHAA e muito mais
Fazenda de biogás europeia – a força de uma agricultura integrada e sustentável
(Foto: Internet)

Os sistemas alimentares precisam garantir a disponibilidade de alimentos de qualidade para todas as pessoas sem que comprometa a sua capacidade de satisfazer as necessidades das gerações futuras.

Há uma relação direta entre o sistema alimentar e a saúde, a preservação ambiental, a socioeconomia, a diversidade cultural, a sustentabilidade.

Uma vez que a agroecologia incorpora as dimensões social, econômica, ambiental e cultural, fundamenta-se no funcionamento da natureza e nas relações entre sociedade e natureza, possibilita: produção suficiente de alimentos, segurança alimentar e nutricional, soberania alimentar, produção de alimentos sem contaminar os recursos naturais e degradar os ecossistemas, qualidade de vida para as populações do campo, da floresta e das águas, erradicação da pobreza rural etc.

A agroecologia propicia as bases para o cumprimento do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), seja daquele que produz, seja daquele que consome os alimentos.

Thelmely Torres Rego – Engª. Agrônoma, Especialista em Gestão Estratégica para Orgs. do 3º. Setor.
Ms-Drª. Educação/Formação em Agroecologia

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Redação

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