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Doenças Tropicais Negligenciadas Brasileiras

Acesso à saúde para Doenças Tropicais Negligenciadas (DTN) em cenários de desigualdades socioeconômicas: o papel das lideranças e a mobilização da sociedade.  “Em 30 de janeiro de 2021, Dia Mundial das Doenças Tropicais Negligenciadas, conclamamos os governantes de diversas esferas e toda a sociedade brasileira a: defender o Estado Democrático de Direito e o respeito irrestrito pelas instituições democráticas; defender e exigir a constituição de uma sociedade mais solidária e justa, a fim de abolir as condições de desigualdade em que a população brasileira está inserida, no que diz respeito à saúde, educação, habitação, emprego e qualidade de vida, como um todo.”

Eliane da Silva Fernandes

 

Maringá – PR – 17/02 de 2022.

3 Minutos.

O tópico supracitado é respeitado, colocado em prática e, principalmente, é discutido com a sociedade brasileira atualmente?

Em 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um artigo intitulado “Acelerando o progresso em HIV, tuberculose, malária, hepatite e doenças tropicais negligenciadas” (OMS, 2015a), propondo o fim das epidemias da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), tuberculose, malária e Doenças Tropicais Negligenciadas (DTN) até 2030. As DTN referem-se a um grupo diversificado de doenças transmissíveis que são predominantes em climas tropicais e subtropicais em 149 países e afetam mais de um bilhão de pessoas.

As populações mais afetadas incluem aquelas que vivem na pobreza, sem saneamento adequado e em contato próximo com vetores infecciosos, incluindo animais domésticos e gado (OMS, 2016). Nas Américas, mais de 33.000 novos casos de hanseníase e mais de 51.000 casos de leishmaniose cutânea são notificados a cada ano (OPAS, 2017). Além disso, 70 milhões de pessoas na região correm o risco de contrair a doença de Chagas, 25 milhões sofrem de esquistossomose e 12,6 milhões sofrem de filariose linfática (OPAS, 2017).

Em geral, a diminuição das DTN no mundo está intrinsecamente associada às ações interdisciplinares. Segundo a OMS, é fundamental o envolvimento de disciplinas e profissionais complementares, tanto para prevenção e tratamento, quanto para a cura dessas doenças. Assim, o papel da Ciência da Informação é considerado uma área do conhecimento científico historicamente dedicada à produção, seleção, organização, interpretação, armazenamento, recuperação, disseminação, transformação e uso da informação (GRIFFITH, 1980).

Assim, no contexto da pesquisa em que este artigo se baseia, nosso foco é explorar e preparar os recursos necessários para a produção e análise da informação científica, refletindo sobre dois contextos específicos. Um trata da produção do conhecimento científico e o outro está relacionado às políticas públicas, que podem ser estreitados, alinhados e mediados com base em teorias e métodos postulados em métricas informacionais.

A pobreza está intrinsecamente relacionada à incidência de DTNs. Os principais países que apresentam os menores índices de desenvolvimento humano (IDH) e as maiores cargas de DTN estão localizados nas regiões tropicais e subtropicais do mundo. Entre esses países está o Brasil, que ocupa a 70ª posição no IDH. Nove das dez DTN estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) estão presentes no Brasil. Leishmaniose, tuberculose, dengue e hanseníase estão presentes em quase todo o território brasileiro.

Mais de 90% dos casos de malária ocorrem na região Norte do país, e a filariose linfática e a oncocercose ocorrem em surtos em determinada região. As regiões Norte e Nordeste do Brasil apresentam os menores IDHs e as maiores taxas de DTN. Essas doenças são consideradas negligenciadas porque não há investimentos importantes em projetos para o desenvolvimento de novos medicamentos e vacinas e os programas existentes para o controle dessas doenças não são suficientes.

Outro problema relacionado às DTN é a coinfecção pelo HIV, que favorece a ocorrência de manifestações clínicas graves e falha terapêutica; as drogas terapêuticas disponíveis são obsoletas, tóxicas, de eficácia questionável e há relatos de resistência.

Destacam-se as DTN: Leishmaniose, Doença de Chagas, Dengue, Hanseníase e Esquistossomose. A leishmaniose é um grupo de doenças causadas por mais de 20 protozoários parasitas do gênero Leishmania. Esses parasitas são transmitidos aos humanos pela picada da fêmea infectada de flebotomíneos, que é um inseto vetor. Existem três formas principais de leishmaniose: cutânea, visceral ou calazar e mucocutânea. A maioria das pessoas infectadas com o parasita não desenvolve nenhum sintoma durante a vida.

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Ciclo de transmissão da Leishmanioses por picada de inseto hematófago. (Img Internet)

Portanto, o termo leishmaniose refere-se ao fato de estar doente devido a uma infecção por Leishmania e não ao simples fato de estar infectado com o parasita (OMS, c2021a). Por outro lado, a doença de Chagas, também conhecida como tripanossomíase americana, é uma doença potencialmente fatal causada pelo protozoário parasita Trypanosoma cruzi. É encontrado principalmente em 21 países da América Latina e é transmitido principalmente por insetos vetores. O principal vetor envolvido na transmissão do parasita para os seres humanos é um triatomíneo, também conhecido como o “barbeiro”.

No Brasil, é popularmente conhecido como ‘barbeiro’ e ‘chupão’. Estima-se que 8 milhões de pessoas estejam infectadas em todo o mundo, principalmente na América Latina. A doença de Chagas é clinicamente curável se o tratamento for iniciado precocemente. Portanto, o acesso universal ao diagnóstico e atendimento é essencial (OMS, c2021b). De acordo com a descrição fornecida pela OMS, a dengue é uma doença viral com potencial para causar pandemias em muitas partes do mundo. A dengue ocorre em áreas urbanas pobres, subúrbios e no campo.

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 O mosquito Aedes Egypty – transmissor do vírus da Dengue

No entanto, também afeta bairros ricos em países tropicais e subtropicais. É uma infecção viral transmitida por mosquitos, podendo evoluir para uma complicação potencialmente letal denominada dengue grave, anteriormente conhecida como dengue hemorrágica. A incidência de dengue aumentou em um fator de 30 nos últimos 50 anos. Estima-se que até 50 a 100 milhões de infecções ocorram anualmente em mais de 100 países endêmicos, colocando em risco quase metade da população mundial (OMS, c2021c).

Sabe-se que os ovos do mosquito Aedes aegypti resistem a ambientes secos e, quando chegam as chuvas de verão, o contato com a água permite a eclosão da larva do mosquito. No Brasil, o clima tropical favorece a reprodução do mosquito e, consequentemente, a disseminação do vírus.

Faltam Ciências e Investimentos em Pesquisa

A hanseníase é uma doença infecciosa crônica causada pela bactéria Mycobacterium leprae, que afeta principalmente a pele, nervos periféricos, superfícies mucosas do trato respiratório superior e os olhos. Sabe-se que a hanseníase ocorre em todas as idades, desde a primeira infância até a velhice. É curável e o tratamento precoce evita a maioria das deficiências (OMS, c2021d). A esquistossomose é uma doença parasitária com quadro clínico agudo e crônico. Segundo a OMS, a infecção é adquirida quando as pessoas são expostas a água doce infestada com as formas larvais (cercárias) de vermes parasitas, conhecidos como Schistosoma.

Ela afeta quase 240 milhões de pessoas em todo o mundo, e mais de 700 milhões de pessoas vivem em áreas endêmicas. A infecção é prevalente em áreas tropicais e subtropicais e em comunidades pobres com água potável e saneamento inadequados (OMS, c2021e). Em 2015, o custo total da esquistossomose mansônica no Brasil foi estimado em US$ 41,7 milhões de dólares, com seu maior impacto relacionado à diminuição da produtividade.

A persistência dessa doença no Brasil é um desafio não só para a saúde pública, mas também para diversos outros setores, principalmente a classe política que tem meios de influenciar a mobilização de recursos públicos.

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    Barbeiro – inseto transmissor da Doença de Chagas

Os grandes problemas de saúde do início do século XXI são essencialmente públicos. De fato, mesmo o avanço da genética tem revelado a crescente importância das condições ambientais na definição do fenótipo, com resultados, muitas vezes, dramáticos. Assim, remédios considerados infalíveis, como uma política pública de imunização, por exemplo, começam a ser examinados como possíveis vilões, responsáveis por epidemias virtualmente incontroláveis. A situação se agrava, contudo, quando se trata de problemas de saúde cuja origem sempre foi considerada pública, como é o caso das moléstias infecciosas transmitidas por vetores. Isso porque, no processo generalizado de urbanização da vida social, o homem provoca constantes desequilíbrios naturais.

Surgem, então, novas doenças e ressurgem outras consideradas controladas ou eliminadas. Foi a consciência de que existem problemas essencialmente públicos – manutenção da ordem interna e internacional, a moralidade e a saúde pública cuja solução deve ser encontrada por meios públicos -, que justificou a atuação do Estado moderno, condicionando ou limitando as liberdades individuais. No entanto, sua evolução deu origem ao Estado contemporâneo, principalmente implementando políticas públicas.

Esta divisão é muito atrativa porque suas ferramentas de governo são acima de tudo persuasão e informação para orientar a sociedade a se auto-organizar, usando apenas constrangimentos para garantir os valores fundamentais da sociedade e o respeito aos acordos. No entanto, é apenas uma idealização cuja função é enfatizar os quase-direitos do Estado introduzido, fazer recomendações, chegar a acordos amistosos e articular princípios que carecem de poder decisório. No entanto, os Estados contemporâneos continuam a basear-se no uso do direito, embora se reconheça que os mecanismos de persuasão são cada vez mais influentes nas suas ações.

Os grandes problemas da saúde pública contemporânea passam a exigir uma ação efetiva do Estado (N.E.:que tem se demonstrado inócuo e ‘desinteressado’  nos últimos 10 anos), utilizando tanto mecanismos persuasivos (informação, propaganda) e meios materiais (prestação de serviços públicos), quanto as tradicionais medidas de polícia administrativa (regulando e restringindo as liberdades individuais). Implementar políticas públicas destinadas a proteger a saúde de sua população. Trata-se de um caso clássico de dengue, que se espalhou pelo mundo tropical no final do século 20, chegando ao Brasil.

Estado relaxado. Uma política pública de Saúde…

Além disso, outro fator considerado importante para a resolução sustentável dos problemas relacionados às DTN é o investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), com ênfase no desenvolvimento de soluções adequadas às necessidades regionais. Segundo a OMS, foi encontrada uma relação positiva entre os investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (IDI) e a produção de medicamentos, vacinas e instrumentos de diagnóstico relacionados às DTN.

Isso destaca a importância de um cronograma de pesquisa científica (OMS, 2015b). Assim, recursos devem ser alocados para monitorar a produção de conhecimento científico em saúde tropical, o que permitirá avaliar a convergência entre ciência e instrumentos políticos.

No Brasil, como ferramenta central de planejamento das ações de saúde pública, o Plano Nacional de Saúde (PNH), em sua última versão (2016 a 2019), forneceu diretrizes para implementação de todas as iniciativas de gestão no Sistema Único de Saúde (SUS). As diretrizes explicitam os compromissos setoriais do governo e refletem sobre as necessidades de saúde da população (BRASIL, 2016).

Deve-se notar que a PNS não é exatamente uma política científica. (N.E.: alías, qual é a política pública de Saúde no Brasil?) No entanto, é o principal documento institucional que descreve as condições de saúde da população brasileira, incluindo suas necessidades de acesso a produtos e serviços de saúde pública, acompanhadas de planejamento.

Nessa política, foram elaboradas metas para atender às necessidades sociais de saúde do Brasil, que incluem: ampliar o acesso aos serviços de saúde, melhorar as redes de atenção à saúde, promover a integralidade da atenção à saúde, reduzir e prevenir riscos à saúde da população, ampliar o acesso aos medicamentos, fortalecendo a produção e difusão do conhecimento científico e tecnológico, aprimorando a vigilância sanitária, aprimorando a regulamentação da saúde suplementar, incentivando a formação de profissionais de saúde, reforçando a transparência e a participação cidadã, aprimorando o relacionamento entre os estados (e Distrito Federal) e a União Governo, que administra o SUS, e promovendo na distribuição de recursos, entre outros objetivos.

Portanto, o alinhamento de interesses políticos e científicos nesse grupo de DTNs comumente ocorridos no Brasil é um fator positivo. O terceiro grupo representa as DTN consideradas ultra-negligenciadas e, como pesquisado, não têm presença significativa no Brasil. Além dessas, reconhecemos um quarto grupo de doenças fora do PNS e que aparecem em menos de uma dúzia de artigos científicos, incluindo equinococose, fasciolíase, dracunculíase, escabiose, micetoma e oncocercose.

Embora essas doenças estejam controladas ou quase erradicadas, deve-se ter atenção à sua ocorrência, uma vez que a flexibilização de políticas e pesquisas pode contribuir para futuros surtos e distúrbios no sistema público de saúde no Brasil. Reafirmamos que um fator essencial para que uma doença seja considerada negligenciada é o seu descaso nas políticas de saúde, publicações científicas e medicamentos. Isso inclui também o baixo número de estudos publicados, indicando o caráter ultra-negligenciado desse grupo.

Fontes: Agência Fiocruz de NotíciasOrganização Pan-americana da SaúdeWorld Health Organization – World Neglected Tropical Diseases

Eliane da Silva Fernandes – Drª. Ciências Ambientais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Especializada em Direito Ambiental. Atua na área de Sistemas de Informação em Biodiversidade (Meta-análise), Políticas Ambientais, Macroecologia e Avaliação de Impactos Ambientais em rios neotropicais.

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Redação

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