17/05/2025
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Empreendedorismo Fake

  • agosto 30, 2024
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"vai trabalhar vagabundo, deus permite a todo mundo, uma loucura"... (Chico Buarque de Holanda)

Empreendedorismo Fake
A Reforma Trabalhista de 2017 no Brasil teve como objetivo principal flexibilizar as relações de trabalho, com o propósito de aumentar a competitividade no mercado, reduzir os índices de desemprego e fomentar a formalização das relações de emprego.

Braga, Portugal – 30/08/2024
6,8 Minutos.

O discurso, amplamente defendido e propagado pela grande mídia e pelo mercado financeiro, apresentava a Reforma Trabalhista como uma ferramenta para alinhar o mercado de trabalho às exigências da globalização e da economia moderna. A narrativa destacava que a Reforma incentivaria uma maior adaptação às mudanças e às necessidades do setor produtivo, tornando o ambiente laboral mais flexível e competitivo. Assim, a Reforma foi apresentada à sociedade como um avanço indispensável para modernizar as relações laborais no país, permitindo que o Brasil se adequasse às novas dinâmicas do mercado contemporâneo.

A tentativa de modernizar as relações trabalhistas para atender às novas dinâmicas do mercado, em vez de ampliar a geração de empregos formais e assegurar ao trabalhador a mínima segurança jurídica dos direitos previamente existentes, resultou no enfraquecimento dos sindicatos e na fragilização das negociações entre empregadores e empregados.

Tal mudança promoveu o aumento da terceirização e da informalidade, além de facilitar as demissões, levando os trabalhadores a assumirem riscos e responsabilidades sem a devida proteção social, como direito a férias, 13º salário e garantias previdenciárias. A Reforma Trabalhista contribuiu para a expansão de um mercado de trabalho mais precário, caracterizado por menor segurança e redução de direitos para os trabalhadores.

Para os defensores da Reforma, considerando que os elevados custos trabalhistas eram um dos obstáculos ao crescimento econômico do país, seria essencial criar mecanismos e incentivar formas de trabalho mais autônomas, como uma estratégia para mitigar as consequências da flexibilização das relações de trabalho. Nesse contexto, surge o microempreendedorismo individual (MEI), que pode ser interpretado como uma tentativa de promover o empreendedorismo.

A prática da “pejotização“, como conhecida, tornou-se cada vez mais frequente nas relações trabalhistas, em que, por imposição do contratante, os prestadores de serviços são obrigados a constituir pessoa jurídica para serem contratados, afastando-se, assim, da esfera de proteção do direito do trabalho. O discurso dominante passou a enaltecer o “empreender”, promovendo a ideia de que ser dono do próprio negócio é a chave para a realização financeira e para o sucesso pessoal e profissional.

O empreendedorismo baseia-se nos princípios do pensamento liberal, que enfatiza a liberdade individual, a iniciativa privada e a redução da intervenção estatal na economia. Nesse contexto, o empreendedorismo é considerado um impulsionador de inovação e crescimento econômico, promovendo a criação de novos negócios, a competição e a eficiência no mercado. O pensamento liberal argumenta que, ao incentivar o empreendedorismo, cria-se um ambiente mais dinâmico e competitivo, permitindo que os indivíduos explorem oportunidades e assumam riscos para alcançar sucesso econômico e social.

Ao deus dará

No entanto, há uma diferença crucial entre empreender, estabelecer um negócio próprio e prosperar com verdadeira autonomia na escolha de sua trajetória. O fundamental e que deve ser incentivado para o bem do Brasil, mas, a situação das pessoas que, em um contexto de desespero para a sobrevivência, acabam aceitando trabalhos precários, com baixa remuneração, terminam sem proteção ou direitos. Essas pessoas frequentemente ficam à mercê de grandes empresas que, utilizando tecnologia avançada, lobistas e advogados, promovem a ideia de que seus trabalhadores são, na verdade, empresários individuais autônomos

Empreendedorismo – e o tal do “se vira!” (Img do autor)

Após sete anos da Reforma Trabalhista, a promessa de que a flexibilização traria mais empregos não se materializou (clique aqui e leia mais). Além disso, o sonho de um novo mundo de empreendedores bem-sucedidos é inconsistente com a veridicidade. Os resultados revelam uma realidade bem distante das “promessas” feitas. A Reforma Trabalhista resultou na criação de um empreendedorismo fake, que disfarça a realidade da informalidade e da ausência de proteção trabalhista.

Os dados indicam que 70% dos trabalhadores informais preferem ter carteira assinada, evidenciando uma insatisfação generalizada com as condições de trabalho precárias que a Reforma ajudou a perpetuar. (Veja mais aqui.)

A mentira mil vezes contada

No entanto, a grande mídia e os defensores da Reforma Trabalhista ainda tentam convencer a sociedade de que trabalhadores precarizados são, na verdade, empreendedores. Utilizam uma narrativa criativa para romantizar as atuais relações trabalhistas. Essa romantização reflete uma tendência cultural e social na qual os aspectos negativos do trabalho, como precarização, jornadas exaustivas e baixos salários, são minimizados ou glorificados como virtudes.

A propaganda os mostra como sendo muitas vezes dotados de resiliência, dedicação ou empreendedorismo. Essa distorção da realidade institui uma lenda que normaliza ou até exalta condições de trabalho inadequadas, ocultando problemas estruturais que necessitam de enfrentamento. Tal abordagem tem o propósito de desviar a responsabilidade pelos efeitos adversos da Reforma Trabalhista.

Empreendedor MEI conta? ( Img. Web)


A romantização do trabalho no Brasil possui raízes históricas e está profundamente conectada à formação social do país, que é marcada por desigualdades persistentes e uma herança de trabalho forçado, como evidenciado por Jessé Souza. e também Richard Senneth como se lê aqui.

Essa romantização contribui para a perpetuação de condições de trabalho inadequadas e para a manutenção de desigualdades sociais. Ao transformar a exploração em uma narrativa de superação, a sociedade acaba por legitimar práticas que deveriam ser combatidas. Além disso, essa perspectiva desvia o foco das verdadeiras soluções para as questões trabalhistas, como a implementação de políticas públicas que garantam direitos, melhores condições de trabalho e remuneração justa.

Por conseguinte, é crucial destacar os mecanismos de políticas que têm o potencial de transformar o contexto atual do mercado de trabalho no Brasil, especialmente considerando que o “sucesso” econômico e social frequentemente não reflete a realidade observada pelo empreendedorismo. Observa-se um crescente fenômeno de empreendedorismo dependente do Estado, caracterizado pelo chamado “empreendedorismo fake” — um modelo que se mantém e próspera graças às políticas sociais e assistencialistas do Governo Federal.

Em vez de dinamizar o mercado, o empreendedorismo dependente perpetua sua própria ineficiência, manipulando e capturando os recursos públicos. Os dados do levantamento realizado pelo IBGE (21/08) corroboram essa afirmação, revelando que os ganhos dos pequenos empreendedores são ainda menores do que se imaginava. A média de renda do MEI decepciona-se, situando abaixo de um salário-mínimo. Quase 1/3 dos microempreendedores individuais (MEIs) pode pleitear políticas assistenciais do Governo Federal.

Retrato cru em P&B

Isso significa que mesmo tendo uma empresa aberta, os negócios não são suficientes para tirar esse grupo da situação de vulnerabilidade. Famílias que têm renda de até meio salário-mínimo por pessoa podem se inscrever no CadÚnico. Quem está no cadastro pode participar do Bolsa Família, do Pé de Meia, da Tarifa Social de Energia Elétrica, do Auxílio Gás, do Programa Minha Casa Minha Vida, entre outros.

Além disso, outros resultados relevantes indicam que:

Enfim, o Estado acaba por sustentar o tal “empreendedorismo”, muitas vezes mascarado por uma narrativa de autonomia e inovação, mas que, na prática, depende amplamente de políticas de assistência social e subsídios governamentais. Esse cenário evidencia uma fragilidade estrutural, onde o empreendedorismo se torna uma alternativa precarizada de sobrevivência, longe de representar uma verdadeira emancipação econômica e social.

Luiz César Fernandes – Ph.D Political Science/ Public Administration

Autor do livro: O Dragão e o Canário








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