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Tempos de Ócio e Interação Familiar.

Em quarentena, como prevenção da COVID 19, metade da população brasileira está em casa.

Redação

São Paulo, 14/04 de 2020.

4 Minutos

É verdade que os sanitaristas indicam a necessidade de a maioria da população ficar em casa para que a expansão da pandemia seja controlada, mas uma boa parte da população quer ou precisa voltar ao trabalho, mesmo contrariando as indicações médicas.

Vamos aqui tratar das pessoas que estão em casa, de suas agruras, preocupações, trabalho e interação familiar. Tempos mais de ócio do que de negócio. O negócio, ou seja, a negação do ócio não foi abandonada, visto que muitos familiares trabalham em casa.

Mas, tendo que conciliar o trabalho virtual com o cuidado com a casa e a educação das crianças e jovens, se veem incentivados a dedicar um tempo a brincar, a jogar, a experimentar atividades lúdicas. Roger Caillois (1990), em seu livro Os jogos e os homens, define o jogo como uma atividade livre, separada, incerta, improdutiva, regulamentada e fictícia, daí sua localização no campo do ócio.

Como atividade paralela e independente que se opõe a atos e decisões da vida ordinária mediante características peculiares que lhes são próprias, a atividade lúdica é complementar à vida, pois provoca hábitos, mudanças, preferências, debilidades e forças que caracterizam suas formas, parceiros, suportes ou regras.

Jogar os jogos

Dos jogos tradicionais aos jogos eletrônicos, muitos percursos ocorreram, todos encaminhados para cativar as pessoas a experimentarem sua agilidade, sua criatividade ou determinada habilidade com o objetivo de ganhar o jogo. Nos tempos em que podemos escolher o que fazer, pelo menos em parte de nosso dia, podemos jogar e, para utilizá-los de maneira produtiva, indico que as famílias pratiquem jogos lógicos.

Os jogos lógicos sempre existiram, em todas as civilizações e em todas as épocas. O mais antigo, o Nim, surgiu na China, como também o dominó (aproximadamente 200 anos a. C.) e o Tangram 1.000 anos d. C. O xadrez surgiu na Índia no século VI d. C.

Tempos de Ócio e Interação Familiar.
Tempos de Ócio e Interação Familiar. (Foto: Ryan Quintal on Unsplash)

Esses jogos incentivam o pensamento lógico, pois os jogadores para fazerem a melhor jogada precisam perceber as regularidades, criar estratégias que levem em conta o campo conceitual do jogo e suas regras.

Além disso, se colocam no lugar do parceiro, fazendo antecipações de suas jogadas e, assim, criando sua estratégia para vencer.

Contra quem, senão comigo?

Ao buscar sua melhor jogada o jogador, que quer vencer a partida, desafia-se a pensar com mais rigor, fazer previsões e pensar em várias informações e conceitos, ao mesmo tempo.

Em situação familiar, quando a sistematização do conhecimento não precisa ser levada tão a sério quanto nas instituições de ensino, mesmo assim, os familiares se veem desejosos de orientação para apoiarem suas crianças e jovens, alguns com deficiência, nas tentativas de aprender um jogo lógico.

Aqui podemos trazer algumas sugestões da experiência didática do uso de jogos em vários segmentos escolares e sugerir aos educadores familiares ideias para que a interação com as crianças e jovens em casa seja mediada de maneira positiva.

Jogar é da natureza humana, como aprendizagem de enfrentamento aos problemas

Em primeiro lugar deixem que os educandos tenham contato livre com as peças do jogo. Nesse momento estão se familiarizando com o material, conhecendo as peças que o compõem, examinando textura, cores e formas. Podem ser estimulados a perceber essas características por perguntas, cada vez mais detalhadas.

Em seguida expliquem as regras. Deixem claro o objetivo do jogo, quem ganha, e o que se pode ou não fazer. No início, com crianças menores ou com deficiência, essas regras podem ser flexibilizadas e, aos poucos, levem para a maneira usual do jogo. O importante é que o jogo aconteça, haja um vencedor, e que as boas jogadas sejam realçadas. Pode-se congelar uma jogada e pedir que pensem: qual é a melhor jogada nesse momento?

Em terceiro lugar se preparem para apoiar seu parceiro em momentos de perda ou vitória. O jogo exalta emoções. Ao perder, pode se sentir “um perdedor”. Aquele que erra sempre e que “nunca” vai ser um bom jogador. Ao ganhar, pode ser prepotente, se desfazer do oponente, sentindo-se superior e até mesmo humilhando o parceiro.

Nas duas situações necessita da orientação do adulto para que possa relativizar o fracasso ou o sucesso. Ao jogar, a criança “se põe” em jogo, isto é, evidencia suas emoções, suas crenças com relação a si mesmo e ao outro, sendo necessário o olhar respeitoso do adulto que o reconhece como pessoa e o impulsiona a dar o melhor de si.

O sentido real da competição

Muitas vezes as pessoas questionam: trabalhando com jogos, as crianças não desenvolverão mais a competição do que a colaboração? Pela experiência que desenvolvi ao realizar esse trabalho em diferentes contextos educacionais, digo que se trata aqui da boa competição. Aquela que requer um aperfeiçoamento, um estudo da melhor estratégia e, portanto, da evolução do pensamento de cada participante.

O jogo não acontece quando um dos jogadores desiste de progredir, porque aquele que desenvolve estratégias de pensamento irá ganhar sempre. Dois jogadores que buscam a melhor jogada e se desafiam a buscar alternativas para vencer são, um para o outro, incentivos para o desenvolvimento do raciocínio lógico. Os jogos de regras têm um contexto muito interessante para o desenvolvimento do juízo moral. Naquele universo constituído pelo tabuleiro, pela mesa ou espaço do jogo há regras, que devem ser seguidas por cada parceiro.

Ao segui-las o educando se dispõe a entender a vida social, também repleta de regras e leis. A regra é combinada em um consenso. Se for combinado que inicia o jogo de dominó quem tiver a peça dobrada maior (ou seja 6-6, 5-5…), não se pode mudar essa regra a cada jogada.

Ensinamentos dos  mestres
Jean Piaget - Biólogo.
Jean Piaget – Biólogo. (Foto: Internet)

Jean Piaget, em pesquisa com muitas crianças e adolescentes, buscou saber quem criou as regras. As crianças pequenas diziam que foi Deus, ou o presidente ou seus pais, sendo, portanto, regras sagradas, que não podem ser mudadas. Quanto menor sua idade, mais querem jogar com suas próprias regras para, assim, vencer o jogo.

As crianças pequenas, na fase da anomia, não conseguem jogar com regras. Os jogos de regras são interessantes a partir de seis anos. A criança já consegue se colocar no lugar do outro.

Por isso, pode preparar suas jogadas, antecipar a jogada do adversário. No decorrer da vida, por diversas vezes, essa capacidade será oportuna. Ao se colocar no lugar do outro, pode ter empatia e solidariedade perante o sofrimento alheio.

Os jovens adoram jogos de regras e as seguem deliberada e fielmente. Cobram o atendimento da regra quando veem alguém querendo burlá-la, sendo essa característica própria da autonomia, fase do desenvolvimento moral que representa seguir a regra para, em caso de discordância, refutá-la e mudá-la de maneira consensual.

Portanto

Então, essa não é também a necessidade social? Que todos sigam a regra e, mesmo seguindo-a, ao constatarem sua inadequação, se organizem para contestá-la buscando sua mudança. A criança que joga pode se preparar para exercer sua autonomia, isto é, seguir regras, acreditar que essas podem ser modificadas a partir do consenso social e encontrar caminhos para que se efetivem.

Aliás, na pesquisa de Piaget, os adolescentes disseram que as regras foram definidas pelos próprios jogadores que as inventaram, e que elas podem ser modificadas desde que todos concordem.

Enfim, espero que todos tenham percebido o valor do uso dos jogos lógicos no desenvolvimento das pessoas e os utilizem com bom senso, observando a atenção e a capacidade das crianças e jovens, atraindo-os ao menos por um tempo para que se afastem do celular ou do computador.

Tempos de quarentena. Convido-os a aproveitarem seu tempo com uma atividade lúdica. Vamos jogar?

Profª Dra. Antonia Maria NakayamaDiretora do Instituto Pipa a voar

Consultório Psicológico
Terapia Individual, Casal e Familiar – Adultos e Crianças

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