Nacional

Transformações na Educação impulsionadas pela crise

São Paulo – 12/07 de 2020

José Moran

3 Minutos

As crises trazem consequências muito diferentes em todos os campos, porque as pessoas reagem a elas de formas bastante diferentes.

Alguns aprendem rapidamente, experimentam, enxergam novas oportunidades (modificam sua mentalidade mais profundamente); outros desenvolvem algumas competências digitais, práticas diferentes e fazem só alguns ajustes no seu modelo mental e de vida (realizam mudanças parciais). Temos pela frente enormes transformações na Educação impulsionadas pela crise.

Um terceiro grupo de pessoas permanecem na defensiva, só enxergando perdas e problemas (e só mudam tardiamente e a contragosto). As transformações que virão serão fortes, mas com consequências muito diferentes para os diferentes grupos.

Uns sairão fortalecidos, com mais ideias para porem em prática novas competências, visões, oportunidades. A maioria vai fazer ajustes, incorporar algumas práticas digitais, e terão que avançar mais rapidamente forçados pelas circunstâncias de empobrecimento, pela atratividade das propostas dos novos concorrentes.

Um terceiro grupo resistirá o máximo que puder, tentando implementar mudanças mais cosméticas, de marketing, sem mexer no modelo convencional, porque isso atende a uma parte da sociedade que é bastante conservadora.

Algumas aprendizagens principais na Educação – Formos empurrados abruptamente para o digital e percebemos que podemos replicar a maior parte das atividades da nossa vida em diferentes plataformas e aplicativos: Comunicarmos, comprar, ensinar, aprender, trabalhar remotamente, fazer consultas médicas, tomar decisões colegiadas em diversas instâncias.

O confinamento aguçou nosso olhar para a educação como encontro vivo entre pessoas – todos os envolvidos – que desenvolvem competências cognitivas, socioemocionais e éticas.

Mostrou a importância da empatia, da resiliência, do acolhimento, da escuta ativa, do estabelecimento de vínculos, dos saberes, da flexibilidade para entender que a situação e as necessidades de cada um são diferentes.

Muitos perceberam a fragilidade da vida, a importância do afeto, de valorizar-se, de desenvolver projetos interessantes, de gostar de aprender e de viver de forma mais simples.

Em relação às arquiteturas didáticas, enquanto alguns só fizeram transposições de aulas presenciais para ambientes digitais – focadas mais na fala do professor – muitos outros aprenderam a combinar dinâmicas diferentes: aulas gravadas, ao vivo, com dinâmicas individuais e outras bem participativas, que antes não lhes eram familiares no digital (trabalho em grupos simultâneos, desenvolvimento de projetos, metodologias ágeis) com apresentação e discussão de resultados e novas sínteses.

Muitos estudantes se perguntam agora, porque precisam dirigir-se todos os dias a uma sala de aula para ouvir um professor, gastando tanto tempo se podem fazer as mesmas atividades online. Muitos docentes também se fazem perguntas semelhantes: Precisamos estar fisicamente juntos para aprender e quando é mais vantajoso fazê-lo de um jeito ou de outro?

Os gestores, diante do empobrecimento da população e da acirrada concorrência, também se perguntam: numa época de empobrecimento, como trazer uma educação moderna, ágil, com custos menores sem diminuir a qualidade?

Algumas aprendizagens mais específicas: Pessoas, escolas e universidades foram desafiadas a adaptar-se rapidamente, a planejar de forma rápida, mais compartilhada, com experimentação e avaliação contínuas dos processos.

Isso trouxe uma aceleração do domínio de competências digitais e de plataformas e aplicativos para ensinar e aprender, grande compartilhamento de práticas e de descoberta, novas formas de comunicação e de avaliação.

Cada instituição ou sistema, privado e público, procurou, dentro da sua realidade, encontrar o caminho que lhe pareceu mais adequado para acompanhar estas transformações.

O ineditismo do confinamento tão longo, causou intenso estresse em todos, mas permitiu experimentar diversas soluções para a comunicação frequente com alunos e famílias, manter da melhor forma a dinâmica do ensino e aprendizagem.

Há uma explosão de eventos ao vivo online, para compartilhar ideias, experiências, problemas. Temos aulas transmitidas ao vivo, outras gravadas com atividades e muitos arranjos tecnológicos, pedagógicos e gerenciais.

Estratégias diferentes de comunicação com alunos, pais, entre professores. Confirmamos que as aulas têm que ser experiências desafiadoras, surpreendentes, ricas de questões vinculadas com a vida e de aplicações, seja no presencial ou no online, com professores inspiradores e com intenso envolvimento dos estudantes.

O contato com cada professor tem que trazer a riqueza da vida, o encontro de personalidades que se completam. O docente precisa ser um grande provocador, interlocutor, orientador de pesquisa e caminhos, de abertura de novas trilhas e desafios.

Cresceu a Importância dos modelos híbridos, da aula invertida com materiais interessantes, em que cada aluno estuda em tempos diferentes, depois realiza desafios individuais e em grupo de aplicação mais imediata, utilizando diversas plataformas digitais, com momentos offline combinados com outros online para apresentação, discussão online e formas mais imediatas de avaliação.

Infelizmente, muitos aprenderam a utilização mais simplista e tradicional da aula invertida: Muito conteúdo e atividades pouco desafiadoras nos momentos online. Não ocorrem as transformações.

Constatamos também alguns avanços no domínio das metodologias ativas no online, trabalhos por projetos, por design thinking, jogos, times, no meio de muitas escolas que simplesmente transpuseram modelos presenciais para o online, gerando bastante desinteresse.

Ficou bem escancarada a tremenda desigualdade social: infraestrutura, condições de acesso, condições de estudo, econômicas, emocionais e a engenhosidade de muitas escolas, universidades, prefeituras e estados para oferecer alternativas para a maioria.

Algumas mudanças mais previsíveis

Período forte de ajustes em todos os campos pelo empobrecimento de boa parte da população, pelas graves tensões políticas, pela necessidade de baixar custos, de oferecer um serviço educacional que faça sentido para os diversos tipos de estudantes, buscar novas receitas, oferecendo novos serviços. 

Modelos de gestão e acadêmicos mais enxutos, personalizados, economia de escala, incorporação ampla do digital. Mudanças na forma de ensinar.

Muitas ofertas e oportunidades de aprender: nano cursos, certificações diferenciadas, plataformas adaptativas com inteligência artificial (que podem auxiliar enormemente na personalização da aprendizagem).

Vantagens das Instituições que avançaram na gestão, currículos mais integrados, personalizados e flexíveis e fortemente digitais, focados em competências. Haverá um intenso crescimento de modelos ativos híbridos (entendo as muitas possibilidades e dimensões desse conceito).

Assim como todos os setores econômicos estão oferecendo serviços mais integrados, também o setor educacional oferecerá propostas muito mais flexíveis, personalizadas e abertas.

Uma boa parte das instituições será empurrada para o híbrido pela necessidade de cortar custos e de enfrentar uma concorrência acirrada, mas o fará de forma simplista: focando mais em conteúdo do que em desafios; e manterão os docentes mais baratos e que realizem atividades mais convencionais.

Crianças pequenas continuarão precisando de muito acompanhamento e interação presenciais. Já os demais estudantes encontrarão muito mais significado em currículos mais personalizados (trilhas diferenciadas), desafios e projetos engajadores, alternar tempos pessoais, experiências em grupo e alguns espaços para mentoria.  

Escolas e universidades farão essas transformações em ritmos diferentes. Haverá novas parcerias para diluição de custos, enfrentar a concorrência, seguir a onda de fusões. Haverá um enxugamento de cargos administrativos e docentes no curto prazo.

As instituições mais sérias manterão os melhores docentes; as mais comerciais trocarão os docentes mais experientes por docentes com pouca experiência e baixos salários.

Haverá um crescimento de parcerias entre instituições, de diferentes formas de colaboração, de atuação em redes mais ativas, assim como aumentarão as fusões para evitar a quebra de instituições menores.

Como a Educação é o setor mais estratégico para a transformação de qualquer país e ela se estende ao longo da vida de todas as pessoas, haverá cada vez mais oportunidades para profissionais, organizações de explorar novos mercados, desenvolver propostas adequadas para as necessidades de cada um, de cada organização, realizar múltiplas parcerias com todos os setores econômicos e sociais.

O grande problema de fundo do país é a desigualdade brutal e a diferença de oportunidades reais transformadoras para a maioria da população.

Corremos seriamente o risco de continuar aprofundando o fosso entre instituições interessantes –mesmo com modelos diferentes – e muitas outras que vão ficando para trás, com muita dificuldade de sair da transmissão de conteúdo, exercícios e provas com consequências devastadoras para o futuro dos jovens do país.

José Moran – Educador, fundador da Escola do Futuro – USP – Pesquisador de processos de transformação das Pessoas, Escolas e Universidades  Educação Transformadora

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Redação

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