O Prazer da Submissão
La Boétie é o fundador ignorado da antropologia do homem moderno, do homem das sociedades divididas. Antecipa, a mais de três séculos de distância, o cometimento de um Nietzsche (mais ainda que o de um Marx), que consiste em pensar a degradação e a alienação. (Pierre Clastres)
Samuel Fernando
São Paulo, 10/09/2024
2 Minutos.
Há quase 500 anos, Étienne de La Boétie escreveu um ensaio (“O Discurso da Servidão Voluntária”) em que analisa as razões da submissão (relação “dominação-servidão“), um tema que vai da filosofia política a psicanálise.
La Boétie quis entender porque as pessoas se submetem a um tirano e ele entende que a servidão não é imposta pela força, mas aceita de forma voluntária. Se assim não fosse, argumentou, como seria possível conceber que um pequeno número de pessoas pudesse obrigar todos os outros cidadãos a obedecer de forma tão servil a único tirano? Desta forma, para ele o estado natural deveria ser a revolta, o tempo todo.
Mais tarde, Espinosa reformula essa questão. Para ele a servidão voluntária se dá quando as pessoas estão tomadas por paixões tristes, sobretudo medo. É aí onde surge o tirano, que consegue explorar o ressentimento das pessoas.
O Prazer da Submissão
Outros autores discutiram esse fenômeno: Freud, Gustave Le Bon, Wilhelm Reich. Esse último tem uma tese polêmica. Wilhelm Reich, que conheceu e analisou o fascismo e viu de perto a ascensão do nazismo, entende que o problema é muito mais profundo. Não é que as pessoas estão sendo manipuladas ou enganadas. Elas desejam, um desejo permeado por energia sexual, fruto do recalque. (ver em psicanálise)
Reich argumenta que os primórdios do nazismo, por exemplo, é o aumento da repressão sexual na Alemanha. Quando crianças, o proletariado alemão aprenderam com seus pais a suprimir quase todo desejo sexual.
De acordo com Reich: A supressão da sexualidade natural da criança, torna a criança apreensiva, tímida, obediente, com medo da autoridade, boa e ajustada no sentido autoritário. Paralisa as forças rebeldes porque qualquer rebelião é carregada de ansiedade. Em resumo, o objetivo da supressão sexual é o de produzir um indivíduo que se ajuste à ordem autoritária e que se submeta a ela, apesar de toda miséria e degradação.
É exatamente isso que é explorado no maravilhoso filme de Michael Haneke, A Fita Branca, que mostra uma aldeia alemã, às vésperas da I Guerra, como criadouro do nazismo, o “ninho da serpente“.
O Prazer da Submissão
Assim, o padrão libidinal do fascismo é despertar no sujeito sua herança arcaica que também o tornara submisso ao pai, ao “Pai Primordial”, ao “deus-pai”, o pai que ama e pune ao mesmo tempo, uma relação sadomasoquista que gera uma paixão extrema pela autoridade; nas palavras de Le Bom: as massas tem sede de obediência. E devem essa obediência a qualquer um que seja o arquétipo de “pai”.
Pai Patrão
Sabe o que é mais impressionante? É que a dinâmica de domínio-submissão não ocorre apenas no plano coletivo. É uma relação superegóica individual: adestrados desde a infância sob o poder concentrado de nossos pais, somos levados, individualmente ao jogo de domínio-submissão em graus variados.
Portanto, esses jogos podem ser tão inofensivos como uma brincadeira amorosa na cama, ou a adesão viciosa a tiranias políticas em que somos, ora passivos, ora ativos, submissos ao tirano e tiranos uns com os outros, inclusive tiranos de nós mesmos.
Samuel Fernando – AI Engineer | Generative AI | MSc Quantum Computing at USP
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