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Ocupações Escolares, Evasão, COVID-19.

Desde os anos de 2015 e 2016 as ocupações escolares e os níveis de evasão, agora agravados pela Covid-19, têm demonstrado os altos graus de insatisfação com os modelos educacionais escolares propostos pelos governos, sem a participação efetiva da sociedade e dos estudantes.

Patrick Mayer Mosseri Fº.

São Paulo, 12/11 de 2020.

2 Minutos

Segundo pesquisa recente do Datafolha, cerca de 54% dos alunos se sentem desmotivados em estudar durante a pandemia. Tornou-se notícia também a possibilidade de 500 mil estudantes do Estado de São Paulo serem reprovados por não realizarem nenhuma atividade durante a pandemia.

Mas, surge uma reflexão: além da pandemia, as dificuldades de acesso e condições psicológicas dos estudantes por todo o Brasil e o desgaste do estudo remoto (ambiente de estudo precário, relações familiares, etc.), existe alguma outra questão que está desestimulando os alunos?

No final do ano de 2015, inspirados pelo movimento de ocupações chileno, diversas escolas estaduais de São Paulo foram ocupadas em protesto à uma reorganização escolar proposta pelo governo de Geraldo Alckmin que traria como consequência a transferência de mais de 311 mil alunos para outras unidades mais distantes de suas residências.

Após mais de três meses de ocupações, a medida foi revogada. Porém, esse não foi o fim das ocupações estudantis no Brasil. Nos meses de abril e maio de 2016, por volta de 15 ETECs (Escolas técnicas de nível médio), por todo o estado de São Paulo foram ocupadas para pedir a volta da merenda que parou de ser distribuída, numa luta pelo oferecimento de almoço para os estudantes.

Esse movimento, apesar de sua curta duração (25 dias) conseguiu conquistar as duas pautas principais, ganhos significativos em cada unidade escolar e a abertura da CPI das Merendas. No final de 2016, novas ocupações em diversas universidades e escolas por todo o país, desta vez contra propostas do âmbito federal (PEC 241 e Reforma do Ensino Médio) formuladas pelo então governo de Michel Temer.

Além de todas as reinvindicações principais levantadas, foi possível observar que nesses movimentos os estudantes demonstraram uma insatisfação com o que se tornou o modelo educacional atual e propuseram novas experiências.

Outra Escola

Durante esses três momentos de ocupações, as aulas ficaram paralisadas na maior parte das vezes. Porém, isso não significou que os alunos não estavam aprendendo ou estudando. Os estudantes começaram, por conta própria, a desenvolver atividades educativas e culturais, exercícios físicos e fizeram também reformas e limpezas.

Fotos cedidas dos aparelhos celulares dos alunos

Essas atividades que tipicamente não ocorrem na rede pública, mostram temas que os estudantes se interessam e que nunca foram discutidos como prioridade (por exemplo: saúde da mulher, cine debate e música).

Atividades organizadas pelos próprios estudantes secundaristas, de maneira autônoma.

A escola se tornou um ambiente onde os alunos sentiram um pertencimento maior, e desenvolveram um cuidado especial com a sua limpeza e manutenção, já que esse espaço provisoriamente esteve sob a responsabilidade deles.

Nas imagens acima, é perceptível uma vontade dos estudantes de demonstrar que estavam cuidando daquele espaço e não destruindo, contrapondo-se à maneira como muitos enxergavam o movimento de ocupações (e como a propaganda do próprio governo tentava mostrar).

Assim, a partir dessa introdução a respeito das atividades promovidas pelos alunos, pode-se analisar quais as soluções propostas pelos governos nos anos seguintes para essa demanda de uma escola diferente.

Reforma do Ensino Médio – e as competências

Ainda no ano de 2016, o governo de Michel Temer editou uma medida provisória de Reforma do Ensino Médio, sem consultar ou debater com a sociedade civil.

Entre as principais medidas, estão: a permissão para que professores sem licenciatura deem aulas, e a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) passa a compor apenas 60% da grade dos alunos, deixando o restante para “itinerários formativos” (alunos escolhem qual área e disciplinas lhes interessam).  

Mas, vale aqui uma ressalva que pode ser vista como um ponto positivo: as 10 competências, não como componente curricular, mas como estruturas transdisciplinares para melhorar o entendimento ético, estético e político dos estudantes. Entretanto, uma questão que gera enormes controvérsias reside no fato de deixar ao sabor das escolas em seus projetos políticos pedagógicos a apresentação destes recursos sem que se corra o risco de criar polos desiguais. A razão é simples de entender – uma escola que embora pública esteja no centro de uma cidade grande, como São Paulo, terá muito mais a fornecer em termos de qualidade e recursos disponíveis do que uma da periferia.” [N.E.]

A ideia de itinerários formativos parece interessante, porém, na prática quantas destas atividades itinerantes cada unidade escolar pode oferecer, de fato? Caso o aluno se interesse por uma área que não seja ofertada na escola próxima de sua casa, não terá como escolher as disciplinas de seu interesse. Terá que percorrer uma distância enorme para isso?

Esse exemplo mostra o caso de cidades grandes e médias, mas, pensando em municípios pequenos, em que existem poucas escolas ou, às vezes, apenas uma, não haverá a possibilidade de o aluno se deslocar até outra cidade para cursar o itinerário de seu interesse.

Mal medidas

Outra medida que foi aprovada nessa reforma foi a de transformar, progressivamente, todo o ensino médio em integral. Essa medida causa uma exclusão tremenda para aqueles alunos do período noturno que precisam trabalhar para auxiliar ou até mesmo sustentar suas casas.

Essa medida, como já destacado anteriormente, desencadeou uma onda de ocupações por todo o país para confrontá-la, porém, no começo de 2017, Michel Temer a sancionou.

Nenhuma parte dessa Reforma do Ensino Médio parece atender àquela escola que os estudantes estavam construindo. Pelo contrário, deve criar ainda mais exclusão e menos sentimento de pertencimento dos alunos com o ambiente escolar, visto que, em momento algum estes foram ouvidos.

Ocupações Escolares, Evasão, COVID-19. E agora?

Durante a pandemia global de COVID-19 se tornou ainda mais difícil o acesso, a condição psicológica e o interesse dos alunos na escola. Segundo pesquisa realizada pela TIC Educação 2019, 39% dos estudantes de rede pública não possuem um computador ou tablet em casa.

Outro dado importante foi divulgado pelo IPEA, afirmando que cerca de 6 milhões de estudantes brasileiros não possuem acesso nenhum à internet. Destes, 96,6% são da rede pública de educação.

Tendo em vista esse cenário, somado às diversas dificuldades que existem em desenvolver aulas emergenciais online, principalmente para os professores, é possível conjecturar sobre como surge o número de 500 mil alunos, só em São Paulo, que não entregaram nenhuma atividade remota.

E mais: analisando de maneira mais profunda, buscando a história recente da luta dos estudantes, vemos que a insatisfação com o modelo escolar já é uma demanda há algum tempo. As ocupações e suas formas de organização são a prova disso.

O que fazer?

Além do acesso à tecnologia e internet e apoio psicológico que deve ser proporcionado pelos governos municipais, estaduais e federal, é preciso refletir sobre como desenvolver um modelo escolar que se adeque aos interesses atuais dos alunos, principalmente os ouvindo.

Caso contrário, será difícil apresentar uma perspectiva pós-pandemia para os estudantes que durante ela, já abandonaram os estudos. A evasão dos alunos, que era um debate cada vez mais crescente no Brasil, foi intensificada durante o ensino remoto emergencial. Caso não surjam novas possibilidades, poderá se tornar um problema ainda mais crônico quando as aulas voltarem a ser presenciais.

Patrick Mayer Mosseri Fº.
Ciências Sociais – UNIFESP

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Redação

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