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Oppenheimer

O filme Oppenheimer traz uma significativa e oportuna contribuição para a interpretação das relações históricas  entre Ciência e Política.

Ricardo Guedes

Belo Horizonte, 22/08/2023.

2 Minutos.

A Política sempre endossa a Ciência desde seu interesse imediato, a curto, médio ou a longo prazo. Entretanto,  a ciência continua inventiva e crítica, sempre, e se ela se choca com as estruturas de poder, este então vira-se contra ela. Descartando demagógica e impiedosamente seus arautos e intelectuais.

Isto ocorreu na Itália, durante o nascimento da ciência experimental, quando a ascendente ‘burguesia’ italiana bancou a atividade científica. O interesse era a contestação dos dogmas da Igreja e da aristocracia. Galileu Galilei, entretanto, foi deixado a sua própria sorte diante do Papa e da Inquisição, tão logo alcançaram os seus objetivos.

O mesmo ocorreu com o Macartismo nos Estados Unidos pós Segunda Guerra, com Trump, com Bolsonaro, na expressão política intencional da ignorância para suprimir o pensamento. No filme Oppenheimer, o descarte político do cientista é nítido quando ele, após à bomba atômica, manifesta sua preocupação com o futuro.  Ele endossa a política que alguns chamam de o “equilíbrio do terror” entre os países para curto prazo.

Entretanto, as perspectivas de acordos de limitação das armas nucleares e de pacificação entre as nações a médio e longo prazo, o tornam amargurado. Sem deixarmos de mencionar e aqui enfatizar a tragédia humana ocorrida em Hiroshima e Nagazaki.

Papeis ‘secundários’ – Um bode para expiar?

Entretanto, o filme é dimensionado de tal forma que subestima o papel indispensável desempenhado por Enrico Fermi. Ele está no centro das pesquisas e do projeto na Universidade de Chicago, para a obtenção da energia e da bomba atômicas. Fermi é o ‘cientista elo’ fundamental entre a teoria e os resultados obtidos.

Einstein, com a Teoria da Relatividade, Bohr, com a Mecânica Quântica, Planck, com a constante da energia, Heisenberg, com o princípio da indeterminação, e Fermi, com os estudos sobre radiação, foram cientistas brilhantes e basilares na elaboração das teorias que possibilitaram chegar à energia e bomba atômica.

Oppenheimer
Grupo de cientistas pioneiros que levaram ao domínio e ao uso da energia atômica. (Img. Web)

Por outro lado, Julius Robert Oppenheimer, físico e o primeiro engenheiro nuclear, de incontestável valor, no que se usa chamar de R&D – Research and Development, ou P&D – Pesquisa e Desenvolvimento, foi chave na obtenção da primeira bomba atômica. Porém, entre a teoria e a prática, Fermi foi o ‘elemento’ funcional da quebra do átomo pele primeira vez, com experimentos realizados em dezembro de 1942 na Universidade de Chicago.

No filme, Fermi aparece rapidamente em leve aceno estigmatizado à Oppenheimer, sem lhe ser atribuída a devida importância, ou da Universidade de Chicago. A própria UChicago expressou, em  recente e elegantemente mensagem, a lacuna do filme na falta deste reconhecimento.

Penso que, naquele ponto em que estavam a ciência e a tecnologia mundial (1942), Fermi fez o mais difícil. Não que tenha sido mais difícil, ou mesmo até equiparável, à Teoria da Relatividade, por exemplo, mas ali, naquele momento era o mais difícil e delicado a se fazer.

Entrando na História

É interessante observar que Einstein, Bohr, Planck, Heisenberg, e Fermi, foram todos laureados com o Prêmio Nobel. Oppenheimer, entretanto, foi laureado, curiosamente com o Prêmio Enrico Fermi, por mérito, pela Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos, para aqueles que contribuíram significativamente para o desenvolvimento da energia atômica.

Reflexos imediatos

Contudo, peculiar e não menos importante é também observar que Fermi foi contatado para vir para a Universidade de São Paulo, criada em 1934 após a perda da Revolução Constitucionalista em 1932. A ideia do convite foi feita, segundo os líderes do movimento, para a “investigação científica e formação das classes dirigentes”, cujo objetivo seria  “através da ciência e perseverança recuperar a hegemonia no âmbito da Federação”.

Dos Estados Unidos, por sua vez, Fermi indicou para a USP um de seus melhores discípulos, Gleb Wataghin, que desenvolveu a Física no Brasil, com Cesar Lattes, Mario Schenberg, Marcelo Damy, Paulus Pompeia, e tantos outros, dali derivando nossa indústria eletromecânica, a Embraer, dentre outras.

E assim caminha a humanidade.

 

Ricardo Guedes – Física pela UFRJ.
Ph.D. em Ciências Políticas – Un. Chicago – CEO da Sensus

 

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Redação

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