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Os Novos Gladiadores

Os dois pesos pesados do onipotente/onipresente (com a IA tornar-se-á onisciente?) setor das tecnologias digitais, Musk x  Zuckerberg viralizaram nas redes sociais e no noticiário internacional (marketing de comunicações?), ao sugerir uma luta corporal entre si, no padrão UFC, flertando com o clima dos combates entre gladiadores no Império Romano.

Arnaldo F. Cardoso

São Paulo, 03/08/2023

2 Minutos.

Diante do acirramento da competição no mundo dos negócios a partir do pós 2ª Guerra Mundial, a demanda por estratégias levou acadêmicos da área de Administração e Negócios, bem como executivos de grandes corporações, a buscarem inspiração nas teorias de Relações Internacionais e nos tratados de Filosofia Política, sobretudo naqueles que versam sobre as guerras.

Mas quais fatores permitem estabelecer um paralelo entre o mundo dos negócios e o campo de batalha das guerras?

Da guerra às estratégias de negócios

No pensamento militar é central a preocupação com a estratégia, com o planejamento e execução de movimentos táticos de ataque e defesa, avanços e recuos para manter ou conquistar posições.

Dentre os pensadores do campo da estratégia militar, Sun Tzu, general, estrategista e filósofo chinês do século V a.C. se tornou uma das fontes mais apreciadas pelos novos condutores de batalhas, instalados em grandes centros comerciais e financeiros.

Contrastando com clássicos volumosos como Da Guerra, do alemão Claus von Clausewitz (1780-1831), de 930 páginas, A arte da guerra, de Sun Tzu, pelo seu modesto formato de pouco mais de cem páginas distribuídas em treze capítulos, passou a ser consumido como manual e chamado por muitos de “Bíblia da estratégia”. Centenas de títulos já foram publicados com adaptações da sabedoria milenar do filósofo militar chinês ao mundo dos negócios.  Serve para orientar até mesmo técnicos de futebol na condução de suas equipes. “Identificar forças e fraquezas do inimigo” se tornou a palavra de ordem.

Na década de 1950 boas escolas de negócios como Harvard passaram a incorporar em seus cursos disciplinas de estratégias de negócios visando o desenvolvimento de ferramentas de análise de concorrência para aplicações empresariais. No ambiente da Guerra Fria, reinava o espírito do “ganha-perde” no qual o outro, o oponente, deve ser derrotado ou até mesmo eliminado.

Exemplar disto foi reproduzido em Hollywood, com a elogiada interpretação do ator Michael Douglas através da personagem Gekko, o investidor inescrupuloso do filme Wall Street (1987) relançado em 2013 com o título O lobo de Wall Street e Leonardo DiCaprio no papel principal. A versão atualizada de Gekko, mostra-o ainda pior, sugerindo um processo de corrosão de caráter irreversível.

Novas batalhas 

As transformações geopolíticas, econômicas e tecnológicas ocorridas nas últimas décadas deram os contornos das novas disputas por mercados em escala global, configurando novos atores e arenas.

Se desde muito são comuns as rivalidades corporativas como Ford x General Motors, Boeing x Airbus, McDonald’s x Burger King, Apple x Samsung e Marvel x DC, um novo caso tem ganhado contornos inusitados e vem atraindo crescente atenção.

Os Novos Gladiadores
                                                                     Luta livre – paga pelos direitos de transmissão global. (Img Editor)

No mês passado, uma série de declarações de dois pesos pesados do onipotente setor das tecnologias digitais balançou a árvore do vento. Elon Musk (proprietário do X Twitter, da SpaceX, Tesla e Neuralink além de vice-presidente da OpenAI – desenvolvedora do ChatGPT) e Mark Zuckerberg (presidente e CEO da Meta Platforms, que reúne as empresas Facebook, Instagram e WhatsApp) viralizou nas redes sociais e no noticiário internacional, ao sugerir uma luta corporal entre os dois bilionários, no padrão UFC, flertando com o clima dos combates entre gladiadores no Império Romano.

Sim, no fluxo da notícia, especulou-se que a tal luta poderá acorrer no Coliseu de Roma, a mais célebre das arenas, inaugurado no ano 80 do primeiro século da era cristã.

Os espetáculos na Arena romana, raros no período da República e frequentes durante o Império, tinham várias funções, entreter as massas, punir publicamente criminosos, afirmar a superioridade romana e também eram vistos como oportunidade de redenção e glória. As lutas representavam um exercício simbólico de poder.

As origens da rivalidade

A face mais pessoal da rivalidade entre os dois titãs teve seu principal registro em 2016, depois do Facebook contratar a SpaceX, para o lançamento de um satélite que ampliaria o alcance de acessibilidade da rede social e tal plano foi interrompido em função de uma explosão do foguete Starship, com o satélite, num teste em solo.

Desde então, uma sucessão de twittes e posts nas redes sociais dos respectivos contendores, com conteúdos cada vez mais provocativos e mutuamente depreciativos, alimentaram as investidas dos dois gigantes do mercado mundial de tecnologia.

O lançamento recente do Threads, clone do Twitter da Meta, escalou a rivalidade. Com sarcasmo, o dono do Twitter tem dito que o rival quer dominar a Terra, sem competidores para a sua megacorporação.

As divergências públicas entre os dois empresários atravessam vários temas cruciais de nosso tempo, como preservação do meio ambiente, ameaças à democracia, direitos trabalhistas, discurso de ódio e liberdade de expressão, fake news e eleições, avanços das ferramentas de Inteligência Artificial, entre outros, sugerindo posicionamentos político-ideológicos divergentes.

Entretanto, pesam sobre as empresas dos dois bilionários numerosas críticas e denúncias que, por ação ou omissão, não atestam grandes distinções em termos de compromissos efetivos com as questões citadas.

Enquanto Mark Zuckerberg é mais frequentemente associado ao chamado “neoliberalismo progressista”, Elon Musk já deu mostras de simpatia e disposição para cooperar com lideranças da extrema direita e do populismo de direita.

Flertes ideológicos

Em recente viagem à Itália, país sobre o qual já fez diversas declarações jocosas gerando enfurecidos protestos, Musk foi calorosamente recebido pela Primeira-Ministra Georgia Meloni e membros de seu governo.

Se o anacrônico combate ocorrerá e se o simbólico Coliseu de Roma o abrigará já não é o mais importante, mas sim a necessária reflexão que o episódio suscita quanto aos valores norteadores da vida social e particularmente sobre a responsabilidade das elites – econômicas, políticas e intelectuais – para a manutenção e desenvolvimento de sociedades democráticas, livres e prósperas.

Não podemos concordar que problemas cruciais de nosso tempo sejam confundidos com espetáculos e disputas de egos inflados, vazios de compromisso com o futuro.


Arnaldo Francisco Cardoso
, cientista político, pesquisador, escritor e professor universitário.

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Redação

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