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Ser Professor(a) em Portugal

Aos 25 anos de serviço, acho que já vou podendo escrevinhar sobre as vivências e experiências desta profissão.

É claro que cada um escolhe e traça o seu caminho, fazendo escolhas, cedências e apostas, que no correr dos anos podem ser-lhes ou não favoráveis.

Ainda sou do tempo dos “mini-concursos”, quando todos os professores agarravam nos carros e em 5 dias percorriam quilómetros para verificarem as vagas que existiam para entregarem em cada região, um papelote com preferências que ditavam um ano de serviço. Após saírem os resultados, analisávamos as melhores opções e desistíamos das restantes zonas. Tudo a papel, com horas de estrada e de filas.

As publicações das listas de ordenação eram afixadas e como era impossível estar em todo o lado, a comunicação entre os professores sempre fluiu numa interajuda a nível nacional. Casa própria? Uma cedência. Até hoje não tenho residência própria, pois foram muitos anos a saltar de escola em escola, de cidade em cidade, e com o avançar dos anos, o valor das habitações subiu tanto que neste momento, embora numa situação profissional estável, não tenho possibilidade de adquirir um empréstimo…

Escolhas… Poderia ter feito tudo ao contrário e ter primeiro que tudo adquirido uma habitação e ter-me limitado a uma zona restrita. Caminhos… A diversidade de experiências no ensino dá-nos ,sem dúvida, uma formação que nenhuma universidade poderá oferecer. Já perdi a conta das escolas por onde passei, e por todas fui fazendo e deixando amigos, entre os colegas, funcionários e alunos. Quando um professor refere que com este tempo de serviço só esteve numa escola, não consigo imaginar a perda… dele por um lado, minha por outro.

Ser Professor(a) em Portugal – Prioridades…

Houve um tempo em que os professores deixaram de brincar e de ser unidos no local de trabalho. Surgiu um modelo castrador de avaliação, nada justo e visivelmente tendencioso. Com ele surgiu a figura do Diretor de um Agrupamento de Escolas*, que não seria eleito pelos seus pares, em que teria o poder decisório em todas as suas vertentes.


A maioria dos professores continuava a saltitar de cidade em cidade, de casa em casa, com filhos e famílias às costas, ou deixavam as famílias a quilómetros de distância. Com os anos as caras envelheceram, e só quando deixaram de existir professores para todos os alunos, começámos aos pouco, a ver uma ou outra carita jovem no ensino.

Atualmente corremos o risco de todos os anos termos milhares de alunos sem professores… O sistema de avaliação continua castrador, os diretores continuam a ter o poder quase absoluto, os anos de corrupção e devaneio dos governos no poder, levou-nos a cortes salariais e de tempo de serviço.


Apostas… No ano 2022/2023 a população em Portugal estava adormecida, resignada, apática. A inflação subiu exponencialmente tal como o desrespeito pelo outro. Foi o ano de revolta dos professores. Todos os dias se começaram a ver professores nas ruas com cartazes, tambores, apitos, faixas, com gritos e sem vergonha da exposição. Toda a população tinha de se insurgir.

Foram meses a fio de greve, com escolas fechadas e ruas apilhadas desta gente que educa um país a não desistir. Perdemos rios de dinheiro com a greve…
Tínhamos objetivos bem definidos: valorização da carreira docente, descongelamento do tempo de serviço e RESPEITO!

Ser Professor(a) em Portugal
Ser Professor(a) em Portugal também é lutar muito. (Img. Web)
Rumos, brigas e conquistas (?)

Portugal mudou a partir daí… Uma colega perguntou-me um dia se iríamos conseguir. Eu disse-lhe que muitas profissões iriam ganhar regalias antes de nós, mas tínhamos de acordar este país. Não era importante o aproveitamento que todos fizeram deste movimento. Fomos perseguidos por inspeções e por pessoas frustradas e incapazes.

Hoje, talvez se respirarmos consciência, daremos valor a todos os que passaram horas a fio nas ruas, sem desistir de uma liberdade que tínhamos perdido. Abrimos a caixa para muita gente e todas as classes laborais. Caiu um governo repleto de corrupção e compadrios.



Ser professor em Portugal

Aqui também temos mais de metade dos professores a trabalhar em duas ou mais escolas. Os Agrupamentos de Escolas promoveram isso mesmo. Muitos com 15 minutos, no máximo, para se deslocarem. A vida de um professor não é triste. Qualquer que seja o sítio onde lecione. Entretanto, quando chega a esse ponto de ruptura, o professor entra em depressão ou sai do ensino.

Sob a vigilância dos governantes e de parte da sociedade – A “Culpa” de ser professor(a) em Portugal?

A forma como os outros nos veem, como respeitam e valorizam o nosso trabalho, desde a tutela à população, é que é um problema. Um professor tem de estar preparado para enfrentar todos os anos desafios com os alunos, e esperar confrontos e inércias. Um enfermeiro e um médico têm de estar preparados para enfrentar o risco da morte eminente. O problema da educação, transversal à maioria dos países, é neste momento a falta de professores.

Também já temos a falta de médicos em Portugal. Não trabalhamos com papéis apesar de os manusearmos todos os dias. Trabalhamos com pessoas e envolvemo-nos emocionalmente com elas. Não nos conseguimos distanciar, desligar. Como projeto de vida não é aceitável para a maioria das pessoas.
Temos uma percentagem enorme de sucesso, mas o insucesso inerente ao fator humano é apontado de forma devastadora.

“A minha realidade” é sempre a mais difícil e sentida, mais perfeita e razoável, do que a do outro. Neste momento, todos são técnicos, professores, médicos e diabo a sete. Estamos na era do teclar e julgar de forma absolutamente absurda.

Taty Alexandre Loureiro – Mestre em Biologia e Professora do Ensino Fundamental

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Redação

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