Sustentabilidade

Neurociência em apoio às Políticas Públicas

Quando fui desafiada a escrever sobre esse tema, me vi diante de um grande desafio de ordem cognitiva, política e humana, por essa razão, não tinha o direito de recusar.

São Paulo – 06/07/2020

Roberta Maria Bueno Bocchi

Começando com o termo Política Pública, defino-o aqui como ações governamentais direcionadas aos reais problemas da população. Considerando os estudos sobre o tema desenvolvidos por Azanha (2004), pode-se afirmar que se trata de uma política de Estado que visa responder a um “problema nacional, como problema governamental, que só existe a partir de uma percepção coletiva. Nesses termos, não seria suficiente para afirmar a existência de um problema nacional apenas a consciência crítica de alguns homens em face de uma realidade”. (AZANHA, 2004, p. 102)

O autor deixa claro que não basta apenas alguns membros do poder central entenderem que alguma ação é importante e implementá-la é preciso mais que isso, é necessária a mobilização social, uma percepção coletiva popular sobre um determinado problema, como um grito da massa humana nacional que pede resposta urgente do governante. É nesse ponto que se constrói uma Política Pública, para dar resposta ao pedido da população enquanto sociedade.

O segundo termo que precisa aqui ser definido é Neurociência. Trata-se de uma ciência nova, que ganhou força com as novas tecnologias de imagem cerebral que permitiram a visualização de atividade cognitiva no interior do encéfalo humano. Tenta explicar como o comportamento, a aprendizagem e a consciência humana nascem da atividade cerebral. Segundo Lent (2018) é um conjunto de disciplinas que estudam, pelos mais variados métodos, o sistema nervoso e as relações entre as funções cerebrais e mentais. (LENT, 2018, p.3).

Para a Neurociência o conhecimento se dá através das conexões neurais, que ao acessarem os conhecimentos já armazenados no encéfalo, criam novas conexões, novas aprendizagens, com sentido para o sujeito, se consolidando na memória, se transformando em conhecimento e na sequência, em comportamento.

Saber como tudo isso ocorre, que é um processo individual, pelo fato de cada um perceber a realidade e as informações de um jeito próprio, de acordo com a sua aprendizagem anterior, conforme as conexões neurais já realizadas por cada indivíduo, enriquece a vivência humana diante dos enfrentamentos do mundo moderno e nos permite estabelecer um vínculo cognitivo entre os dois termos abordados nesse texto.

A interferência

Posta a definição dos termos, cabe desenvolver a temática central e responder como a Neurociência pode influenciar a proposição de Políticas Públicas. E para isso, tomo como exemplo uma situação atual como ponto de reflexão.

O mundo vive uma situação de emergência sanitária frente a uma pandemia provocada por um vírus intitulado “coronavírus”. Considerando esse cenário, todos os governos do mundo pensam, ou deveriam pensar, em estratégias para o enfrentamento da situação e implantam políticas públicas pensando na necessidade de contenção do avanço do contágio, no atendimento hospitalar especializado, na necessidade do distanciamento social, na escuta atenta dos pesquisadores da área de saúde, na aquisição de equipamentos de segurança sanitária, entre outras providências.

Porém, não pensam tudo isso sozinhos, ouvem o grito da sociedade, que nesse caso, pede socorro humano e só então dão a resposta em forma de ações que fazem uso dos órgãos e recursos públicos para o bem-estar social que o momento pede.

Mas há alguns governos que não ouvem a sociedade e concluem sozinhos ou entre seus pares, que o grito da população está equivocado e negam a pandemia e os cuidados solicitados pela massa humana.

Nesse caso, não faz Política Pública se considerarmos o conceito do termo por Azanha (2004), faz sim, Política de Governo, entendida segundo Fernandes (2004) como algo que “reflete as prioridades, o estilo, a ênfase e o tom definidos por forças responsáveis pela direção do poder executivo nacional durante diferentes períodos” (FERNANDES, 2004, p. 88). Portanto, agem sem ouvir a grande massa popular e suas necessidades coletivas emergenciais.

Além das questões políticas partidárias e do autoritarismo presente em uma ação classificada como Política de Governo, há também uma formação de pensamento naquele que governa que talvez a Neurociência possa nos ajudar a compreender, se não o sentido, mas talvez o comportamento.

Cada indivíduo reage de forma diferente frente a uma informação nova, sua reação irá depender, entre outros fatores, do conhecimento acumulado sobre aquele assunto ou assuntos paralelos que permitam conexões. Quanto mais amplo for o olhar e as possibilidades de conexões cerebrais a partir de uma informação, mais amplo é o entendimento sobre o novo assunto e mais possibilidades de ação e reação se abrem ao indivíduo que acaba de adquirir novas aprendizagens a partir das novas conexões neurais possíveis. 

Um bom exemplo disso é quando assistimos uma palestra, uma aula ou um filme e saímos com novas ideias ou entendimentos diferentes das demais pessoas que estavam conosco. Cada pessoa presente ouviu e viu as mesmas informações, porém estabeleceu conexões neurais diferentes que levaram em consideração o que cada pessoa já sabia sobre o tema abordado, a vivência pessoal de cada um, as emoções, o amadurecimento de algumas áreas cerebrais e a capacidade cognitiva.

Todos esses fatores resultarão em um entendimento diferente da situação vivida e em um comportamento único, que pode ser de amplitude ou de limitação.

Enquanto a pessoa usa esse entendimento pessoal de mundo, fruto de suas conexões cerebrais individuais para nortear a sua vida pessoal, tudo bem, afinal somos seres em evolução. Mas quando a pessoa usa todo esse individualismo para comandar uma massa populacional, temos um grande problema nacional.

Não se faz Política Pública a partir de percepções individuais e sim a partir de percepções coletivas, dando sempre as melhores respostas possíveis à população, exercitando a amplitude do pensamento.

Quando a população sofrida percebe que seu governante não atende a demanda popular e insiste em priorizar seu entendimento pessoal em detrimento da percepção coletiva há somente dois caminhos, a revolta ou a alienação. A primeira talvez provoque mudanças e faça ouvir a voz da grande massa populacional, só não sabemos qual será o preço das vidas humanas envolvidas.

Já a segunda, entendida como o fenômeno da alienação do sujeito, explicada por Silva (1996) como “alijamento do ser humano do processo de trabalho e a instalação em seu lugar do funcionário que exerce um cargo e que executa um papel” (SILVA, 1996, p. 30), cria uma massa de manobra robotizada e descrente do futuro.

Em que mundo queremos viver?

Com certeza a revolta provoca mais mudanças do que a alienação, nosso cérebro tende a provocar comportamento de mudança quando a situação se mostra ameaçadora para sua sobrevivência. Mas para evitar a violência, será preciso articular de forma consciente a emoção e a razão e para isso, será preciso o diálogo.

A escuta atenta e a troca de visões de mundo através do diálogo são alimentos fundamentais para a amplitude de conexões neurais, que permitem resoluções coletivas mais humanas e afastam possíveis ações extremas, violentas e descoladas das reais necessidades da população.

O mundo que precisamos é aquele liderado e povoado por sujeitos coletivos e não por indivíduos. O homem torna-se sujeito quando consciente de seu existencialismo, dado pela sua percepção individual de mundo, interage com o grupo em que está inserido. “A pessoa é um sujeito enquanto vive em relação com um grupo e este torna-se sujeito na medida em que se constitui por pessoas. Desse modo, pode-se falar em verdadeiro sujeito quando se fala de um coletivo de pessoas”. (SILVA,1996, p. 90).

Considerando que, para a constituição de um coletivo de pessoas que possam interagir haja a necessidade de uma linguagem comum, do uso de determinadas funções físicas e mentais, intencionalidade e significado, entende-se que esse sujeito deva ser muito mais que apenas mentes ou corpos. É a completude dada pelo sujeito que permite sua própria sobrevivência humana.

Profª Dra Roberta Maria Bueno Bocchi
Neuroeducadora, Pesquisadora e Supervisora de Ensino S/P

Referências

AZANHA, J.M.P. Planos e políticas de educação no Brasil: Alguns pontos para reflexão. In: Estrutura e funcionamento da educação básica. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.

FERNANDES, L. Fundamentos y desafios de la política exterior del gobierno Lula. In: Revista CIDOB d`AfersInternacionals, Barcelona – España, nº 65 p. 87-94, 2004 – disponível em www.cidob.org/ca/content/…/65fernandes.pdf .

LENT, R. Neurociência da mente e do comportamento. Rio de Janeiro: Koogan, 2018.

SILVA, J. M. A autonomia da escola pública. Campinas: Papirus, 1996.

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Redação

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