ConteúdosCultura SistêmicaDestaquesMulherPolíticaSociedade

Vidas negras importam. Muito!

Em tempos de pandemia e protestos não podemos esquecer que o Brasil assentou as suas mansões e riquezas em cima de um grande cemitério de vidas negras e indígenas…

Monique Rodrigues do Prado

São Paulo, 27/10/2020.

2 Minutos

Muito vem sendo discutido acerca da desigualdade produzida em razão da pandemia que nada mais é do que um vetor e não efetivamente a causa do hiato social, especialmente porque não podemos esquecer que o Brasil assentou as suas mansões e riquezas em cima de um grande cemitério de corpos negros e indígenas.

Além disso, a falha na engrenagem demonstrou que o capitalismo sequer permitiu que negros permanecessem em casa para atender o período de quarentena, pois para o patrão tomar café, a periferia acordou faz tempo.

Não à toa, os serviços essenciais não excluíram as empregadas domésticas, visto que a mentalidade servil da elite brasileira não percebe que o empregado que trabalha em sua casa, também é uma pessoa que tem família, sonhos e que tem medo de morrer.

De toda forma, as últimas semanas têm criado uma nova linguagem política – vidas negras importam – unificando a agenda seja pela pandemia, seja pela desigualdade, e isso ficou claramente demonstrado pelos protestos de ruas em defesa de vidas negras e da democracia.

Correndo o mundo. Vidas negras importam. Muito!

Nos Estados Unidos, país onde o número de mortos ultrapassou a casa dos 200 mil, um cartaz de um manifestante dizia: “Não temos opção, ou morremos pelo vírus ou pela bala”, referindo-se aos atos violentos de racismo que ensejam em assassinatos de jovens negros.

A frase de impacto nos faz refletir sobre como os atos representam a ponta estreita de um iceberg, uma vez que pouco a pouco os protestos que começaram em Minneapolis vão criando eco em outros países como México, Canadá, Alemanha, França, Irlanda, Inglaterra, Nova Zelândia e Brasil, segundo apontou a CNN no artigo “Thousands around the world protest George Floyd’s death in global display of solidarity”.

Máscaras que não escondem a dor!

Protestantes de máscaras em aglomerações. Uma cena que parece paradoxal no contexto da maior pandemia que o mundo já viu, comprova na verdade como os protestantes têm sido mobilizados pela velocidade das redes que instantaneamente unificam a agenda mundial e despertam o interesse nos jovens, os quais, ainda que não sejam negros, observam como a brutalidade e as ações violentas do estado inflamaram as manifestações antirracistas que vem ocorrendo pelo mundo.

Elementos como a escravidão, a segregação racial, o autoritarismo, o fascismo e a ditadura, inevitavelmente, motivam muito desses manifestantes para que a história não se repita. Mas será mesmo que estamos de volta às concepções de Mussolini ou de Hitler? Será que os tanques de guerra sairão às ruas para “conter” as manifestações?

De fato, a história não tem memória curta e o medo da ruptura parece ter despertado a juventude, que já não se vê pertencente ao modelo de servidão e obediência.

É o sentimento de uma juventude exausta e que não tem mais “saco” para olhar a democracia como se fosse um quadro inanimado, pendurado em uma parede.

Esses jovens estão nas ruas porque perceberam que não só de hashtag nas redes sociais vive a democracia, pois a conjuntura de opressão pede não só resistência como voz ativa, inclusive daqueles que costumavam ficar em silêncio escondidos atrás de seus privilégios, não ter que lidar cotidianamente com a violência policial.

Ainda assim, muitos deles não enxergam mais solução nos mesmos rostos que prometem acabar com a velha política, embora sejam a personificação do que há de mais retrógrado.

O sistema falhou. Dúvidas?

Portanto, para compreender todo esse fenômeno, que quer de uma vez por todas se desvencilhar do autoritarismo e da morte cotidiana pela bala, é necessário recorrer a política da imaginação que mira na emancipação, não só da engrenagem operacional do capitalismo, que delimita de forma cristalina a linha entre bilionários e miseráveis, como também a emancipação de quem tem medo de levar um tiro na cabeça, inclusive dentro casa. Repita-se à exaustão: vidas negras importam!

O que parece é que a convulsão social vigente que tomou as ruas mesmo diante de uma pandemia, advém de uma carência de liberdades da qual nem o Direito foi capaz de assegurar para todos.

Isto é, fica evidente que o mundo não tem mais espaço para a ignorância daqueles que insistem em delimitar os espaços de acesso e de privilégios pela cor da pele, na medida que as relações humanas clamam por uma multiplicidade de vozes cultural, filosófica e politicamente.

[N.E. – A revista AEscolaLegal participa do esforço mundial pelo fim do racismo e de quaisquer outros preconceitos sejam estes de raça, cor da pele, discriminação de gênero e orientação sexual ou religião, considerando sua postura de apoiadora e disseminadora dos 17 ODS do milênio para 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). A revista em se posicionado contrariamente às reações esdrúxulas de personalidades importantes no cenário nacional, e por conta de estudos históricos e sociológicos consistentes feitos na Academia, análises e percepções baseadas em fatos recentes amplamente divulgados pela imprensa, reconhece o racismo estrutural que vigora no país, recomenda fortemente a leitura dos livros lúcidos e esclarecedores do professor, pesquisador e autor Jessé de Souza sobre a questão, bem como os vídeos produzidos e os debates com quem sofre na pele o problema que sabemos estende-se há séculos em nosso país. Afinal, repita-se à exaustão: vidas negras importam!

Monique Rodrigues do Prado, Advogada. Integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB – Subseção Osasco.
Participa do Comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil e da Educafro.

Compartilhar

Redação

ÆscolaLegal é um esforço coletivo de profissionais interessados em resgatar princípios básicos da Educação e traduzir informações sobre o universo multi e transdisciplinar que a envolve, com foco crescente em Educação 4.0 e além, Tecnologia/Inovação, Sustentabilidade, Ciências e Cultura Sistêmica. Publisher: Volmer Silva do Rêgo - MTb16640-85 SP - ABI 2264/SP