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Paulo Freire: contra a Desesperança

A verdadeira vacina contra a desesperança. Em setembro próximo, o mundo vai celebrar o centenário de nascimento do educador e filósofo brasileiro Paulo Freire (1921-1997).

Cristian Góes

São Paulo, 09/02 de 2021.

2 Minutos

Em vários lugares, as ações dessa lembrança já começaram e devem ser intensificadas nos próximos meses. Apesar de ser bastante festejado no campo da educação, e com muita justiça, Freire é um pensador do ser humano, muito além de caixas científicas. Ele desenvolveu teoria e método extraordinários que tratam da construção e da partilha do conhecimento e que envolve educação, cultura e comunicação.

Apesar de ser reconhecido mundialmente, com seu vasto conjunto de obras traduzido para mais de 30 idiomas e estudado nas mais importantes universidades do mundo, no Brasil, Paulo Freire ainda é pouco conhecido, estudado e experienciado. Essa invisibilização, impedimento e desconhecimento é um projeto, uma ação da elite nacional com o objetivo de não permitir que as suas ideias de emancipação dos sujeitos, de liberdade, democracia, justiça social possam ajudar a esclarecer – a conscientização – os mais pobres, os de baixo e, assim, mexer com as estruturas de poder.

Nos últimos anos, o projeto de impedimento de Paulo Freire assumiu um caráter mais ostensivo e violento. Sobre ele e suas ideias, fabricaram-se inúmeras mentiras, deturpações e atualmente avançam projetos que tentam, em vão, “expurgar” o educador do Brasil. A expressão “expurgar” está no plano de governo do atual presidente da república. O sucesso de uma sociedade armada, violenta e liderada por milicianos e corruptos; a destruição do meio ambiente e dos mínimos direitos sociais; o genocídio praticado pelo governo em razão de sua ausência no combate à pandemia; a ignorância, a mentira, o racismo transformados valores; tudo isso é resultado da ausência de Paulo Freire.

Pernambucano de Recife

Em toda as obras de Paulo Freire estão nítidas as marcas de sua opção em favor dos mais pobres, dos camponeses, operários, das mulheres e crianças, dos negros e indígenas, dos oprimidos. Em uma de suas principais obras, Pedagogia do Oprimido (1968, p. 23) ao escrever suas “primeiras palavras”, ele é explícito a quem seus esforços de pensar o humano estão dedicados: “aos esfarrapados do mundo e aos que nele se descobrem e, assim, descobrindo-se, com eles, sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam”.

Paulo Freire nasceu no Recife, Pernambuco, no Nordeste brasileiro, em 19 de setembro de 1921. Logo cedo, percebeu a extrema dificuldade de sobrevivência das classes desfavorecidas, o que fez emergir tanto sua indignação com as injustiças quanto sua luta pela transformação da sociedade brasileira e latino-americana, historicamente autoritária, antidemocrática, racista, elitista, injusta.

Nos anos 1960, quando Paulo Freire começava a planejar um programa nacional de alfabetização e que poderia ensinar a ler e a escrever mais de 5 milhões de brasileiros, contribuindo para formar cidadãos mais conscientes, a elite brasileira e os militares dão um golpe, implantam a ditadura, prendem Paulo Freire e o expulsam do Brasil.

Lembra Haddad (2019), que os golpistas intuíram que o programa de educação de Freire poderia desestabilizar os poderes constituídos ao colocar, no curto prazo, uma grande quantidade de pessoas em condições de votar (o voto era proibido para os analfabetos). Isso impactaria os currais eleitorais, mas também, e principalmente, levaria setores populares a influírem de maneira mais consciente e crítica em seus destinos. Assim, seria necessária, portanto, banir e deslegitimar as ideias, os métodos e o próprio Paulo Freire.

Patrono da Educação brasileira

Depois de 16 anos de exílio, ele conseguiu retornar ao Brasil, em 1980. Deu aulas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Em 1989, Freire assumiu a secretaria de Educação da cidade de São Paulo e atuou na recuperação salarial dos professores, na revisão curricular e na alfabetização de jovens e adultos.

Ele ganhou vários prêmios em todo o mundo, a exemplo do Prêmio Rei Balduíno para o Desenvolvimento (Bélgica, 1980); Prêmio UNESCO da Educação para a Paz (1986); Prêmio Andres Bello como Educador do Continente – OEA (1992). Em abril de 1997, lançou seu último livro, “Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa”, e em maio do mesmo ano, vítima de um infarto do miocárdio, Paulo Freire acabou falecendo. Em 2012, por meio da Lei 12.612, de autoria da deputada federal Luíza Erundina, ele foi declarado Patrono da Educação Brasileira.

Paulo Freire – Patrono da Educação cuja memória foi aviltada pelo presidente e seu 2º ministro da Educação

Talvez sua obra mais conhecida e espalhada pelo mundo seja Pedagogia do Oprimido (1968), mas destacam-se inúmeras outras como: Educação como prática da liberdade (1967); Extensão ou Comunicação? (1969); Ação cultural para a liberdade e outros escritos (1975); Educação e mudança (1976); Cartas à Guiné- Bissau. Registro de uma experiência em processo (1977); Conscientização: Teoria e prática da libertação (1980); A importância do ato de ler, em três artigos que se completam (1982), entre várias outras.

Como o mundo todo celebra a chegada da vacina contra a Covid-19 em 2021, uma vacina que assegura a permanência da vida diante de uma terrível doença física que já nos tirou milhões de vidas, o ano de 2021 também reservou uma outra vacina: o centenário de Paulo Freire. Sua lembrança-presença, suas obras, ideais, seu legado, seu esperançar combate, com 100% de eficácia, a doença da ignorância e que causa violência, mentira, opressão, injustiça e, também, morte.

Se você anda angustiado, triste, desanimado, sem vislumbrar uma perspectiva concreta de transformações, recomendo, sem qualquer contraindicação, um mergulho prazeroso no estudo das ideias e da práxis em Paulo Freire. No mínimo, perceberá que ainda existem vínculos humanos entre nós. Paulo Freire, Vive!

Cristian Góes
Jornalista. Doutor em Comunicação e Sociabilidade pela UFMG. Dr. Universidade do Minho/PT.
MS Comunicação pela UFS – Pesquisador no Lejor.

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