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Projeto Veneno na Mesa

Servidores do Ibama e da Anvisa falam em “desmonte” de sistema de aprovação de agrotóxicos por perderem poder de veto em registros de novos produtos; Aprovado no Senado, PL 1459/2022 segue para veto ou sanção presidencial até 27/12. O que está na sua mesa já é ruim, Vai piorar?

da Redação de Repórter Brasil

 

São Paulo, dezembro de 2023

3,4 Minutos.

A principal mudança trazida pelo PL 1459/2022, conhecido como “PL do Veneno”, é a limitação do papel da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) no registro de novos agrotóxicos. O esvaziamento da competência dos dois órgãos federais também se estende à reavaliação de pesticidas já autorizados. Seus efeitos nocivos tem sido objeto de novas pesquisas científicas.

As novas regras aprovadas pelo Senado em novembro preocupam ambientalistas e profissionais da saúde. Elas retiram o poder dos técnicos e cientistas dessas duas áreas na tomada de decisão sobre agrotóxicos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem até o dia 27 de dezembro para vetar ou sancionar o PL. Em caso de veto, porém, o Congresso pode derrubar a resolução de Lula.

[N.E.: será que os deputados cairão de joelho frente às indústrias multinacionais e ao agronegócio?]

Pela atual Lei de Agrotóxicos, em vigor desde 1989, o Ministério do Meio Ambiente, por meio do Ibama, e o Ministério da Saúde, através da Anvisa, compõem um sistema tripartite ao lado do Ministério da Agricultura e da Pecuária (Mapa). Hoje, cada um desses órgãos tem poder de vetar as aprovações de agrotóxicos. No entanto, o PL desmonta esse sistema e concentra no Mapa a palavra final.

Repórter Brasil ouviu servidores da Anvisa e do Ibama para entender os principais impactos dessa desestruturação. Na avaliação dos entrevistados, a atuação do Ministério da Agricultura tem se mostrado refém dos interesses das principais multinacionais fabricantes desses produtos.

Agronegócio  X Saúde

Essas empresas têm por estratégia questionar evidências científicas reconhecidas internacionalmente para manter o Brasil como um dos principais mercados de agrotóxicos proibidos na Europa. Temendo as consequências de um protagonismo da Agricultura, os servidores dos órgãos ambiental e da saúde vêm se pronunciando pelo veto ao PL do Veneno.

Conflito de interesses

“A Anvisa perderá o poder de proibir substâncias que sejam de alto risco para a população brasileira”, afirma Yanda Torres, diretora financeira da Sinagências, sindicato que representa os servidores da Anvisa.

O órgão publicou uma nota no início do mês afirmando que a nova lei “põe vidas brasileiras em risco” ao flexibilizar o registro dos agrotóxicos. O texto destaca um “flagrante conflito de interesses” em deixar o poder de decisão sobre agrotóxicos exclusivamente com o Ministério da Agricultura.

Projeto Veneno na Mesa
Alimentos com altas doses de veneno. (Img. Web)

“A gente vê com muita angústia esse retrocesso. O Ibama e a Anvisa vão se tornar meros coadjuvantes”, afirma Clara Costa, diretora da Asibama-DF, que representa os servidores do Ibama.

Para facilitar o ataque

Na semana passada, a Repórter Brasil teve acesso com exclusividade a uma nota técnica do órgão reivindicando seis “vetos essenciais” aos artigos da nova lei de agrotóxicos – dentre eles, o trecho que versa sobre a redução de competências do órgão ambiental e do órgão sanitário.

Em resposta à Repórter Brasil, a Anvisa informou que avalia o impacto da nova lei nos processos de trabalho da agência e se manifesta apenas no âmbito do processo legislativo. O órgão destacou também que “sempre estará comprometido com a saúde da população”.

Foco em negócios, não em saúde

De acordo com dados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), da Anvisa, um em cada quatro alimentos de origem vegetal no Brasil tem resíduos de agrotóxicos proibidos ou em quantidades acima do permitido. Os dados são de 2022 e foram divulgados em 6 de dezembro, uma semana após a aprovação do PL do Veneno.

relatório destaca a redução de 0,55% para 0,17% no número de amostras com risco agudo de contaminação, entre 2018 e 2022. Segundo a Anvisa, esse resultado positivo pode ser atribuído à proibição ou à restrição de ingredientes ativos como o carbofurano, inseticida usado na cultura de frutas e hortaliças.

O processo que proibiu o carbofurano é didático para entender o que pode acontecer daqui para frente. Considerado altamente perigoso pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e proibido na União Europeia e em países como os Estados Unidos e o Canadá, o produto pode gerar efeitos neurotóxicos e teratogênicos (anomalias). Ainda assim, o Ministério da Agricultura foi contra a proibição do uso do produto.

“O Mapa contribuiu com consulta pública em 25 de fevereiro de 2016, discordando da proposta de proibição do Carbofurano devido à relevância desse produto para o controle de pragas agrícolas em culturas economicamente importantes como a cana-de-açúcar e o café”, relatou a Anvisa em parecer técnico que, por fim, vetou a substância.

O lucro acima de tudo?

Segundo o engenheiro agrônomo Vicente Almeida, servidor por 13 anos da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), as proibições de ingredientes ativos de novos agrotóxicos são resultado principalmente dos pareceres da Anvisa e do Ibama, na contramão do posicionamento da Agricultura.

“As proibições acontecem para preservar a saúde humana e o meio ambiente. Além disso, a análise sobre essas áreas não é de competência do Mapa. O ministério se manifesta apenas sobre a eficácia do agrotóxico para combater o fungo, a bactéria ou o inseto em questão”, explica. De acordo com Almeida, o Mapa “sempre se posiciona pela manutenção de moléculas. Mesmo que antigas, “porque são de interesse da grande indústria para manter seus lucros elevados”, opina.

Segundo Almeida, a atuação da Embrapa não pode ser considerada isenta. “Acompanhei de perto a fragilidade da Embrapa frente à sua autonomia no sentido de subsidiar a população brasileira com informações livres e não viciadas por interesses econômicos precisa avançar muito”.

A assessoria de imprensa do Mapa emitiu uma nota genérica. Dentre outras coisas, afirma que “o volume de liberação [de agrotóxicos] não tem relação direta com Governo. Mas, com a melhoria da eficiência da Administração Pública. Isto se dá em atendimento aos prazos estipulados em Decreto e para se adequar à necessidade de harmonização com os avanços científicos na obtenção de registros de produtos mais modernos e menos tóxicos”.

Posicionamento

Por meio de nota, a assessoria da Embrapa afirmou que “suas pesquisas sempre se embasam em critérios técnicos e científicos e jamais se pauta em interesses políticos ou se submete a pressões ao realizar o seu trabalho. Mediante o exposto, afirmar que existe uma captura da Embrapa e do Mapa de maneira geral pelas principais empresas do setor dos agrotóxicos torna-se uma afirmação infundada. Carece de bases de comprovação”. Clique aqui para ler a íntegra das respostas.

Acusações de perseguição

Almeida atua hoje como pesquisador na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Em 2018, ele foi demitido da Embrapa após publicar um artigo científico sobre o aumento do consumo de agrotóxicos em decorrência da adoção de sementes transgênicas.  Isto é contrário do discurso padrão das empresas do setor.

O pesquisador considera que há uma “clara captura da Embrapa pelas grandes corporações”. Ele afirma que as multinacionais dos agrotóxicos se reúnem semanalmente com as chefias da empresa.

Almeida acredita que sua demissão se deva a motivos políticos…

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Redação

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