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A Missão da Gestão

A Escola não pode deixar de ser Escola.

 

 

Haroldo Andriguetto Junior

Curitiba, 28/06/2023

4,2 Minutos.

Não há gestor educacional que nos últimos anos, diante de mudanças tão expressivas, não tenha buscado novos conhecimentos sobre gerência. Isso porque esse tema está diretamente ligado ao sucesso da Escola, bem como ao desempenho positivo do profissional gestor. Afinal, hoje todas as organizações, públicas ou privadas, inclusive as do terceiro setor, como as educacionais, culturais e religiosas, são analisadas por seus resultados, que, em geral, recaem sobre a capacidade de gestão, ou melhor, de seus gestores.

No campo educacional, é essa capacidade de gestão que define o desempenho de uma Escola, incluindo, portanto, outras métricas balizadoras de qualidade e perenidade no mercado. Por exemplo, resultados de formação humana devolvidos à sociedade, níveis de aprovação, percentual de retenção de colaboradores, baixa taxa de evasão estudantil, resultados financeiros positivos. Também escolhas pedagógicas acertadas, ausência de questões disciplinares e, por fim, alto grau de credibilidade.

Em contato com a literatura, salta aos olhos um fato curioso: as Escolas, organizações sociais das mais importantes, não são analisadas sob a ótica de suas especificidades. Infelizmente, vivem à mercê da adaptação de modelos puramente empresariais para sua administração. Mais incrível ainda é evidenciar que essas instituições responsáveis por produzirem conhecimento não possuem uma teoria que embase a própria gestão. Talvez, por conta de ser um assunto tomado de complexidade.

Resultados, resultados…Resultados?

De fato, na literatura especializada, as escolas estão entre as organizações mais complexas por excelência. Elas diferem-se das demais empresas por apresentarem ambiguidade de objetivos, heterogeneidade profissional e missão educacional. Já dizia o saudoso pesquisador e reitor da PUC-PR por 16 anos, Ir. Dr. Clemente Ivo Juliatto, que as universidades não (inclusive “com todas as letras maiúsculas”) seriam empresas como as demais e que as organizações educacionais (Escolas) exigiam também administração própria por serem sui generis.

Por outro lado, a atuação dos gestores revela-se na prática. E, ultimamente, o teste de capacitação sobreveio durante os desafios hercúleos impostos a esses gestores da educação. Entre os últimos e mais impactantes, destacam-se: Os desdobramentos da pandemia de Covid-19 e o caos pedagógico e financeiro das instituições. O desafio de transitar entre o modelo remoto e o híbrido e, em seguida, ter de retornar ao presencial, à base de infinitos protocolos.

Em seguida a chegada forte e rápida de novas tecnologias para interação, impulsionadas no período pandêmico. Portanto, os significativos reflexos pandêmicos sobre os estados emocionais de famílias, alunos e educadores. De outro lado as idas e vindas do Novo Ensino Médio, causando verdadeira insegurança de continuidade para Escolas, estudantes e professores. Por último, os ataques criminosos às Escolas, resultando, infelizmente, em vítimas fatais.

A Missão da Gestão
Para não deixar de ser Escola. A Missão da Gestão. A arte de sem com todos. (Img. Web)
O que isso representa para o gestor educacional?

Qual o preparo ele possui para enfrentar e gerenciar essas “crises”? Como canalizar esforços, propor engajamento, definir um fluxo de comunicação com sua comunidade de professores, famílias e estudantes? Vale lembrar que a formação de gestores educacionais no Brasil apresenta heterogeneidade e, certamente, dificuldade consensual. Nessa mesma comunidade, encontram-se pedagogos, engenheiros, administradores, advogados, psicólogos, entre tantas outras ocupações. É um universo em que a diversidade profissional impera e, muitas vezes, implica conflitos de interesse. Porque o gestor é o representante de uma única unidade ou de um grupo de mantenedores, com diversos construtos sobre educação e gestão.

É nesse ponto que a gestão precisa de refinamento. Entenda-se o que dizia o estudioso do assunto, Henry Mintzberg, professor da McGill University. Visitante/palestrante nas principais universidades do mundo, com 15 diplomas honorários, ele advertia: “a administração é prática pura”. Ou seja: não é ciência nem profissão, mas uma prática contínua adquirida pela experiência e aplicada ao contexto.

Não seria ciência aplicada, mas aplicação da ciência. E nessa aplicação da ciência, cabe ao gestor educacional certa dose de “arte”.  Como  um artesão incremental, cuidadoso e detalhista na prática de seu ofício, produz a obra “perfeita” com o que tem em mãos. Trazendo para o campo das instituições educacionais, essas “mãos” são os recursos que se encontram disponíveis.

Arte: conhecimento, técnica e prática

Gestão com “arte”? Sim! É imprescindível “arte” para não deixar que a Escola deixe de ser Escola. É nisso que os gestores precisam ser exímios. Recordemos, por exemplo, na pandemia, quando houve a paralisação total das aulas, o pedido unânime das famílias e da sociedade foi pelo ensino on-line em tempo integral.

Esqueceram-se, no entanto, de que as Escolas possuem tempo de roda de conversa, integração, interação, lazer, alimentação e trocas sociais, atividades importantíssimas e inseparáveis do processo educacional. Não compreenderam a transição que todos os estudantes tinham pela frente à época, e menosprezaram o processo, focando apenas na prestação de serviço.

Na medida que a presencialidade foi sendo retomada, exigiu-se que as Escolas colocassem barreiras físicas entre as crianças. Como se elas pudessem ficar em verdadeiras bolhas de acrílico, por meio de protocolos extremos, asfixiando toda e qualquer interação social. Coube aos gestores, então, adaptar protocolos e criar um meio-termo para que as Escolas pudessem voltar ao ritmo presencial, sem ferir as mínimas regras.

Diante de uma sociedade pós-pandêmica e recordista em consumo de telas no mundo, tem sido nítido, comprovadamente por estudos, que os limites da tolerância e da insensatez se manifestaram, afligindo também a Escola. Grupos de WhatsApp têm acelerado e antecipado posições ou julgamentos, em sua maioria, distorcidos. Quando não bem gerenciados pela Escola, mais atrapalham do que contribuem. Exigem da gestão uma comunicação infinitamente mais rápida para resolver problemas que tomam vultos desproporcionais em questão de uma noite de trocas de mensagens.

A velocidade da rede não é humana

Por último, mais recentemente e não menos importante, os ataques às escolas. Se não fossem os gestores em contato com especialistas em segurança, as Escolas teriam sido transformadas em gaiolas ou prisões de segurança máxima. Vigilantes armados no portão, detectores de metais aos monitores, armamento educacional, portas giratórias nas Escolas…

Estas foram algumas sugestões que poderiam destruir a Escola que ainda hoje é um dos ambientes mais seguros do mundo para os alunos. Lembremos: nesses ambientes muitas crianças encontram o porto seguro para confidenciarem situações de conflitos. Bullying, abusos, fome, desamparo, desrespeito, abalos emocionais, problemas reais em casa e diversas mazelas sociais que afetam os direitos da crianças serem crianças. Desde a entrada, a escola é um espaço feliz, um ambiente acolhedor, aberto à imaginação onde é possível extrapolar a criatividade, o desenvolvimento das maiores e mais relevantes habilidades socioemocionais da vida.

A Missão da Gestão
A ferramenta não se sobrepõe à pessoa. Respeito às crianças. Fundamental na missão da gestão. (Img Web)

Na verdade, este artigo visa encorajar os gestores a continuarem a ser artesãos de sua prática gerencial. Somente as evidências de um recorte temporal curto, mas intenso dos últimos períodos relatadas revelam a habilidade técnica e as habilidades artísticas dos gestores educacionais: são os guardiões das Escolas. Mais do que isso, as redes sociais e os recentes desafios demandam muita criatividade e arte para criarem novos arranjos e formas de colaboração.

Ora engajando-se com seus colaboradores em um propósito, no combate a rotatividade e ao possível “apagão de educadores”. Ou, com as famílias, desenvolvendo uma aliança forte e recíproca, saindo da tradicional parceria. Da mesma forma com os estudantes, acessando-os de verdade em seus anseios intelectuais e emocionais. Há muito a ser feito.

Caminho à frente

Deste modo, gestão é, sim, prática-técnica, não abre mão de eficácia, seriedade e alto desempenho. Mas, é arte, pois envolve a promoção  de novas habilidades, como energia do engajamento, intuição, criatividade, inovação, coragem e muita sensibilidade para que, pelo bem da humanidade, a Escola nunca deixe de ser Escola. Acredite, essa é a mais nobre missão da gestão educacional.

Haroldo Andriguetto Jr. – Diretor de Escola Básica – Mestre em Adm. – Doutor em Educação. Vice-presidente (SINEPE/PR)

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Redação

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