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Madam(n) – Lá de trás pra Frente

O músico e compositor mineiro teve vida curta. Mas, produtiva. Poderia ter sido muito mais, não fosse a condição social do país que destina espaço menor para a cultura popular, e reserva aos filhos das elites endinheiradas e aos espertos ‘gersonificados’ os melhores lugares.

Redação

São Paulo, 29/08/2024
3,8 Minutos.

Pedro Das Neves, como o chamávamos, Madam(n) – com ene mesmo – ganhou este palíndromo de um guru indiano, Osho que tinha um “escritório” ali no bairro de Higienópolis. Fui numas festas lá. Era fim dos 1980 e início dos 1990.

Éramos todos “músicos’. Alguns bem mais sérios do que outros, estudiosos, politicamente orientados, social e sinceramente interessados em ajudar na revolução. E, claro, como todo jovem adolescente, insolentes, orgulhosos, “vaidosos” e rebeldes. Além disso, pobres. Ninguém de família de posses. Na verdade, ninguém de origem burguesa, com sobrenome. Andávamos à pé!

Éramos poetas, cantores, jornalistas, andarilhos, judeus, ciganos, imigrantes, iscas de polícia, tudo o que as famílias de bem queriam distantes das suas filhas. Cabeludos, barbudos, fazedores de badulaques e traquitanas, pulseiras, brincos, artesanatos, feios… Mas, as meninas gostavam. Ficávamos com elas, de certa forma, satisfeitos e felizes. Ouvindo Rock de bandas famosas, Led Zeppelin, Deep Purple, Balck Sabbath, Jetro Tull, Santana, Jimy Hendrix, Yes, Pink Floyd, Gentle Giant, Kansas, Grand Funk, Zig Stardust , Focus, Nektar. Engraçado Beatles e Rolling Stones nem tanto. Só depois de algum tempo atentamos para eles. E para o Jazz, o Fusion, os grandes clássicos, o Funk, o Soul, o choro, o samba…

Tinha a ditadura, a polícia, as batidas, as ameaças, e uma impressionantes falta de dinheiro, de recursos. O que nos matinha era uma forte rede de solidariedade, apoio e quando alguém mais bem posicionado socialmente aparecia com seu risos fáceis, um pai diretor de banco, por exemplo, lá íamos nós pegar umas coisas que caiam da mesa. Jogar futebol, pebolim, vôlei, praias e montanhas…

Na época os professores eram vistos como amigos, heróis menores, mas ainda heróis que nos indicavam livros, filmes, rodas de conversa, e dicas de lugares onde boas festas, boas reuniões, saraus que nos traziam conhecimentos, novas amizades, desafios. Estávamos sempre em movimento.

Tínhamos pontos de encontro comuns: casas de cultura nos bairros, centro cultural, nas escolas públicas, Bixiga… Em frente, na rua ou na casa de amigos, lá onde ouvíamos discos, líamos trechos de livros, tocávamos músicas, compúnhamos e sonhávamos, assistíamos filmes na TV, shows de grandes bandas e músicos famosos. Geralmente na casa de quem tinha uma TV a cores (o que não era comum).

Madam(n) - Lá de trás pra Frente
Musicando Poetas -3 CDs de Madan dos anos 1980/1990

Madam(n) apareceu depois. Cantamos e tocamos juntos, várias vezes, em vários lugares. Mas, esses encontros eram assim mesmo! De repente, um bar, um show. “O cara da banda X me chamou pra tocar!” Pronto lá se foi um pro Tarancón, viagens, experiências… Na USP, cuja entrada e permanência eram desafios reais e cruéis para nossa classe social periférica, outro conseguiu emplacar uma vaga. Grupo de Canto a Canto, confrarias musicais, festivais globais, na base do talento, do esforço além das possibilidades…Aguenta! Acompanhei atento, no meu ritmo, toda aquela aventura. Vejo hoje onde todos chegaram que o que era é, ainda é. Dança parada!

Há 40 anos atrás naquela altura, já estávamos mais abrasileirados. Entendendo melhor a sonoridade da MPB e de nossa condição de sulamericanos, latinos, coloniais, explorados. Vamos à reação! Música é poesia, as duas podem ser protestos, podem e devem abrir a cabeça dos ouvintes, dos leitores, chamar a atenção das pessoas para a realidade. Madan, fazia isso!

Daí para se tornar comunista, socialista, maldito, inimigo das classes dominantes, bandido, execrável, dispensável é um pulo. Muitos preferiram tornar-se invisíveis, descer o rio. Outros esconder-se nas montanhas. Outros caíram nas drogas, muitos se salvaram, outros não. Acabam se tornando dependentes das drogas sintéticas, farmacêuticas, remédios, álcool… Ou capitalizam-se. Acha que a sociedade cuida?

Hoje, talvez, há um pouco mais de cuidados. Entretanto, isolados, cada um em seu celular, o mundo para os jovens parece ter-se reduzido bastante! Umas telinhas onde “tudo” acontece. Onde “tudo” é fácil. Uma nova droga, uma nova dependência. Mas, as distâncias continuam, até aumentaram, à despeito de todos os discursos. Quando todos pensaram que finalmente uma sociedade mais justa se avizinhava no horizonte, novas guerras, destruição da natureza, eventos climáticos e a pregação do fim do mundo sobem juntos na mesa e dão seu show.

Mas, o que isso tem a ver com Madam(n)? Mad man, que deu voz aos poetas, que quase chegou lá no pódium do sucesso , que compôs, que estudou, cantou e tocou para muitos… Eu respondo: nada e tudo a ver. Será que existiu, experimentamos ou vimos, realmente, alguma mudança nesta eternidade? Acho só na aparência…

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Redação

ÆscolaLegal é um esforço coletivo de profissionais interessados em resgatar princípios básicos da Educação e traduzir informações sobre o universo multi e transdisciplinar que a envolve, com foco crescente em Educação 4.0 e além, Tecnologia/Inovação, Sustentabilidade, Ciências e Cultura Sistêmica. Publisher: Volmer Silva do Rêgo - MTb16640-85 SP - ABI 2264/SP

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