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Formar Profissionais de Saúde no SUS

Trataremos aqui, embora de maneira ligeira, da formação inicial e permanente de profissionais de saúde, desta formação no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e, por fim, aproveitaremos este ensejo para fazer algumas incursões no contexto que a humanidade está vivendo nos dias atuais: a manifestação sinistra do COVID -19.

Eunice Almeida da Silva

São Paulo, 14/04 de2020.

3 Minutos

Primeiro convido você leitor a compreender a formação inicial do profissional de saúde: esta formação compreende um período escolar (técnico) ou universitário que abrange aulas teóricas, práticas e estágios (profissional de saúde nível técnico, por exemplo, técnico de enfermagem que se forma em Escolas Técnicas e profissional de saúde nível superior, por exemplo, enfermeiro, fisioterapeuta, dentre outros, que se formam em Universidades.)

Na minha vivência de 25 anos no exercício da docência ministrando aulas teóricas, práticas e supervisionando estágios, participei na formação de médicos, enfermeiros e atualmente participo na formação de obstetrizes. Paralelamente a esta vivência tenho desenvolvido projetos de pesquisas acadêmicas, principalmente, sobre a articulação da teoria e prática na formação inicial e permanente de profissionais da saúde.

O debate sobre o articulação da teoria e prática no campo da saúde é exaustivo há muitos anos. Considero uma temática muito difícil, pois geralmente, o que ensinamos na teoria (atividades teóricas desenvolvidas em sala de aula) e nas aulas práticas (desenvolvidas nos laboratórios), nem sempre convergem com as dinâmicas dos cenários onde ocorrem os estágios (Unidades Básicas de Saúde, hospitais, ambulatórios, etc).

Formação do Profissional de Saúde no SUS. (Foto: luis-melendez – unsplash.jpg)

Além disso, é uma temática que permeia todo o modo de gerenciar, assistir e cuidar nos serviços de saúde.  Compreendo, a partir de diversas leituras e reflexões, que a não convergência da teoria com a prática pode estar selada pelas próprias características dos serviços de saúde, que compreende: o estilo de gerenciamento, o modelo de assistência, a oferta dos serviços, a demanda por atendimento, as características da população atendida e o perfil dos profissionais.

Todas estas características são de certa forma, mostradas, expressadas, sentidas na rotina do atendimento em saúde.

SUS é referência Mundial no atendimento e tratamento da população.

Também podemos compreender que a desarticulação entre teoria e prática decorre, muitas vezes, do alto valor dado às intervenções que requerem em sua base o uso estrito da racionalidade técnica, são os procedimentos técnicos como passagem de cateter, injeções endovenosas, etc.

Uma de muitas questões centrais, que envolve a desarticulação entre teoria e prática na área da saúde é o contexto em que os profissionais de saúde trabalham. No campo hospitalar, geralmente, esses profissionais lidam diretamente com a fragilidade da vida e com a linha tênue que separa o viver do morrer. Por isto mesmo, as intervenções estritamente técnicas no campo hospitalar são muito mais frequentes, necessárias e valorizadas.

“…é o contexto em que os profissionais de saúde trabalham. No campo hospitalar, geralmente, esses profissionais lidam diretamente com a fragilidade da vida e com a linha tênue que separa o viver do morrer.

Este fato não justifica o agir de maneira mecânica exaltando tão e somente a expertise técnica, hiper valorizando-a em detrimento a outras formas de agir. A valorização da sensibilidade humana, da permissão a manifestações de sentimentos poderia estar combinada e, de certa maneira, equilibrada as intervenções técnicas.

Embora haja esforços por parte dos órgãos governamentais, das instituições de ensino, dos serviços de saúde, dos docentes e dos próprios estudantes e profissionais de saúde, para aproximar os preceitos teóricos das ações práticas, o atendimento à saúde, muitas vezes, é oferecido de maneira mecanizada.

No Brasil, uma grande parcela da formação dos profissionais de saúde (se não toda a formação) ocorre no Sistema Único de Saúde (SUS). Tanto a instituição de ensino pública, quanto a privada, utilizam o SUS para a realização de seus estágios curriculares. Isto é bom ou é ruim?

Não cabe a dicotomia aqui! Cabe, sim, pelo menos, uma de tantas reflexões: muitos, se não todos os profissionais de saúde formados no Brasil, certamente, utilizam os equipamentos de serviços do SUS para a formação na profissão de sua escolha. 

Este fato poderia ser um ponto de flexão, de curvatura entre a teoria e a prática. Pois, os estudantes durante a sua formação, geralmente, deixam emergir a naturalidade, a sensibilidade; ainda não estão tomados pelo deslumbre do saber- fazer- técnico e do peso dado a este saber- fazer em detrimento das ações de cunho mais sentimental. 

Privatizar o sistema faz parte do olho grande e do egoísmo de muitos

Durante a supervisão de estudantes nos estágios em campo hospitalar, presenciamos com frequência a diferença entre as práticas realizadas pelos estagiários das práticas realizadas pelos profissionais. Esta diferença envolve, substancialmente, a medida de submersão a dura rotina hospitalar que o profissional enfrenta.

Quanto mais submerso o profissional está na rotina, mais segurança expressa na realização dos procedimentos técnicos e, isto parece, muitas vezes, lhe outorgar à execução dos procedimentos de maneira fria.

Sendo os serviços que compõem o SUS a base da formação dos profissionais de saúde, o atendimento à população, especialmente dos estratos sociais mais baixos, deveria ser da mais alta qualidade, sensibilidade e politicamente crítico frente às desigualdades sociais, uma vez que todas as ações em saúde são de todas as maneiras, práticas sociais.

Nos momentos que antecederam os atuais, presenciamos uma série de ataques ao SUS, à ciência e a pesquisa. Ressaltamos que a ciência e a pesquisa justificam as atividades técnico-científicas, desenvolvidas pelos profissionais neste Sistema. Presenciamos também a ascensão de partidos de extrema direita em diversos países, como Hungria, Polônia, Estados Unidos da América, Itália, Brasil, dentre outros.

No Brasil, em 2019, alguns estudiosos avaliaram os ataques dirigidos ao SUS sob várias perspectivas. Uma delas diz respeito ao sub financiamento, ou seja, ínfimo aporte financeiro destinado pelo governo à manutenção do Sistema Único de Saúde.  

Proteger o sistema

Ora, 70% da população brasileira utilizam o SUS para atendimento à saúde e, como dito, anteriormente, todas as instituições de ensino que possuem cursos da área da saúde realizam estágios de seus estudantes nos serviços de saúde que compõem o SUS. Pode-se compreender que a tentativa de desmonte do SUS seria no mínimo em dupla mão: um atentado tanto para o atendimento da população, quanto para o atendimento das instituições de ensino no que diz respeito a formar profissionais.

Mesmo sob a ameaça de desmonte os serviços oferecidos pelo SUS continuam a expandir-se com força para atender o grande número de hipertensos, diabéticos, gestantes e outros. Esta expansão pode ser demonstrada pelas garras dos próprios profissionais que trabalham na Atenção Primária à Saúde.

Esses estão direta e cotidianamente em contato com a população, e geralmente conhecem as pessoas pelo seu nome e fazem visita domiciliar por meio do Programa Estratégia Saúde da Família. Diferentemente da rotina hospitalar, na Atenção Primária à Saúde o vínculo entre profissional e a pessoa assistida (paciente) se faz de maneira mais estreita e com maior duração.

Formação do Profissional de Saúde e SUSCovidd-19.
Formação do Profissional de Saúde no SUS e o combate ao Covidd-19.
(Foto: Unisalesiano)
Um sistema de saúde universal

Experiências mostram que na Atenção Primária à Saúde os preceitos teóricos debatidos em sala de aula com os estudantes, convergem de maneira mais harmônica com as ações realizadas nas Unidades Básicas de Saúde. Isto poderia justificar a expansão das ações em saúde mesmo com a tentativa de desmonte do SUS.

Se anteriormente a 2019 a tentativa era de sucateamento do SUS, em 2019 com um governo que tem traços acentuados de extrema direita, o eco produzido foi de derrocada do SUS e, consequentemente, do surgimento de vários estabelecimentos  precários de planos de saúde privados, com promessas de preço popular e slogans (falseados) inspirados nos princípios do SUS.

Universalidade, integralidade e equidade.

Universalidade: saúde como direito de todos; integralidade: diz respeito ao atendimento integral à saúde, considerando as necessidades singulares de cada pessoa; equidade: diz respeito ao atendimento à saúde de maneira equitativa, ou seja, atendimento a todas as pessoas em todos os lugares.  

O atual 2020! De maneira repentina, o aparecimento do vírus COVID-19 nos diferentes países que compõem o planeta Terra está desnudando a fragilidade humana e indicando o benefício de um pensar-fazer saúde coletivo, para além das práticas individuais, de quem pode ou não pagar pelo bem maior que o ser humano tem na vida: a saúde! 

Por todo o planeta estamos presenciando o valor de um Sistema Público de Saúde, que ampare todas as pessoas neste momento difícil de franca pandemia.  Agora a teoria e a prática parece se unirem a força, porque o que está em jogo são todas as pessoas, de diferentes etnias, práticas religiosas, ricos, gêneros, pobres, miseráveis, empresários, políticos…

Frente ao combate do COVID-19 presenciamos também o reerguer dos princípios científicos, como um bem doado ao intelecto humano. Além disto, parece que está havendo, por parte dos profissionais de saúde, de maneira geral, uma tentativa de misturar o fazer técnico científico com a sensibilidade manifestada pela compaixão pelo OUTRO/OUTRA. Afinal, o OUTRO/OUTRA é cada um de nós!

Profª. Dra. Eunice Almeida da SilvaMestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP).  
Pós-doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

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