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Arte Perspectiva Pedagógica Sócio-construtivista

Vamos falar de desenho? Não daquele dos grandes artistas que vão de Michelangelo, Picasso, Tarsila ou um outro que você se recorda. Vamos falar da produção e do ensino de desenho nas escolas, e você já deve estar questionando o por quê e qual a importância desse assunto para a educação.

Simone Garcia

São Paulo,  20/03 de 2020.

3 Minutos

Para começar, vamos recordar: como foram as suas aulas de Arte? Como foram as atividades de desenho? Provavelmente não se lembrará do nome dos seus professores de Arte e ainda, recordará das atividades como desenho livre, “desenhe suas férias” e das garatujas.

Que você não tinha, ou até tinha talento para desenhar, mas que era uma atividade sem importância para se dedicar a ela ou foi encarada como um passatempo na infância.

É necessário discutir esses conceitos que estão enraizados na escola e na nossa cultura. Ainda hoje acreditam que é primordial ter talento para desenhar e que o ensino do desenho não passa de momentos livres de expressão, sem necessitar de uma proposta ou procedimento para seu desenvolvimento.

Por isso, esse texto tem a proposta de quebrar esses preconceitos, ou pelo menos, instigá-lo a buscar conhecer as novas teorias e práticas no que diz respeito ao ensino do desenho na escola. Será um resumo dos meus relatos de práticas de 2010 a 2017, anos em que estive na sala de aula, como arte educadora da Rede Municipal de Educação da Cidade de São Paulo.

E de 2018 a 2019, como formadora de professores, no cargo de coordenadora do polo UAB/UniCEU. Não há a pretensão de instruir e passar métodos de ensino do desenho, muito menos de oferecer receitas, a intenção é dividir, compartilhar, criar debates sobre esse assunto que ainda parece como “tabu” para os professores.

Para falar de desenho é necessário compreender o processo da legitimação do ensino de Arte. Somente em 1996 ela passou a ser obrigatória como disciplina nas escolas, deixando de ser, mais uma atividade como prescrevia a LDB 4691.

Antes disso, se ensinava nas aulas de Educação Artística: corte e costura, tricô, decoração e etc – e essas aulas destinava-se ao público feminino. Mesmo após a conquista, o ensino de Arte ainda é visto por algumas gestões escolares como decoração de festas temáticas, passatempo, atividade de relaxamento após as aulas “mais pesadas”.

Nesse caldeirão de más opções, o desenho é visto como entretenimento: “quem acabou a prova pode desenhar um pouco”, “hoje na última aula poderão desenhar” ou ainda como se escuta “tô muito cansado para planejar uma atividade, darei desenho livre.”

Após essa breve contextualização, vamos pensar agora, na evolução do currículo da Rede Municipal de Educação da cidade de São Paulo. Desde 2009, ele passou por vários estágios até chegar em 2017 no Currículo da Cidade. O que importa é entender que o currículo é flexível, modular, adaptável, a realidade do aluno e da comunidade são levados em conta nos planejamentos pedagógicos.

Esta inserido no conceito da Educação Integral que não é a escola em tempo integral, mas, se refere no aluno como um ser humano complexo, com direitos de aprendizagem, inserido na sociedade e que possui várias inteligências. Dessa forma, o currículo faz parte das propostas interacionistas e sócio construtivistas, enxergando no aluno, o criador da própria aprendizagem.

Ao compreender essas propostas, ensinar desenho não pode continuar sendo nos moldes da educação tradicional. Prefiro propor o “Desenvolvimento do Desenho Cultivado”, que logo será explicado. E as propostas para o ensino de arte no Currículo da Cidade, são transformadoras, interdisciplinares, com conteúdos e saberes próprios, dialoga com as necessidades da sociedade contemporânea: Arte-Ensino-Sociedade.

A Arte produz conhecimento através de cinco áreas: Artes Visuais, Artes Cênicas, Dança, Música e Literatura – cada uma delas utiliza suas linguagens, elementos, instrumentos próprios, os quais podem se unir para desenvolver uma nova produção artística, o qual chamamos de Linguagens Híbridas.

Arte Perspectiva Pedagógica Sócio-construtivista
                                                         Arte – desenho feito com software  (Img. da Redação)
                                                      

Compreendendo isso, por que a Arte ainda é ensinada de forma tão rudimentar e ultrapassada? Analisando essas mudanças também temos algumas respostas para esse problema: má formação de professores, a falta de formação continuada e específica, a falta de especialistas para cada área, falta de professores de Arte já que muitos são artistas e “fogem” da carreira no magistério, entre outros.

Como um professor do Ensino Fundamental I, pedagogo ou de Arte que não possui uma formação específica em artes visuais e muito menos em desenho, poderá desenvolver atividades enriquecedoras e questionadoras? Se nem ao menos há uma formação contínua à eles? Como um especialista poderá desenvolver Arte para as séries iniciais com uma aula semanal? Sendo que é nessa idade que inicia o desenvolvimento criador e artístico.

São diversos problemas que de forma geral, o Brasil enfrenta quando o assunto é a Educação, os apontados são vistos in loco nas escolas públicas e algumas particulares da cidade de São Paulo na região noroeste.

E o resultado são crianças sem estímulo, auto estima para as aulas de arte, sem uma visão e conhecimento sobre a cultura brasileira, sem criatividade, critérios de análise artística e cultural e sem conhecimento básico sobre Arte em geral. Prevalece o preconceito entre os alunos e professores: para ser “bom nas artes é necessário ter talento e saber usar as mãos para produzir coisas bonitas, danças com passos codificados e decorados, tocar um instrumento…” e por aí vai.

São poucos os professores que desenvolvem atividades com fluição de saberes, o que é visto, são trabalhos individuais e pontuais em algumas escolas independente da gestão escolar. Dentro desse cenário, focaremos nesse momento no ensino do desenho.

Ao pensar na linguagem, sabe-se que é uma das mais antigas do mundo. Antes da fala, os homens da Pré-Escrita se comunicavam através de gestos, do corpo e do desenho. As pinturas nas cavernas, principalmente as de Altamira na Espanha e Lascaux na França, são muito mais que mãos espalmadas e desenhos rupestres.

Nelas sabe-se do desenvolvimento de instrumentos e materiais pictóricos, da relação ritualística entre o Homem, a Representação e os espaços da caverna. Nada foi por acaso, houve um aprimoramento, desenvolvimento das técnicas e há hipótese que até a figura do “artista” foi criada naquele período.

O desenho é uma linguagem que ultrapassou séculos e atravessa tempos históricos, fazendo-nos pensar e talvez concluir, que o homem sempre desenhou, consequentemente as crianças também apesar de não existirem registros. Longe de ser rabiscos ou passatempos, o desenho da criança merece ser estudado, e valeremos da professora doutora Rosa Iavelberg, quem pesquisou e criou métodos para o desenvolvimento do desenho cultivado.

O desenho cultivado substitui o desenho espontâneo da escola renovada. Ele é influenciado pela cultura, “mantém seu epicentro na criança, sujeito criador informado, que produz como protagonista de seus desenhos” (IAVELBERG, 2006, p. 12). Precisa entender a dinâmica do ato de desenhar por ser uma ação criativa.

O desenho nessa ação é criativo, um objeto simbólico e cultural, expressivo, construtivo, individualizado e influenciado pela cultura. E ainda, de acordo com Rosa (2006), é possível ensinar a desenhar para todas as pessoas, desde que tenham uma orientação didática adequada.

Para haver o desenvolvimento de forma integral, precisa entender e compreender as fases cognitivas da criança, os contextos educativos e sociais, respeitando os processos de cada fase: tanto para estimular e não deixar estagnar. “A aprendizagem, portanto, afeta o desenvolvimento do desenho e é orientada por conteúdos de diferentes âmbitos (cognitivo, físico, afetivo) que se articulam desde os desenhos pré-simbólicos iniciais.” (IAVELBERG, 2006, p. 12).

O desenho faz parte do caminho simbólico de cada indivíduo, faz parte da poética e marca pessoal, inserindo numa diversidade cultural. Por isso é importante aceitar as diferenças, ensinar a diversidade, não moldando e enquadrando em estilos porque assim, cumpre também com os propósitos da educação integral por ser didáticas inclusivas e democráticas.

Vamos pensar no desenho na sala de aula? De fato, o desenho é uma linguagem que se transforma, se desenvolve a partir da integração da cognição, ação, imaginação, percepção e sensibilidade. Através dele, os professores podem usufruir de meios para outras áreas do conhecimento. Para isso, tem alguns procedimentos necessários para o ensino, os quais serão expostos.

Vamos pensar e apresentar em propostas de aula viáveis e adaptáveis para a realidade escolar, seja ela qual for. E delas, o desejo é que se criam muitas outras, porque o conhecimento é vivo e se transforma.

Primeiro, todas as propostas estão fundamentadas na proposta triangular de Ana Mae Barbosa, onde a arte é ensinada através de três eixos que dialogam entre si: o fazer, o contextualizar e o apreciar. Seguindo essa abordagem, o desenho cultivado também será desenvolvido, muitas vezes em um contexto histórico.

Mas independente de um tema, é importante que haja muita apreciação de imagens, obras, fotografias, mídias, filmes entre outros, para que a criança crie um repertório próprio e significativo, fugindo dos desenhos estereotipados.

Há bloqueios criativos e estagnação da prática no momento me que as crianças “são expostas a um excesso de imagens visuais pela mídia, sem trabalho orientador de leitura e desenvolvimento de percurso de criação pessoal.” (IAVELBERG, 2006, p. 57). É importante respeitar o repertório trazido pelo aluno, utilizá-lo, dialogar porém não aceitá-lo sem questionamento:

Partir e/ou considerar o repertório de obras e conceitos que os estudantes trazem não
significa perpetuar incondicionalmente qualquer tipo de produção e repertório –
isso não seria dialógico. Ao professor cabe convidar o estudante a repensar, refazer,
refletir, retomar sua produção e repertório e abrir as possibilidades de diálogo a partir
de outros referenciais e leituras (…). (MARQUES, BRAZIL, 2014, p. 122).

O desenho cultivado se transforma, é influenciado, é produto da cultura em que o aluno está inserido. Então, serão apresentadas as fases estipuladas por Rosa Iavelberg:

1 – Ação: os desenhos são pré-simbólicos e progressivamente se tornam símbolos. É a fase da AÇÃO, porque para a criança, desenhar é rabiscar, explorar movimentos, planos, agir numa superfície. Ela produz para ser visto, o ato criador é o gesto que aos poucos é coordenado com o olhar e com o corpo todo.

2 – Imaginação I: esses traços progressivamente se transformam em símbolos: casa, bola, sóis etc. Para a criança, desenhar é representar os objetos visíveis, e são feitos de forma separada, desarticulada e justaposta. É a fase da IMAGINAÇÃO

1. 3 – Imaginação II: é o momento do desenho dialogar e representar narrativas. O desenho torna-se imagem narrativa, e nele há uma história. É a fase IMAGINAÇÃO II, a criança desenha o que quiser, imaginar, objetos reais e irreais.

4 – Apropriação: é quando a criança deseja e se apropria do simbolismo externo e social, nesse momento a mediação didática na escola ou em outros espaços é muito importante. São necessárias práticas específicas e guiadas para não bloquear a criatividade e estimular uma produção consciente influenciada por uma estética instigante.

Normalmente é a fase das crianças do ensino fundamental, e elas são bombardeadas por padrões adultos. Para que o desenvolvimento do desenho cultivado continue, é necessário extinguir abordagens da livre expressão, refletir e praticar técnicas como formas de pensar e habilidades.

5 – Proposição: é a apropriação do desenho como linguagem expressiva, funcional e cultural, e a criança se enxergar como um produtor cultural. Há três exemplos de ações que auxiliam no desenvolvimento do desenho cultivado: desenhar com frequência e muito; observar os desenhos de outros alunos e de artistas; exercícios com desenho de imaginação, memória e de observação (outros desenhos e do mundo físico).

Partindo dessas dinâmicas e conceitos será exposta uma prática e os resultados das aulas, que são produções dos alunos. Elas partem do princípio em desenvolver elementos gráficos e de composição do desenho, só que fugindo da proposta teórica e tradicional das aulas de Arte.

A proposta é oferecer ao aluno uma folha com apenas 4 pontos pretos. Deve orientá-lo a criar algo com a linha utilizando, ligando os 4 pontos, podendo se quiser, desenhar um cenário ou somente pintar o fundo. Pode também apresentar apenas linhas ou mesclar os dois elementos.

O assunto é amplo e oferece diversas reflexões, longe de finalizar ou concluir, a ideia é discutir e repensar no desenho da criança e no seu ensino. A compreensão do desenho cultivado só oferece maior repertório e ações para os professores na aplicação de propostas artísticas.

Com orientações corretas, vê-se que é possível que todos consigam dominar o ato de desenhar. Dessa forma, cabe a escola, aos professores e pais, o desenvolvimento integral do desenho cultivado, sempre dialogando e interagindo com a cultura e sua diversidade.

Simone Garcia – Doutora no Instituto de Artes da UNESP – SP

Referências Bibliográficas

BIRCH, Helen. Desenhar: truques, técnicas e recursos para a inspiração visual. S.Paulo: Gustavo Gili, 2015.

DEWEY, John. Arte como Experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

GOMPERTZ, W. Pense como um artista… e tenha uma vida mais criativa e produtiva. Zahar, Rio de Janeiro: 2015.

IAVELBERG, R. O desenho Cultivado da Criança. 1 ed. São Paulo: Zouk, 2006.

JENNE, Peter. Como desenhar de forma errada. 1ª ed. – São Paulo: Gustavo Gilli, 2014.

Um olhar criativo. 1ª ed. – São Paulo: Gustavo Gilli, 2015. SÃO PAULO (SP). Secretaria municipal de educação.

Currículo da Cidade: ensino fundamental componente curricular: Arte. São Paulo: SME, 2017, p.10 – 26, p. 63-71.

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Redação

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