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O Capital Suicida

Prefácio do livro O capital suicida do Professor Dr. em Economia Flavio Tayra, de 2109 escrito por Clóvis Cavalcanti Presidente da International Society for Ecological Economics (ISEE)

Clóvis Cavalcanti

São Paulo, 14/11 de 2020.

2 Minutos

Este livro que tenho a honra e o prazer de prefaciar, do economista Flávio Tayra, remete a preocupações que os economistas ecológicos alimentam, em face dos rumos insustentáveis da sociedade em que vivemos.

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Não vou apresentar nem resumir o que o professor Tayra, de maneira tão apropriada e profunda, escreveu nas páginas que se seguem. A descoberta tem que ser do leitor, especialmente daquele para quem o título da obra chama a atenção.

O que o livro propõe está dito, de certo modo, em seu subtítulo, “Racionalidade ambiental: autointeresse e cooperação no século XXI”. Na verdade, o modelo da economia ecológica que imagino, e que foi desenhado por Herman Daly em seu ensaio introdutório do livro que organizou em 1980, Economics, Ecology, Ethics: Essays Toward a Steady-State Economy (New York e San Francisco: W.H. Freeman and Company, 1980, p. 1-37), guarda relação muito estreita com o que o autor deste livro concebe.

Uma coisa que chama a atenção, paralelamente, para o economista ecológico, e que me parece reforçar o caráter suicida da economia do século XXI aqui retratado, refere-se ao papel do dinheiro na sociedade. O respeitado cientista britânico Frederick Soddy (1877-1956), vencedor do Nobel de Química de 1921, apesar de formado nas ciências exatas, aventurou-se numa visão crítica do modelo de sistema econômico dos economistas.

Fez isso em quatro livros, um dos quais, de 1926, com o sugestivo título de Wealth, Virtual Wealth and Debt (riqueza, riqueza virtual e dívida). Nele, propõe uma ciência econômica com raízes na física, em particular nas duras Leis da Termodinâmica. É usual a imagem do sistema econômico com um mecanismo.

Contudo, raros economistas seguem essa metáfora até suas conclusões lógicas finais, como a de que, igual a qualquer máquina, a economia deve retirar energia de seu exterior, o meio ambiente. A primeira e a segunda leis da Termodinâmica proíbem aquilo que se conhece como moto perpétuo, situações em que máquinas criariam energia do nada ou a reciclariam infinitas vezes.

Mitos e erros de interpretação grosseiros

Na verdade, como sistema isolado, sem entorno, o modelo de economia dos economistas, na percepção física, pareceria capaz de gerar riqueza ilimitadamente.

Acontece que a riqueza real, essa que se apalpa (instalações, objetos, bens de consumo, etc.) possui natureza concreta. Já ativos financeiros (dinheiro, ações, derivativos, títulos), a riqueza virtual, constituem abstrações. E são tais abstrações cujo crescimento não respeita limites, o que foi muito bem destacado neste livro.

Papeis financeiros – e a ilusão dos números

A moeda (dólar, real, euro) e tudo aquilo que contém significado apenas por sua expressão em dinheiro (títulos de todo tipo) são símbolos que representam um direito do portador a certa forma de riqueza.

A dívida, por sua parte, significa um direito do credor que depende da capacidade da economia de produzir riqueza no futuro, capacidade essa que dá ao portador do título a segurança de que seu direito será realizado.

“A paixão dominante atual”, falava Soddy, “é converter riqueza em dívida”, no sentido de que o credor se livra de uma coisa que pode se destruir (o bem físico) em troca de outra que é a garantia de que determinada quantia lhe será paga adiante.

A moeda entra então para facilitar as transações. Os problemas vão surgir quando a riqueza e a dívida não são mantidas dentro de relação adequada.

Que é exatamente o que acontece no mundo atual, haja vista que os ativos financeiros globais representam quase 20 vezes mais do que a economia referente a coisas concretas do planeta (há 90 anos, a economia real era maior). Atualmente, há um giro financeiro diário no mundo (papéis trocados por papéis) de mais de 5 trilhões de dólares.

Um sistema sem sentido

Se todos os credores de dívidas quisessem convertê-las em coisas físicas, estouraria um colapso monetário global: a moeda, em cada país, viraria pó. Assustador, um tsunami. Porém, uma realidade possível. Economia suicida.

A questão é que a economia de produção e consumo de coisas não pode crescer com a velocidade que se determinar. Segundo Soddy – e muita gente que já assimilou seus ensinamentos rigorosos, como os economistas ecológicos e a encíclica papal Laudato Si’ –, “não faz sentido contrapor permanentemente uma convenção humana absurda, como é o caso do espontâneo crescimento da dívida [juros compostos], à lei natural do espontâneo decrescimento da riqueza [entropia; Segunda Lei da Termodinâmica]”.

De fato, o montante de riqueza que uma economia pode gerar é limitado tanto pelo montante de energia de baixa entropia que ela pode retirar de seu meio ambiente quanto pelo montante de efluentes de alta entropia da economia que o ambiente é capaz de absorver.

A dívida em dinheiro, sendo algo imaginário, uma convenção no papel, não está sujeita a tais limites naturais. Pode-se expandir de forma ilimitada. Não se trata de exagero ou pessimismo afirmar, por outro lado, que existe apreensão nos círculos das ciências exatas e da natureza, um pouco menos no campo das sociais, quanto aos colapsos que nossa sociedade planetária pode experimentar em período não distante.

O assunto figura nas preocupações do Papa Francisco, cuja encíclica Laudato Si’, de maio de 2015, o aborda. Lê-se nela, por exemplo, que “Toda a pretensão de cuidar e melhorar o mundo requer mudanças profundas nos estilos de vida, nos modelos de produção e de consumo, nas estruturas consolidadas de poder, que hoje regem as sociedades”.

O cuidado com a casa comum

Isso, porque “parece notar-se sintomas dum ponto de ruptura, por causa da alta velocidade das mudanças e da degradação, que se manifestam tanto em catástrofes naturais regionais como em crises sociais ou mesmo financeiras […] Há regiões que já se encontram particularmente em risco e, prescindindo de qualquer previsão catastrófica, o certo é que o atual sistema mundial é insustentável a partir de vários pontos de vista, porque deixamos de pensar nas finalidades da ação humana”.

Ora, qualquer esforço que se faça – e é o caso de Flávio Tayra aqui – para desvendar uma realidade humana que assusta por seus traços de insustentabilidade, merece ser examinado e considerado com a devida atenção. Daí o motivo pelo qual me sinto muito à vontade para recomendar a leitura atenta deste O Capital Suicida.

Clóvis CavalcantiPresidente da International Society for Ecological Economics (ISEE)

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Redação

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