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Big Bands nos CÉUs

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Educação Musical – um forte acréscimo cognitivo

Pra quem não sabe, Big Band é um tipo de conjunto musical que foi criado pelo jazz naquela que veio a ser conhecida como a Era do swing, período histórico que compreende mais ou menos a década de 1930 nos EUA.
Uma Big Band envolve os naipes de saxofones, metais (trompetes e trombones) e a chamada cozinha, mais especificamente seção rítmico – harmônica (piano, baixo, bateria e guitarra).

Muito embora norte-americana, sua presença no Brasil não tardaria a aparecer. Porém, sua primeira denominação não foi usada em língua inglesa, e por aqui foi simplesmente chamada de Orquestra.
Uma das Big Bands mais importantes do Brasil foi a Orquestra Tabajara, cuja a fundação remonta à 1938.

Nesse ponto há uma curiosidade, talvez um traço característico de nossa cultura: embora a Tabajara seguisse quase a rigor a formação americana, inclusive com a figura do Band Leader (neste caso, Severino Araújo), seu repertório era bastante brasileiro.

Vale lembrar que as primeiras gravações da orquestra traziam os clássicos ‘Espinha de Bacalhau’, um choro do próprio Severino e, possivelmente, a primeira gravação de ‘Vassourinhas’, o frevo mais conhecido do Brasil.

Assim, quando as gravações musicais no Brasil se expandem, com o surgimento dos Long Plays e, ao mesmo tempo, com a expansão dos programas de rádio brasileiros, através da Rádio Nacional, percebe-se que o formato Orquestra (Big Band ) teve lugar permanente como tipo de entretenimento.

É interessante comparar, por exemplo, com o caso argentino que em seu principal gênero de música popular teve nas orquestras típicas seu principal veículo, normalmente formada por bandoneon e cordas arcadas (violinos, violas, violoncelos e contrabaixos) fazendo que que as Big Bands se dedicassem exclusivamente ao jazz.

Portanto, somente em um período mais recente que o termo Big Band se firmou, possivelmente por tentar trazer mais precisão e, de certa forma, se ligar a apreciação da música instrumental pura, com muito espaço para improvisação (um traço característico do jazz) e se desvincular dos bailes pois, afinal, muitas dessa orquestras trabalhavam como bandas de baile.

É por isso que modernamente as Bandas Mantiqueira, Spock Frevo Orquestra, Sound Scape, Na Gaveta, e muitas outras se autodenominam por Big Bands.

No Brasil, de uma forma geral, parece que alguns avanços ocorreram em governos progressistas e depois, à duras penas, se mantêm como espaço para políticas culturais destinadas à população mais vulnerável ou para a produção acadêmico-científica.

Os exemplos dos CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública), e dos CEUs (Centro de Educação Unificadas), e da expansão das universidades federais que, alguns casos ocorreram em estados que sequer tinham tais universidades e, por outro, tinha propostas estratégicas como a da UNILA, das Universidades Rurais, etc.

O que pareceu singular no primeiro projeto, idealizada pelo ex-docente da USP Henrique Autran Dourado, então diretor da Escola Municipal de Música de SP, de Educação Musical para os CÉUs, em sua primeira gestão, foi a presença das Big Bands, ou seja, dessa formação singular dentro de tais unidades que, como se sabe, se localizam em regiões afastadas do centro da cidade, e tem por objetivo atender como forma de educação complementar para a população dessas regiões a promoção de espaços e eventos de cultura, esporte e lazer.

Percebe-se, nesse movimento que o primeiro espaço educacional em termos de política públicas para a formação musical, do ponto de vista da música popular, se dá de uma forma enviesada tendo na Big Band uma espécie de paralelo popular da Orquestra Sinfônica na música clássica.

Esse pensamento traz no seu bojo o fato de que o agente que legitima a música popular foi, em primeiro lugar, o músico de formação clássica. Desse modo a sua visão se dá a partir de um tipo de música que se legitimou na história pela originalidade e singularidade mas, também se colocou como um código misto entre a cultura música escrita e oral.

Parece que o que o idealizador tinha em mente era o modelo de conservatórios norte-americanos onde há departamentos de jazz ao lado dos clássicos. Tais paradigmas, é bem verdade, não deixaram de estar no horizonte do primeiro curso superior de música popular da América Latina, o da UNICAMP. Entretanto, as primeiras turmas desse curso já começaram a discutir e se polarizar entre “brazucas” e jazzistas.

Por outro lado não existe no Brasil algo sistemático no sentido de um material pedagógico para as Big Bands como nos EUA, até porque lá as Big Bands fazem parte do ensino médio, trazendo uma demanda enorme de publicações para a formação por nível de dificuldade.


O que se nota é, também, a valorização do conhecimento da leitura musical como uma espécie de capital cultural. Ou seja, a música popular que se permite é aquela minimamente vinculada com a escrita o que, de fato, o universo das Big Bands traz, ainda que, aliada à improvisação e a convenções de acompanhamento como as cifras de violão também usadas para o piano.

De outra maneira, acredito que a aquisição do domínio da leitura e escrita musical ocidental não deixa de trazer um enorme acréscimo cognitivo, não necessariamente àqueles dotados de muito talento mas, exatamente, àqueles com maiores dificuldades na intuição.

A racionalização de padrões de execução, aliado às convenções de estilos musicais parece ser a grande contribuição ao fazer musical dos seres humanos “normais”. Talvez até por isso o entendimento racional possa até banalizar o fato quando passa de misterioso para ser classificado e, ao mesmo tempo, usado como critério de valor como se a música escrita tivesse maior valor do que a intuitiva.

No Brasil é fato que as bandas militares e civis preenchiam esse lugar e as Big Bands, então, já no contexto do século XIX trariam uma prática mais atual.

O fato é que, findada a gestão progressista, a Big Band apareceu de outras formas como nas escolas superiores de música e nos projetos Guri e Guri Santa Marcelina. Nesses casos, já não se trata de uma Big Band em cada polo (que reúne os CÉUs e outras unidades) mas, sim, de uma Big Band central na qual alguns alunos seletos dos diferentes polos se juntam para realizar a temporada.

Além disso, houve a sensibilidade de que somente essa formação não faria jus a uma realidade complexa como a da música popular e houve também espaço, no caso do Guri Santa Marcelina, para um grupo de Choro, dentro de uma perspectiva instrumental mais aberta, sem um instrumental fixo, ainda que o gênero possa ter criado a formação do chamado Regional.

Aparentemente, se pensarmos no contexto sóciocultural onde muitos polos se inserem, constata-se um abismo entre o que se propõe e a realidade instaurada. Claro que, de certa forma, o que se pretende é transformar essa realidade, e escutar as comunidades é fundamental.

Um dado, para ilustrar, é que o samba e o choro há muito deixaram de ser gêneros ligados às comunidades da periferia, o que era característico do Rio de Janeiro na primeira metade do século XX, mas sofreu uma espécie de ‘restrição territorial’ e passou a ser cultuado em guetos musicais mais específicos, ao mesmo tempo em que foi sendo substituídos por outras manifestações de cultura de massa.

Paulo Tiné – Dr. Profº Musicólogo – UNICAMP | Trabalha com Big Bands há quase 30 anos. | Para ouvir: Espinha de Bacalhau de Severino de Araújo .

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Redação

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