CiênciasConteúdosDestaquesEducaçãoLiteraturaNacionalSociedade

Diário Íntimo – Traços e Destroços.

O Diário Íntimo do escritor Lima Barreto apresenta uma narrativa não só das condições do autor, precursor do Modernismo da Semana de Arte Moderna de 1922, mas avança muito além de suas internações por problemas de alcoolismo e depressão, ao descrever a crueldade aliada à ignorância no tratamento das pessoas consideradas loucas em um país racista e preconceituoso.

Redação

São Paulo, 17/05 de 2021.

1 Minuto

O “diário” é um caderno que contém narrativas manuscritas, geralmente, com um caráter público ou privado e, no qual, apresenta relatos diários e datados das experiências profissionais e de trabalhos (de obras, cadernetas de campos, etc.) ou pessoais, realizados por sujeitos históricos, de determinados grupos sociais letrados.

Como um tipo de escrita de si e confessional, e com um caráter “autobiográfico”, o “diário”, somente alcançou seu auge no final do século XVIII e início do século XIX, entre os religiosos, escritores, artistas, engenheiros e, sobretudo, nos lares das famílias burguesas da época.

O “Diário Íntimo” (1903-1921) de Lima Barreto teve sua primeira edição, postumamente, publicada em 1953, através da editora Mérito e depois foi reeditada pela editora Brasiliense em 1956.

Afonso Henriques de Lima Barreto foi um escritor e jornalista que viveu entre os anos de 1881 a 1922, na cidade do Rio de Janeiro. Dentre seus escritos estão os relatos pessoais com marcações temporais cronológicas e com uma narrativa não linear que fugia aos padrões e formatos dos diários da época.

Diário Íntimo – Traços e Destroços. Hospital Nacional de Alienados do Rio de Janeiro.
(Fotos do IPUB – Site)

Francisco de Assis Barbosa, um dos biógrafos de Lima Barreto, vinte anos depois da morte do escritor, encontrou e organizou diversos papéis, com suas anotações íntimas e pessoais que entre os temas estavam a loucura e a situação precária do negro na Primeira República.

Essa é uma fonte singular e importante para os estudos históricos sobre a saúde e as doenças no Brasil, no começo do século XX. Em suas narrativas organizadas, posteriormente, neste diário, Lima Barreto, mostrou temáticas como: a cidade, a política, a literatura e as preocupações sociais e raciais da época.

Também nessa obra os leitores e pesquisadores irão se deparar com relatos sobre o fenômeno da loucura, dos doentes, dos funcionários do hospício e dos fatos cotidianos narrados, por Lima Barreto, sobre suas vivências no Hospital Nacional de Alienados do Rio de Janeiro, a partir de 1914, durante as várias internações que sofreu em decorrência do alcoolismo e das crises contínuas de depressões.

Neste contexto, retomamos um pouco do que foi produzido no campo da História da Loucura no Brasil. A institucionalização da loucura é pensada no país a partir do processo de inauguração do Hospício de Pedro II, localizado na então capital, o Rio de Janeiro, no ano de 1852. O hospital psiquiátrico surge dos anseios de uma elite letrada em atender aos sujeitos ditos loucos, que ocupavam selas e leitos precários entre cadeias públicas e Santas Casas de Misericórdia.

Loucos com dinheiro, pobres encarcerados e alienados.

No entanto, mesmo após a inauguração do referido hospital, a situação da loucura permaneceu ligadas as superlotações, as reinternações e as denúncias das condições precárias dessas instituições. Inicialmente o HPII era vinculado a Santa Casa, e possuía uma forte influência das religiosas, fator que influenciou em disputas por poder com o saber médico. No entanto, é importante destacar que a psiquiatria neste período estava em processo de formação no contexto nacional.

A partir da Proclamação da República no Brasil, o Hospício de Pedro II, passou a ser administrado pelo Estado e nomeado de Hospital dos Alienados. Em finais do século XIX e início do século XX, foi também o período de expansão dos Hospitais Psiquiátricos Públicos para as demais capitais brasileiras.

Assim, é importante enfatizar também que eram os internos nestes hospitais, em sua maioria, pessoas que destoavam da norma, possuindo ainda maiores números de acordo com os marcadores de classe e raça. Destaca-se também que, a arquitetura dos hospitais psiquiátricos, era dividida em alas femininas e masculinas, como também em alas de pensionistas e não-pagantes, possuindo assim diferenciações nos tratamentos e na rotina institucional.

A História da Loucura no Brasil pode ser pensada a partir de vários recortes, como também através de inúmeras periodizações, segundo Wadi (2014), sendo as mais estudados os processos de institucionalização da loucura datada do final do século XIX e início do século XX; e o processo de Reforma Psiquiátrica, a partir dos anos finais da década de 1970.

O uso de fontes como prontuários médicos, cartas de pacientes, ou como por exemplo os Diários de Lima Barreto nos possibilitam adentrar a rotina institucional, compreender e problematizar quem eram os sujeitos históricos marcados pelo estigma da loucura.

Fonte: BARRETO, Lima. Diário íntimo (1903-1921). Rio de Janeiro: editora Mérito, 1953.

Referências:

ENGEL, Magali Gouveia. Delírios da Razão: Médicos, loucos e hospícios (Rio de Janeiro, 1830 – 1930), Rio de Janeiro, Ed. Fiocruz, 2001. Edição Kindle.

MACHADO, Roberto; LOUREIRO, Ângela; LUZ, Rogério; MURICY, Kátia. Danação da norma: a medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978.

MIRANDA, Maria do Socorro de. Memória e escrita de si no diário de Lima Barreto. Tese de doutorado apresentada no Programa de Pós-graduação em literatura e cultura, na Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019.

WADI, Yonissa. Olhares sobre a loucura e a psiquiatria: um balanço da produção na área de História (Brasil, 1980-2011). História Unisinos, v.. 18, n.º 1, 2014.

Indicação de leitura:

CAPONI, Sandra. Loucos e degenerados: uma genealogia da psiquiatria ampliada. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2012.
.

Compartilhar

Redação

ÆscolaLegal é um esforço coletivo de profissionais interessados em resgatar princípios básicos da Educação e traduzir informações sobre o universo multi e transdisciplinar que a envolve, com foco crescente em Educação 4.0 e além, Tecnologia/Inovação, Sustentabilidade, Ciências e Cultura Sistêmica. Publisher: Volmer Silva do Rêgo - MTb16640-85 SP - ABI 2264/SP

Fechado para comentários.