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O Risco de Ficar Sem Água

Mês Mundial da Água: celebração da água? Vivemos a pior crise hídrica dos últimos 30 anos. Conscientização de pessoas que vivem sem acesso à água potável. A abundância de água no Brasil não significa que haja fácil acesso à água potável para todos.

Eliane da Silva Fernandes

Maringá – PR. – 27/03/2022.

3 Minutos

O Dia Mundial da Água celebra a água e conscientiza os 2,2 bilhões de pessoas que vivem sem acesso à água potável. Trata-se de tomar medidas para enfrentar a crise global da água. Um foco central do Dia Mundial da Água é apoiar a realização do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6: água e saneamento para todos até 2030.

No Brasil, a recente divulgação dos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), referente às condições de saneamento básico em 2020, demonstra as atuais necessidades não resolvidas. Alguns indicadores corroboram esta afirmação. A rede geral de distribuição de água, que atendia 85,8% dos domicílios em 2016, manteve-se praticamente inalterada em 85,5% em 2021. Além disso, a distribuição regional da rede geral de água é desigual, variando de 58,8% na região Norte do país a 92,3% no Sudeste.

A análise das fontes hídricas e da infraestrutura utilizada para abastecer os municípios brasileiros mostra que 31% da população vive em locais de baixa segurança hídrica, ou seja, enfrentam racionamento, colapso ou alerta em períodos de estiagem; e 41% vivem em regiões onde os sistemas de produção requerem expansão. Apenas 27% da população vive em municípios onde a oferta foi considerada satisfatória. A distribuição de água entre as faixas de renda é muito desigual, pois 40% da população não atendida está na faixa de 1 salário mínimo ou menos.

A crise ambiental que o planeta enfrenta tem impactado em todos os aspectos de nossas vidas, mesmo que ainda não a reconheçamos como fonte desses desafios, como é o caso da crise hídrica que atingiu duramente os brasileiros este ano. Apesar de ser o país com as maiores reservas de água doce do planeta e tipicamente visto como de baixo risco para crises hídricas, o Brasil acaba de passar pela pior seca em 91 anos (Fig.1) Prevê-se que a situação piore, com condições secas até 2022.

Os reservatórios estão atualmente em baixa em todo o país, enquanto a demanda por água está crescendo.  Além disso, a crise hídrica tem impacto direto no saneamento e na geração de energia do país, uma vez que mais de 60% da eletricidade do Brasil é produzida por meio de usinas hidrelétricas, impactando inevitavelmente a economia como um todo e as contas de energia elétrica em todo o país.

O Risco de Ficar Sem Água
  Fig.1 – Secas frequentes têm ocorrido em várias regiões do país (Img. internet)

 A escassez de água pode ser analisada em diferentes níveis: em nível global, que é representado por impactos climáticos mais prolongados e severos; em nível nacional, abrangendo impactos em diferentes biomas brasileiros como a Amazônia, o Cerrado e a Caatinga.

Outro grande problema é a falta de proteção de nascentes, zonas ribeirinhas e degradação do solo; e em nível municipal, onde o saneamento realmente ocorre e que deve ser avaliado tanto pela oferta de água quanto pela demanda dos consumidores. É neste último nível que devemos nos concentrar quando se trata de justiça climática durante as crises hídricas (fig. 2), pois é aqui que vemos os impactos das questões hídricas nas necessidades fisiológicas das pessoas, ou seja, o mínimo que precisamos viver.

O Risco de Ficar Sem Água
Fig. 2Pior situação hídrica em 91 anos de histórico faz Brasil repensar atual modelo do setor elétrico. Parlamentares apontam impactos econômicos. (Img Internet)

Em resposta à situação, o governo federal criou um comitê de gestão da seca conhecido como Câmara de Normas Excepcionais para Gestão de Energia Hidrelétrica (CREG). O comitê anunciou a criação de uma nova faixa tarifária denominada “tarifa de escassez de água” que aumentará as contas de energia elétrica das residências pelo menos até o fim da estiagem em 2022.

Os efeitos dessa nova tarifa já são conhecidos e têm sido amplamente discutidos pelos brasileiros: com o aumento das contas de energia elétrica, a alimentação e os serviços públicos também ficam mais caros e, como resultado, o custo de vida geral fica ainda mais insustentável. Como sempre acontece em países desiguais como o Brasil, os mais afetados são os mais pobres, muitas vezes moradores de favelas, que já vivenciam múltiplas crises.

As políticas transferem os danos para o público em geral, quando o que deveriam fazer é intervir para reduzir os impactos sobre a pessoa média, colocando limites às grandes corporações que não apenas usam muita água para irrigação e indústria, mas a contaminam através de um aumento autorizado e uso de agroquímicos. A insegurança hídrica está ligada à insegurança alimentar.

A insegurança hídrica tende a amplificar os impactos da desigualdade no país. A fome, a falta de energia e a falta de saneamento que as favelas sempre enfrentaram, exacerbadas e tornadas mais visíveis pela pandemia, são ainda mais aprofundadas pela recorrência e intensidade das crises hídricas. O aumento do preço do gás de cozinha também trouxe novas dificuldades para as famílias, que tiveram que usar métodos alternativos para preparar suas refeições.

Em 2010, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Resolução 64/292, reconhecendo a água e o saneamento como um direito humano, com voto favorável da delegação brasileira. Isso significa que o Brasil se comprometeu a desenvolver políticas públicas que resultem em acesso à água, considerando tanto a quantidade quanto a qualidade do acesso, bem como serviços de saneamento adequados para todos.

Água subterrânea, tornando o invisível visível

Neste 2022, o foco são as águas subterrâneas, um recurso invisível com impacto visível em todos os lugares.

A água subterrânea é a água encontrada no subsolo em aquíferos, que são formações geológicas de rochas, areias e cascalhos que retêm quantidades substanciais de água. A água subterrânea alimenta nascentes, rios, lagos e pântanos, e penetra nos oceanos. A água subterrânea é recarregada principalmente pela chuva e neve que se infiltram no solo. A água subterrânea pode ser extraída para a superfície por bombas e poços. A vida não seria possível sem água subterrânea.

A maioria das áreas áridas do mundo depende inteiramente das águas subterrâneas. A água subterrânea fornece uma grande proporção da água que usamos para beber, saneamento, produção de alimentos e processos industriais. Também é extremamente importante para o funcionamento saudável dos ecossistemas, como pântanos e rios.

Devemos protegê-los da super exploração – captando mais água do que é recarregado pela chuva e pela neve – e da poluição que atualmente os assombra, pois pode levar ao esgotamento desse recurso, custos extras de processamento e, às vezes, até mesmo impedir seu uso.

Explorar, proteger e usar de forma sustentável as águas subterrâneas será fundamental para sobreviver e se adaptar às mudanças climáticas e atender às necessidades de uma população crescente.

 Você sabia?

  • Quase toda a água doce líquida do mundo é subterrânea (Fig. 3).
  • Cerca de 40 por cento de toda a água utilizada para irrigação vem de aquíferos.
  • A região da Ásia e do Pacífico tem a menor disponibilidade de água per capita do mundo, com previsão de que o uso de água subterrânea na região aumente 30% até 2050.
  • Na América do Norte e na Europa, os nitratos e os pesticidas representam uma grande ameaça à qualidade das águas subterrâneas: 20 por cento das massas de água subterrâneas da União Europeia (UE) excedem os padrões da UE de boa qualidade da água devido à poluição agrícola.
Fig.3O Relatório Mundial da Água da ONU 2022 “Águas subterrâneas – tornando o invisível visível” será lançado em 21 de março de 2022 na cerimônia de abertura do 9º Fórum Mundial da Água em Dakar, Senegal. (Img.: https://www.unwater.org/)

A ONU – Organização das Nações Unidas e a UNESCO lançaram o Relatório Mundial de Desenvolvimento da Água da ONU deste ano. Este relatório emblemático, focado nas águas subterrâneas nesta edição, fornece informações sobre as principais tendências relativas ao estado, uso e gestão de água doce e saneamento.

 Grandes benefícios e oportunidades sociais, econômicas e ambientais

A qualidade das águas subterrâneas é geralmente boa, o que significa que pode ser utilizada de forma segura e acessível, sem exigir níveis avançados de tratamento. A água subterrânea é muitas vezes a forma mais rentável de fornecer um abastecimento seguro de água às aldeias rurais.

Certas regiões, como a África do Saara e o Oriente Médio, por exemplo, possuem quantidades substanciais de fontes de águas subterrâneas não renováveis que podem ser extraídas para manter a segurança hídrica. No entanto, a consideração pelas gerações futuras e pelos aspectos econômicos, financeiros e ambientais do esgotamento do armazenamento não deve ser negligenciada.

Na África Subsaariana, as oportunidades oferecidas pelos vastos aquíferos permanecem amplamente subexploradas. Apenas 3% das terras agrícolas estão equipadas para irrigação – em comparação com 59% e 57%, respectivamente, na América do Norte e no Sul da Ásia – e apenas 5% dessa área usa água subterrânea.

Como aponta o relatório, esse baixo uso não se deve à falta de água subterrânea renovável (que muitas vezes é abundante), mas sim à falta de investimentos em infraestrutura, instituições, profissionais capacitados e conhecimento do recurso. O desenvolvimento das águas subterrâneas poderia atuar como um catalisador para o crescimento econômico, aumentando a extensão das áreas irrigadas e, portanto, melhorando os rendimentos agrícolas e a diversidade de culturas.

Em termos de adaptação às mudanças climáticas, a capacidade dos sistemas aquíferos de armazenar excedentes sazonais ou episódicos de água de superfície pode ser explorada para melhorar a disponibilidade de água doce durante todo o ano, uma vez que os aquíferos incorrem em perdas por evaporação substancialmente menores do que os reservatórios de superfície. Por exemplo, incluir o armazenamento e captação de águas subterrâneas como parte do planejamento do abastecimento urbano de água aumentaria a segurança e a flexibilidade em casos de variação sazonal.

 Desbloquear todo o potencial das águas subterrâneas – o que precisa ser feito?

1 – Coletar dadosO relatório levanta a questão da falta de dados sobre as águas subterrâneas e enfatiza que o monitoramento das águas subterrâneas é muitas vezes uma “área negligenciada”. Para melhorar isso, a aquisição de dados e informações, que geralmente fica sob a responsabilidade de agências nacionais (e locais) de águas subterrâneas, poderia ser complementada pelo setor privado. Particularmente, as indústrias de petróleo, gás e mineração já possuem uma grande quantidade de dados, informações e conhecimento sobre a composição dos domínios subterrâneos mais profundos, incluindo aquíferos. Por uma questão de responsabilidade social corporativa, as empresas privadas são altamente incentivadas a compartilhar esses dados e informações com profissionais do setor público.

Reforçar as regulamentações ambientais

Como a poluição das águas subterrâneas é praticamente irreversível, deve ser evitada. Os esforços de fiscalização e a acusação de poluidores, no entanto, são muitas vezes desafiadores devido à natureza invisível das águas subterrâneas. A prevenção da contaminação das águas subterrâneas requer o uso adequado da terra e regulamentações ambientais apropriadas, especialmente nas áreas de recarga de aquíferos. É imperativo que os governos assumam seu papel como guardiões de recursos em vista dos aspectos de bem comum das águas subterrâneas para garantir que o acesso e o lucro sejam distribuídos de forma equitativa e que o recurso permaneça disponível para as gerações futuras.

Reforçar os recursos humanos, materiais e financeiros

Em muitos países, a falta geral de profissionais de águas subterrâneas entre o pessoal das instituições e governos locais e nacionais, bem como mandatos, financiamento e apoio insuficientes de departamentos ou agências de águas subterrâneas, dificultam a gestão eficaz das águas subterrâneas. O compromisso dos governos em construir, apoiar e manter a capacidade institucional relacionada às águas subterrâneas é crucial.

No Brasil além de todos os agravantes supracitados, vem surgindo uma catástrofe ainda pior – o problema da mineração (Fig. 4) na região amazônica, onde existe o maior aquífero de água de doce do mundo, o Alter do Chão.

A lama que deixou turvas as águas do rio Tapajós na região de Alter do Chão, no Pará, famosa por águas cristalinas, é originária sobretudo de garimpos, dizem cientistas que estudaram a situação. A conclusão está em um comunicado do projeto MapBiomas, que rastreou o caminho dos sedimentos usando imagens de satélite. Parte dos sedimentos é natural e se deve à cheia do rio Amazonas, onde o Tapajós deságua. Esse barro natural, porém, não penetra muito no Tapajós, porque precisa ir contra a corrente, e a única explicação para o grau de turbidez da água em Alter é a intensificação das operações de garimpo, dizem os cientistas (O Globo – Um só Planeta).

Fig.4Sedimentos de mineração deixam a água turva perto da foz do Rio Tapajós, na região de Santarém  -PA.   (Foto: Observatório do Clima/Divulgação.)

Para que possa iniciar a busca por ouro, a atividade garimpeira desmata e escava o solo amazônico ou draga o fundo dos rios. Os sedimentos desta atividade são descartados diretamente das plantas de extração (ou lixiviados pelas chuvas, já que perderam a proteção florestal) para dentro dos rios, explicam os pesquisadores.

O aporte extra de sedimentos altera as características físico-químicas da água e, por consequência, a cor de rios e lagos.

Um novo problema sobre diversos problemas antigos – o que era ruim pode se tornar irreversível. Sem água – sem vida!

 

Eliane da Silva Fernandes

Doutora em Ciências Ambientais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Especializada em Direito Ambiental. Atua na área de Sistemas de Informação em Biodiversidade (Meta-análise), Políticas Ambientais, Macroecologia e Avaliação de Impactos Ambientais em rios neotropicais.

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Redação

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2 thoughts on “O Risco de Ficar Sem Água

  • Rita de Jesus Leria Aires

    Matéria importantíssima para a conscientização da população em geral e seus governantes para que todos percebam a risco imenso de perdermos nossa vida se não cuidarmos desse bem tão precioso que é a ÁGUA.

    • Sem dúvidas Rita! Esta matéria também foi encaminhada para os órgãos competentes: Min. e Secs estaduais e municipais da Saúde, Agricultura e para a SABESP. Obrigado por sua colaboração importante!

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