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Empatia – inata ou aprendizado?

“Já adianto que as duas alternativas estão corretas.”

Roberta Bocchi

Considerando o desenvolvimento cerebral humano, a empatia é algo inato e ao mesmo tempo aprendido durante toda a convivência humana e pode ser explicado por correntes científicas diferentes. Tomando como parâmetro os estudos desenvolvidos na área da psicoterapia por Carl Rogers, pode-se afirmar que a empatia consiste em uma relação entre duas pessoas, definida como uma compreensão empática e um processo que ocorre entre os envolvidos na psicoterapia, onde um permite que o outro acesse seu universo, penetre em seu mundo e se movam juntos, um na companhia do outro no mesmo cenário.

“O conceito de empatia evoluiu de apenas um estado para um processo, sendo mais do que apenas um conceito, mas uma atitude fundamental, uma compreensão profunda, verdadeira e sem julgamentos, por meio de um ver e ouvir verdadeiros” (Fontgalland & Moreira, 2012, p. 52).

No âmbito biológico, a empatia consiste na capacidade de se colocar no lugar do outro, de observar o mundo através dos olhos desse outro, procurando sentir a experiência subjetiva alheia vivenciada sem renunciar à identidade daquele que observa. Porém, isso só ocorre se nosso cérebro reconhece que o outro faz parte de sua convivência humana.  

Ocorre que esse “fazer parte” está cada vez mais prejudicado no mundo contemporâneo. Tomando como exemplo a realidade brasileira, vivemos hoje um momento pautado pela agressividade de opiniões e sentimentos, aquecida por divisões políticas acirradas e inflamadas por correntes ideológicas radicais, que cada vez mais olham para seus próprios interesses em detrimento dos interesses da população. 

Quem está sendo empático com quem? Provavelmente a empatia está ocorrendo apenas entre os que pensam da mesma forma, entre os que querem os mesmos caminhos ou têm os mesmos interesses. O olhar humano está perdendo a capacidade de amplitude e isso é fatal para o exercício da empatia, independente de qual visão científica se enquadre.

Tudo começa no cérebro

Para entender melhor o mecanismo cerebral da empatia, temos que escrever um pouco sobre os chamados neurônios-espelhos e para isso, alguns exemplos diários podem ajudar.

Sabe aquela vontade de bocejar quando vemos alguém bocejar ou quando começamos a sorrir quando vemos outra pessoa sorrindo bastante ao nosso lado?  É provocada pela presença dos neurônios-espelhos.

Esses neurônios foram descobertos por cientistas na década de 90 e estão localizados de forma complexa em nosso cérebro, espalhados por várias áreas corticais – frontoparientais.

De forma geral, esses neurônios são responsáveis pela ocorrência de emoções, reações, movimentos e comunicações espelhadas, como se o fenômeno apenas visto estivesse ocorrendo no espectador também.

Quando assistimos filmes como: Uma linda mulher (1990), A Lista de Schindler (1993), Titanic (1997), Sempre ao seu lado (2009) ou Invocação do mal (2013), nossos corações aceleram e batem mais forte, por vezes nós choramos com os personagens, torcemos para que se deem bem ao final, ou então, nos arrepiamos de horror e medo, como se tudo realmente estivesse acontecendo conosco, mesmo estando “bem distante” da situação apresentada.

São os neurônios-espelhos que parecem antecipar as possíveis respostas às ações de outras pessoas, que tentam imaginar aquilo que se passa na mente do outro, que se colocam no lugar do outro, que exercem a empatia. Somos seres sociais e por essa condição somos empáticos com aqueles que reconhecemos pertencerem ao nosso meio. 

Há dois tipos de empatia, a cognitiva e a afetiva:

  • Empatia cognitiva: há uma ativação maior das áreas e funções executivas cerebrais. Nesse caso, eu consigo entender a história do outro, simulo mentalmente o que está sendo relatado, consigo ajudá-lo lançando mão das funções mais racionais do cérebro.  Há a construção de instrumentos para que o outro consiga atuar por ele mesmo no problema.

    Em situações em que a opinião do outro ou as escolhas do outro são muito diferentes da sua, é possível haver uma empatia cognitiva. Mesmo não compartilhando das mesmas preferências ou ideais, é possível entender o outro e respeitá-lo;
  • Empatia afetiva: há uma ativação das áreas e conexões cerebrais que associam as funções emocionais com as funções sociais, com peso maior para a vivência emocional trazida pela situação empática vivida. Há a construção de vínculos afetivos.

    Nessas ocasiões, frente a uma demanda emocional do outro, você não só entende a carga emocional vivida pelo outro como consegue se colocar no lugar do outro, através da sua afetividade. É possível até simular internamente o que a outra pessoa está sentindo naquele momento, e em casos extremos, tecer um paralelo entre a situação vivida pelo outro e alguma situação parecida já vivida por você, a ponto de se desequilibrar emocionalmente e não conseguir ajudar o outro. 

A amplitude do olhar

A questão está em ampliar o meio reconhecível pelo humano. Ampliar o entendimento de mundo, conhecer outras realidades sociais, acolher o diferente e conviver na diversidade, são condições fundamentais para ampliar o reconhecimento de padrões humanos e sociais diversos, ativando os neurônios-espelhos a favor da empatia.

A amplitude do olhar é fruto de aprendizado ao longo da vida e depende de estimulação social para ganhar robustez. O que assistimos no Brasil hoje parece ser um movimento contrário, o afunilamento de olhares, o reconhecimento de ideias como verdades absolutas com o descarte daqueles que pensam diferente, colocando-os a margem da sociedade. A médio prazo teremos uma população incapaz de exercer a empatia de forma ampla.

Quando o outro se mostra muito diferente e suas ideias parecem não se alinhar em nada com as suas, fica difícil exercer uma empatia afetiva, mas é possível exercer a empatia cognitiva, na tentativa de entender a história de vida que conduz aquela opinião tão díspar.  

A empatia cognitiva é uma ferramenta mental poderosa para a vida em sociedade. Ela permite que você se coloque no lugar do outro através de uma escuta ativa, sem julgamentos e tentando compreender o caminho do pensamento do outro, abrindo espaço para um diálogo amplo.

Quando você não se permite ouvir o outro, está perdendo a chance de avançar na sua compreensão sobre o mundo e adquirir repertório capaz de ampliar seu olhar e o olhar do outro. Não estamos uns contra os outros, estamos todos juntos, vivendo no mesmo território e dependendo das mesmas condições de sobrevivência.

Ao final queremos todos a mesma coisa, o bem-estar social, mas apenas temos ideias e olhares diferentes sobre o caminhar deste querer.

Um pouco de história – Para terminar, abro espaço para um conto intitulado “A boneca de sal” que ilustra a ideia de empatia segundo Carl Rogers e permite entender o conceito enquanto atitude afetiva propulsora da busca por compreender a experiência vivida pelo outro.

A boneca de sal

Era uma vez uma boneca de sal. Após peregrinar por terras áridas, descobriu o mar e não conseguiu compreendê-lo. Perguntou ao mar: “Quem é você?”
E o mar respondeu: “Sou o mar. ” “Mas o que é o mar? ” E o mar respondeu: “O mar sou eu. ” “Não entendo”, disse a boneca de sal, “mas gostaria muito de entender. Como faço?” O mar respondeu: “Encoste em mim. ” Então, a boneca de sal timidamente encostou no mar com as pontas dos dedos do pé. Sentiu que começava a entender, mas também sentiu que acabara de perder o pé, dissolvido na água. “Mar, o que você fez?” E o mar respondeu: “Eu te dei um pouco de entendimento e você me deu um pouco de você. Para entender tudo, é necessário dar tudo.” Ansiosa pelo conhecimento, mas também com medo, a boneca de sal começou a entrar no mar. Quanto mais entrava e quanto mais se dissolvia, mais compreendia a enormidade do mar e da natureza, mas ainda faltava alguma coisa: “Afinal, o que é o mar?”

Então, foi coberta por uma onda. Em seu último momento de consciência individual, antes de diluir-se completamente na água, a boneca ainda conseguiu dizer: “O mar… o mar sou eu!”
”Ser empático é ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele”

ROBERTA BOCCHI – Doutora em Educação- PUC/São Paulo/Brasil, com pesquisas nas áreas de Políticas Públicas e Neurociência. Supervisora de Ensino em São Paulo.

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Redação

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One thought on “Empatia – inata ou aprendizado?

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