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Jogos Paralímpicos – Atletas e Pessoas

Nem mesmo quando foram sediadas aqui na capital fluminense, as Paralimpíadas receberam espaço na mídia brasileira, historicamente excludente, padronizadora e avessa a novos desafios e investimentos. De 2016 até hoje, o quadro mudou, mas esse evento esportivo ainda não recebe a atenção que merece diante de suas potencialidades.

Luiz André Ferreira

São Paulo, 05/09 de 2021

2 Minutos

Porém há de se reconhecer os avanços. Pela primeira vez, os jogos tiveram os direitos adquiridos por uma emissora comercial aberta. E não foi uma qualquer, mas sim a Globo, líder de audiência em todo o país. Diga-se de passagem, não apenas por seus executivos terem percebido o crescente potencial desses jogos, mas somado a isso alguns outros relevantes fatores.

O interesse do patrocínio por parte do Bradesco foi preponderante. Embora diferente das Olimpíadas de Tóquio, em que dividiu o espaço com outros anunciantes, os Paralímpicos contam com apenas uma cota exclusiva adquirida pelo banco. O plano de mídia é composto por peças comerciais de 15 e 30 segundos, espaço nas vinhetas, inserções nas transmissões e chamadas durante o restante da programação.

Esse quadro é emblemático, pois, pela primeira vez, o patrocínio não é feito de forma paternalista, por estatais a mando do governo, mas por um dos maiores bancos privados. Isso mostra que o evento caminha para a autossuficiência e já começa a despertar o interesse no mercado publicitário. Outro fator significativo é o fuso-horário brasileiro, oposto ao de Tóquio.

Daniel Dias - O maior medalhista paralímpico do Brasil
Daniel Dias – O maior medalhista brasileiro – Natação (Img Internet)

Com isso, a maioria das partidas acontecem de madrugada. Assim não altera a programação normal da Globo, um dos maiores tabus de sua história. Embora hoje, um pouco mais flexível, ainda segue a linha “imexível”  de acordo com a cartilha deixada como herança pelos criadores Walter Clark e Boni.

Embora os eventos ao vivo sejam muito tarde, nem sempre as transmissões são as que mais geram visibilidade.

Os flashs durante a programação do horário nobre e as coberturas, principalmente nos “Jornal Nacional” e “Hoje” garantem uma repercussão maior do que as próprias provas ao vivo. A Globo também encurtou parte da sua programação matinal para exibir um compacto com a Cerimônia da Abertura comandada pelo narrador Everaldo Marques e os  comentários dos ex-paratletas, Fernando Fernandes e Ádria dos Santos.

Para a cobertura no local das competições, a Globo usou seu correspondente fixo no Japão, Carlos Gil, com o reforço do repórter esportivo, Renato Peters e mais oito pessoas da produção. A TV Globo não ficou sozinha, ela escalou seus braços comunicacionais, como o streaming Globoplay – com transmissões ao vivo e on demand e seu canal a cabo SporTV2.

Embora já tenha coberto a edição anterior, para a de Tóquio o canal esportivo expandiu significantemente a sua cobertura para uma média de 100 horas de programação ao vivo sob o comando de Flávio Canto, do locutor
Sérgio Arenillas e participações do ex-nadador Clodoaldo Silva, dono de 14 medalhas em Jogos Paralímpicos, e Verônica Hipólito.

TV Brasil
A antiga TVE do Rio de Janeiro tem um histórico na transmissão das edições anteriores. A emissora, rebatizada de TV Brasil e que agora faz parte da estatal EBC, abriu 2 horas diárias de cobertura em seu canal principal, assim como transmissão das principais partidas pelo seu braço auxiliar, a antiga NBR, hoje rebatizada de TV Brasil 2.

O repórter Igor Santos e o cinegrafista Rodolpho Rodrigues desembarcaram em Tóquio antes do evento já para garantir o esquenta dos Jogos Paralímpicos. Experientes, ambos já trazem na bagagem as coberturas da Paralimpíada Rio2016 e dos Jogos Mundiais Militares 2019 em Wuhan, na China.

As grandes paratletas olímpicas brasileiras (Img. Internet)

Demais Concorrentes:
No entanto, as outras emissoras não investiram quase nada em profissionais e tempo/espaço destinado à cobertura. É muito comum, mesmo não obtendo os direitos de transmissão, cobrirem jornalisticamente através do envio de correspondentes, análises de comentaristas, reportagens especiais, entrevistas ou material de agência.

E essa dinâmica que quase todas utilizaram nas Olimpíadas, não foi repetida agora nas provas com pessoas com deficiência.

Isso demonstra uma total miopia dos executivos dessas outras empresas que não conseguem vislumbrar o despertar do interesse do público, do mercado publicitário, a melhora das performances de nossos atletas, além do maciço apoio de internautas nas mídias sociais, como no investimento de marcas em associar seus nomes ou produtos a esse evento inclusivo.

Rádios
Os executivos das empresas radiofônicas parecem seguir na mesma obscuridade. Assim como nas Olimpíadas, o meio rádio praticamente desconsiderou o efetivo aumento geral do interesse em torno dos paralímpicos.
Ao contrário da Rede Globo, SporTV, Globoplay e o portal GE, que investiram nos jogos, o Sistema Globo de Rádio praticamente virou às costas e não acompanhou o interesse das suas irmãs mais ricas.

Nem mesmo as surpreendentes performances recordistas de nossos atletas garantiu um espaço digno em suas programações. Foi praticamente zero na “desconfigurada” Rádio Globo. E pífio e burocrático na engessada CBN.

Na EBC não foi diferente. Embora no mesmo grupo estatal da TV Brasil – intitulada como a “emissora oficial dos Jogos Paralímpicos” e ter anunciado uma cobertura similar em suas emissoras de rádio, o mesmo não aconteceu na prática. As provas, que anunciou transmissão em cadeia da Nacional com a TV Brasil sequer foram incluídas nas programações diárias anunciadas no portal da Rádio, tanto no canal de Brasília, como no da emblemática Nacional do Rio de Janeiro.

As mesmas não foram reproduzidas pela pioneira Rádio MEC carioca que pertence ao mesmo grupo. Os noticiários dessas emissoras também não garantiram o espaço merecido às coberturas, assim como as devidas repercussões em seus tradicionais programas populares, culturais e educativos.

Lamentável a atuação dessas estações estatais que desperdiçaram os direitos oficiais de transmissão que adquiriram no pacote EBC. Poderiam ter feito a diferença diante das demais, se beneficiando da audiência negligenciada por suas concorrentes comerciais. Além disso cumpririam a missão social de uma emissora pública. Ou seja, as tradicionais Nacional e MEC deixaram escapar um filão que certamente, se incentivado por seus diretores, teria
total ressonância entre seus competentes e engajados profissionais.

Esses que, incansavelmente, mantém com suas experiências e obstinação, a qualidade e dinamismo dessas emissoras, apesar do pouquíssimo investimento governamental. Destacamos que quando falamos em rádio, o seu processo produtivo é infinitamente mais simples, ágil e barato do que os demais. Com bem menos recursos dá para preencher com qualidade a programação e despertar o público através das vibrantes características comunicacionais deste meio. O fato de não ter imagem e de usar o telefone como canal operacional, facilita e agiliza o processo em relação aos outros meios.

Medalhistas paralímpicos enchem o Brasil de orgulho (Img. Internet)

Lembro que nas Paralimpíadas de Londres em 2012, eu estava à frente da direção da Rádio Roquette-Pinto, emissora pública-educativa do estado do Rio de Janeiro.

Mesmo não tendo os direitos de transmissão, pouquíssimos recursos financeiros e uma equipe reduzida, conseguimos, graças ao emprenho do grupo e as facilidades comunicacionais do meio rádio, mantermos uma programação especial.

Baseamos a cobertura em informações educativas sobre as modalidades esportivas e suas adaptações paraolímpicas. O pouco material que as agências de notícia produziam  em tempo real eram imediatamente reproduzidos no ar. Para preencher o restante da lacuna, abrimos espaços para entrevistas por telefone com alguns atletas que estavam em Londres, ou parentes e os treinadores que estavam no Brasil.

A nossa apuração junto ao Comitê Paralímpico Brasileiro foi fundamental para nortear a cobertura. Embora o espírito das paralimpíadas tenha contagiado toda a equipe destaco aqui o empenho de 2 profissionais que, coincidentemente nos deixaram recentemente. O repórter Fernando Ventura, que assumiu o plantão esportivo nessa ocasião, e o veterano produtor Alpa Luiz na marcação das entrevistas.

 

Luiz André Ferreira – Mestre em Bens Culturais e Mestre em Projetos Socioambientais. Professor da Fundação Getúlio Vargas e Facha. Jornal Le Monde – Revista Carta Capital. Assessor na Associação de Professores Appai.
E-mail: luizandre@fgvmail.br

 

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Redação

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