Nacional

Radicalizar na Forma de Ensinar

Pós COVID 19 muita coisa irá mudar, sobre isto existem milhares de artigos na internet…É chegada a hora de radicalizar na forma de ensinar.

Edson Zogbi

Lisboa, 12 /05 de 2020.

2 minutos

Interessante é ver como o tema ensino está presente em quase todos os textos, mas sempre indicando o ensino à distância como a solução, ressalvando que existem dois tipos predominantes de ensino à distância oferecidos hoje:

  1. EAD com conteúdos prontos para ver ou baixar, vídeo-aulas de professores e avaliações online;
  2. EAD com conteúdos prontos para ver ou baixar, aulas presenciais online e avaliações online.

É óbvio que o segundo formato é mais rico em termos de formação online, porque há interação e o aluno recebe o conhecimento tácito em tempo real, podendo esclarecer dúvidas ou até enriquecer o conteúdo apresentado. Mas para que o segundo formato aconteça, é preciso criar uma grade de aulas viável, porque os tempos de disponibilidade e aprendizado de crianças, jovens e adultos são diferentes.

Falando com a terminologia da inovação, o primeiro formato mencionado de EAD é enquadrado como disrupção, porque simplifica e barateia o formato presencial físico, por outro lado, perde significativamente em qualidade e eficácia.

O segundo formato de EAD se enquadra como melhoria contínua, uma evolução em relação ao ensino presencial físico, uma vez que pode ser mais complexo, pode atingir mais alunos, pode utilizar recursos da informática nem sempre disponíveis na sala de aula e também pode ficar mais acessível financeiramente. É claro que, dependendo do tema, algumas matérias devem ser apresentadas obrigatoriamente em sala de aula, então este formato de EAD ficaria enriquecido com alguns momentos presenciais físicos.

Até este ponto visualizamos o que seria uma adaptação ao modelo atual vigente e corremos o risco de achar que isto resolverá o problema central do ensino, apontado há tantas décadas, que é fruto desta somatória de características:

  1. A massificação do conteúdo curricular cria uma média baixa de capacitação individual, aproveitando pouco o potencial de cada aluno;
  2. Professores mal remunerados (ou mal resolvidos em outras carreiras profissionais) tendem a se acomodar e a repetir conteúdos até que fiquem totalmente obsoletos, criando um profundo desinteresse por parte dos alunos;
  3. Orientação para o objetivo de notas que dêem acesso à universidade e após este acesso ao ensino superior, novamente massificação do conteúdo curricular;
  4. Avaliações de desempenho limitadas ao conteúdo entregue, sem estímulo aos desafios de se aprofundar em cada matéria;
  5. Especializações stricto sensu (mestrados, doutorados, pós-doutorados) embasadas somente em conteúdos existentes, com foco apenas na melhoria contínua, nunca na inovação radical e sem exigência de experiência prática anterior, ou seja, um recém-formado faz suas especializações e se torna um mestre ou doutor totalmente teórico, sem conhecimento real de sua profissão;
  6. Especializações lato sensu (pós-graduações, MBA) com foco mais no network dos formandos do que na sua real especialização (aprofundamento no tema);

Seria possível enumerar aqui dez vezes mais defeitos do sistema de ensino atual em todo o seu espectro, mas o que está aqui grosseiramente apontado já indica em que pé está este segmento, um desastre de cabo a rabo, quem trabalhou na década de 70 viu a qualidade profissional dos recém chegados ao mercado cair, o mesmo aconteceu na década de 80, de 90 e ao olhar para o período da virada do milênio até agora o nível vem caindo ainda mais drasticamente, chegamos à um ponto que fica quase impossível uma recuperação do setor do ensino, mas precisamos mesmo dela?

Minha resposta é não! Está na hora de partimos para o terceiro tipo de inovação, a inovação radical.

Não há mais como buscar mais muletas para o sistema de ensino, ele ficou obsoleto, não acompanhou as mudanças sociais e econômicas (a única mudança econômica que ele acompanhou foi na forma de vender seus produtos, diminuindo os custos do serviço e massificando ao máximo, deu no que deu, péssima qualidade).

Então, a partir de agora aponto  algumas ideias, que podem (e devem) ser questionadas, misturadas, acopladas e tudo o mais que as tornem melhores e viáveis, com o objetivo de termos enfim um formato condizente com nossos tempos.

Ponto de Partida: o aluno

É do interesse do aluno que se deve sugerir o método e os conteúdos a serem apresentados, para isso temos que pensar em individualização e não massificação, é possível, sim, claro, com recursos de programação, big data e inteligência artificial sim.

Se hoje uma pessoa procura o que interessa a ela no Google, Youtube, Wikipedia, etc. e tal, porque ela se interessaria no que lhe é forçado como conteúdo? As pessoas buscam alimentar suas curiosidades, interesses e por fim suas vocações, nada disso é feito no ensino hoje, o que vemos são algumas adaptações toscas, as tais muletas que mencionei.

Desde criança pode-se estimular a busca do interesse do aluno e assim formá-lo com o máximo potencial, nada de alunos médios, todos merecem ser alunos brilhantes, desde que tenham liberdade para isso.

Ponto de Intersecção: o professor

Quando o aluno está em busca dos conteúdos (conhecimento explícito), sempre encontra a necessidade de interação com alguém mais experiente (conhecimento tácito), está aí a função do professor, estar à disposição para ser acessado como um oráculo, que pode responder dúvidas, orientar caminhos, questionar, desafiar, estimular, agregar valor.

Este tipo de professor exerce outra profissão, diferente da que vinha exercendo, uma grande parte dos professores atuais não se encaixam neste perfil, outra parte sim e outras pessoas, que têm condições de serem oráculos em temas que dominam, podem se tornar professores. Isto é análogo às mudanças de várias profissões, um médico que não sabe utilizar os recursos tecnológicos atuais não tem clientes, por exemplo.

E quanto ao dilema, professor presencial físico ou presencial virtual? (veja que o virtual não presencial nem cogito, porque um vídeo com um professor falando não é interativo, portanto apenas conteúdo, como já mencionei quando falei de EAD no começo deste artigo). No próximo ponto vamos tentar visualizar esta questão.

Ponto de Exclamação: a prática!

Parece-nos um tanto óbvio que o aluno deve colocar em prática o que aprende, tanto para sua memorização, mas para o principal, obter relevância derivada das ações ligadas aos seus interesses. Isso vale para qualquer tema, da filosofia, à botânica, informática ou matemática pura.

Neste ponto o professor tem um papel fundamental, como orientador (novamente conhecimento tácito), e para cada situação deverá ser definida a forma da interação, se puder ser virtual, é mais simples, rápida, barata e ecológica (evita deslocamentos), se tiver que ser presencial, agenda-se a interação, mas onde?

As instituições de ensino devem utilizar suas estruturas para os momentos práticos de interação do aluno e professor, mas não devem se restringir só a isto, para alunos maiores, mais experientes, as instituições de ensino devem agendar a interação presencial em locais onde o tema está mais próximo da realidade econômica/social, ou seja, em empresas, instituições sociais, públicas ou privadas, dependendo do tema, na natureza.

Então o professor terá duas funções: Oráculo e Personal Guide (algo assim)? Pode ser, ou podem ser dois tipos diferentes de professores, um para cada objetivo dentro de um determinado tema. Mas isto custará muito caro? Depende de como será gerido pelo sistema, por isto mencionei big data e inteligência artificial, para que auxiliem nesta coordenação pedagógica, aliás, certamente os coordenadores pedagógicos serão em boa parte robôs no futuro, com certeza.

Hoje as escolas sofrem com a grande quantidade de alunos que querem ser empreendedores, porque sabem que no futuro não haverá a forma de emprego tradicional, mas as respostas são mesmo patéticas, mais e mais muletas.

Ponto de interrogação: haverá coragem para sair da zona de conforto?

Na verdade não se sai da zona de conforto por coragem, ou saímos porque estamos fartos dela, porque queremos algo diferente para nós, ou saímos porque ela vira zona de desconforto, que é o que o COVID 19 causou ao sistema de ensino agora, mostrou para todos (pais, alunos, empregados e empregadores) que não estão preparados para mudanças, que os conteúdos obrigatórios são impessoais e desinteressantes quando massificados, que os professores ou ficam perdidos “fora da caixa”, ou são insatisfatórios para as novas demandas econômico-sociais, enfim, descortinou definitivamente um modelo obsoleto, ineficaz, inadequado ao momento atual (na verdade inadequado há quase 50 anos).

Neste ponto eu poderia escrever até gastar o teclado, mas todos sabem bem o que se passa com o ensino, quando eu leio vários anúncios em busca de profissionais onde está escrito “não precisa de diploma”, vejo claramente como a relevância do ensino tem caído. Será mesmo que que ainda será preciso coragem para se reinventar? Realmente, não é disrupção, não é melhoria contínua, é inovação radical que este setor precisa, urgente.

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Redação

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