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Protagonismo na UFRN Profundo e Real

Entrevista com pesquisador Dr. Sérgio Ruschi Bergamachi do Instituto do Cérebro (ICe) da UFRN, realizada no mês de abril de 2020 para AEscolaLegal.

Redação

São Paulo, 17/04 de 2020.

3 Minutos

AEL Vou começar te pedindo uma apresentação. O seu nome, a sua idade, a formação acadêmica, profissão e local de trabalho…

SR. – “Eu me chamo Sérgio Ruschi Bergamachi Silva, tenho 28 anos vividos quase que inteiramente em Natal/RN. Concluí meu bacharelado em química na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em 2012. Na mesma instituição fiz o mestrado e doutorado os quais defendi em 2014 e 2018 respectivamente. Atualmente, atuo como técnico de laboratório no Instituto do Cérebro (ICe) da UFRN. Cheguei ao ICe em 2017 após ser transferido da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) onde trabalhava. Até então minha relação com a neurociência era totalmente nula e, na verdade, ainda estou engatinhando na área.”

AELFale-nos um pouco de sua relação de trabalho no laboratório de neurociências com seus colegas de outros departamentos, e em especial com o professor Sidarta?

SR. – “A descrição da relação de trabalho passa muito pela linha de pensamento praticada pelos gestores do ICe. A ideia aqui é incentivar o técnico administrativo, que em sua maioria possui pós-graduação, a fazer pesquisa científica de fato e não só apoiar indiretamente os professores através de suas obrigações técnicas.

E isso de fato ocorre na prática, com vários servidores participando ativamente de grupos de pesquisa. Particularmente, trabalho dentro de um laboratório multiusuário e opero um HPLC que é solicitado por diversos professores, a fim de analisar substâncias químicas em diversas matrizes biológicas, desde materiais vegetais até tecido cerebral.

Isso faz com que eu tenha relação direta com vários deles e suas linhas de pesquisa. É o caso do Prof. Sidarta Ribeiro no Laboratório de Sono, Sonhos e Memória e do Prof. Cláudio Queiroz no Laboratório de Redes Neurais e Epilepsia, por exemplo.

Além disso, como minha formação acadêmica foi no Instituto de Química, acabo fazendo o link entre as ferramentas usadas pelos grupos de pesquisa da química, em especial a química computacional que foi minha área de interesse no mestrado e doutorado, com os problemas que surgem no âmbito da neurociência.”

  Protagonismo UFRN Profunda e Real - Dr. Sergio Ruschi durante palestra .
Protagonismo UFRN Profunda e Real – Dr. Sergio Ruschi durante palestra. (Foto do autor)

AEL Qual a relação que existe entre as suas atividades profissionais e os sonhos, ou os impulsos neuropsíquicos, químicos e elétricos (podemos chamá-los assim?), com os quais a equipe trabalha? Ou seja, onde é que vc entra, especificamente?

SR. – “Como disse antes, opero um cromatógrafo, que tem como objetivo a separação e quantificação de substâncias químicas.

Em linhas gerais, os pesquisadores acabam desenhando experimentos nos quais os sujeitos, sejam animais ou humanos, são submetidos a situações específicas como a administração de substâncias em um modelo animal de epilepsia ou autismo ou simplesmente passam por situações para o aprendizado de novas tarefas. 

Posteriormente algum material biológico é colhido para análise química de algum marcador para entender o que aconteceu, que pode ser um neurotransmissor, um hormônio… Nessa linha do sono, após minha chegada ao ICe o Prof. Sidarta me procurou explicando suas demandas de dosagens.

Como grande parte da sua pesquisa está relacionada ao estudo do sono e dos sonhos, acabei me inserindo nesse contexto para auxiliá-lo com essas análises de substâncias químicas relacionadas ao tema e posteriormente comecei a participar de algumas reuniões do laboratório.”

AEL Nós vivemos um tempo em que a automação, os algoritmos, bits e megabytes, máquinas e IA nos envolvem como uma bolha, e parece que a partir de então nos orientamos cada vez mais nesta direção. A realidade do dia-a-dia está cada vez mais confinada a estas práticas e atividades.  A capacidade de sonhar é alterada por isso? Seria esta capacidade a saída para um mundo menos automatizado e mais humano?

SR. – Nem sei se sou a melhor pessoa para responder essa questão, certamente um neurocientista teria uma resposta mais assertiva para dar. Entretanto, é sabido que a exposição visual a luzes com certos comprimentos de onda, como as azuis, acaba reduzindo a produção de melatonina, um hormônio endógeno indutor do sono.

Dessa forma, como estamos imersos em tecnologias baseadas em telas durante todo dia, inclusive à noite, acabamos sendo direcionados a ter uma perturbação na duração do nosso sono, que pode se relacionar diretamente com nossos estados de sono mais profundos, como o sono REM (rapid eye movement) no qual ocorre nossos sonhos mais vívidos.

O livro publicado pelo próprio Prof. Sidarta recentemente, O Oráculo da Noite, aborda essa questão com bastante propriedade, trazendo a narrativa histórica da relação entre o sono e sociedade com muita história e informação científica de qualidade. Vale a pena a leitura!

Mas, que droga?!

AEL E onde a Química entra nesta ordem? Algumas “drogas” naturais, capazes de alterar nosso estado de consciência estão cada vez mais distantes, porque este mundo nos afasta da Natureza onde elas existem. Sintetiza-las e dispô-las num circuito comercial (o mercado) seria uma solução para evitar esta relação de nossa dependência absoluta e submissão às máquinas (IA – computação quântica, etc)?

SR. – “A Química, sem dúvida, auxilia a sociedade em diversas questões científicas importantes, e em relação a substâncias que alteram nosso estado de consciência, não é diferente.

Na verdade podemos dizer que mesmo enquanto nem era conhecida como “química” ou “alquimia” a sociedade já tinha o saber sobre substâncias que tinham esses efeitos.

Protagonismo na UFRN Profundo e Real – Os oráculos da noite. (Img. Internet)

Com o avanço científico e auxílio de equipamentos cada vez mais modernos, os químicos puderam aprimorar seus estudos em determinadas classes de substâncias, através da sua purificação, isolamento, caracterização e posterior síntese.

Desse modo, aliando o rigor científico ao conhecimento popular tradicional, muitas substâncias alucinógenas estão sendo atualmente utilizadas de modo a proporcionar uma melhor qualidade de vida à população.

Exemplos de pesquisas como as do Prof. Dráulio Araújo com a ayahusca, do Prof. Richardson Leão com 5-MeO-DMT, do Prof. Cláudio Queiroz com cannabis e do Prof. Sidarta com LSD indicam que estamos vivendo uma revolução psicodélica na qual a medicina poderá receber uma ajuda valiosíssima.

O fato de isolarmos e sintetizarmos essas substâncias para posterior encapsulamento e comercialização por exemplo, é bastante discutível. Ao passo que temos um maior controle da dose utilizada, uma bula associada com modo de usar embutido e uma marca de indústria farmacêutica associada no rótulo, acabamos desprezando outras centenas (ou milhares) de outras substâncias coadjuvantes que também podem atuar sinergicamente para que um chá de cogumelos ou caldo de raízes tenha o efeito desejado por exemplo.

É algo que deve ser muito discutido e não quero aqui impor minha opinião para um dos lados. Entretanto, olhar para essas substâncias de origem natural, seja ela sintética, isolada ou simplesmente bruta, como “salvadoras da pátria” sem desacelerarmos dessa vida tão agitada e ávida por resultados como a atual, nada adiantará.

É preciso repensar o modo de vida da população do mundo inteiro se quisermos continuar saudáveis por muito mais tempo, sem ter que usar uma pílula pra dormir, outra para acordar, outra para namorar, outra para perder peso, outra para abrir o apetite ou outra para lembrar do que viveu e do que precisa viver.”

O mundo que vivemos ainda é bom

AELAssim como no mito da caverna de Platão, a sensação da prisão em uma bolha, ou analogamente, em uma caverna cibernética nos envolvendo e nos mantendo imersos em “sonhos” criados e projetados pela IA, não estaremos sujeitos a total alienação do que seja a vida como a entendemos hoje? Acredita que teremos a oportunidade de um dia romper esta bolha e “sair em direção à luz”?

SR. – “Acredito que, de fato, estamos muito conectados hoje em dia. A tecnologia, cada vez mais avançada, incluindo a inteligência artificial e a computação quântica, nos envolve beneficamente auxiliando em diversas tarefas que antigamente demoravam enormes espaços de tempo, quando eram possíveis. Desde a automatização de um simples atendimento de um SAC para reclamações até busca por novos protótipos de fármacos são feitas usando o mais alto nível de tecnologia e computação.

Logo, acredito que apesar de estarmos imersos nesse ambiente, ele nos traz excelentes possibilidades, cabe a nós utilizar essa ferramenta e usarmos todo esse contexto para nosso total favor, ou seja, deixando que vivamos melhor e percamos menos tempo com atividades não importantes que devem ser feitas pelas máquinas que nós mesmos criamos e desenvolvemos.”

AEL Fale livremente sobre o projeto atual no qual está envolvido – como acredita que ele ajudará as pessoas em suas vidas?

SR. – “Posso dividir essa questão em dois pontos. O primeiro com os trabalhos em andamento no qual sou parceiro dos professores e alunos do ICe. Aqui posso destacar alguns trabalhos iniciais com o efeito de substâncias psicoativas em roedores e outro com análise plasmática em um modelo animal de autismo.

A ideia é que consigamos entender melhor o efeito dessas substâncias nos animais para posterior aplicação em humanos. Um segundo ponto seriam os projetos mais pessoais com pesquisadores parceiros no Instituto de Química.

Lá a ideia é no desenvolvimento/síntese de materiais que poderão ser usados na purificação das substâncias psicoativas de interesse e alguns trabalhos envolvendo a química computacional para o estudo das interações moleculares proteína-proteína, ligantes/proteína e/ou proteína/membrana.

Os materiais sintetizados, caso resultem nos resultados esperados, trarão uma alternativa mais eficaz para isolamento de determinadas substâncias e as análises computacionais trazem uma possibilidade de detalhamento molecular inicial que pode ser seguido com mutações pontuais específicas para obtenção de novas estruturas, que vão desde proteínas mais resistentes ao calor, até peptídeos antimicrobianos mais eficientes.”

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Redação

ÆscolaLegal é um esforço coletivo de profissionais interessados em resgatar princípios básicos da Educação e traduzir informações sobre o universo multi e transdisciplinar que a envolve, com foco crescente em Educação 4.0 e além, Tecnologia/Inovação, Sustentabilidade, Ciências e Cultura Sistêmica. Publisher: Volmer Silva do Rêgo - MTb16640-85 SP - ABI 2264/SP