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Posição Ideológica dos Alunos da USP.

Pesquisa sobre Valores Socioeconômicos e Políticos. Para investigar a posição ideológica dos alunos da USP, os valores socioeconômicos e políticos dos alunos da USP, foi realizada uma pesquisa online durante os meses de março, abril e setembro de 2020.

Miaofang GuanMarislei Nishijima

São Paulo, 02/04 de 2021.

2 Minutos

A estratégia de amostragem utilizada foi snowball (bola de neve), em que foram enviados os links do questionário para grupos de alunos das redes sociais (Facebook, WhatsApp etc.) e por e-mails enviados para as secretarias das unidades e para professores. Nesse sentido, deve-se observar que a amostra não é representativa da população da USP

Ideologia de esquerda-direita, conceito que reflete um sistema de valores dos indivíduos, é um dos temas mais discutidos nas ciências sociais. Os estudantes universitários são considerados um grupo importante em uma sociedade, uma vez que compõem os prováveis futuros líderes e elite em muitas áreas.

Deste modo, investigar suas posições ideológicas sobre questões socioeconômicas e políticas é importante na medida em que pode sinalizar o futuro de formação de opinião pública em seus países.

Entretanto, a literatura argumenta que as instituições de ensino superior se tornaram um reduto da ideologia de esquerda, resultado de doutrinação e discriminação ideológica (HOROWITZ, 2009; KLEIN; STERN; WESTERN, 2005). Várias pesquisas realizadas nos Estados Unidos e na Europa mostraram que as universidades em geral têm tendência à esquerda, especialmente nas áreas de Humanas e Ciências Sociais (CARDIFF; KLEIN, 2005; GROSS, 2013; LANGBERT, 2018; MARIANI; HEWITT, 2008; ZIPP; FENWICK, 2006).

Porém, estes mesmos autores apontam que a cultura de esquerda nas universidades é definida por vários fatores mais relacionados às diferenças fundamentais entre esquerda e direita e não deve ser atribuída meramente ao resultado de doutrinação (GROSS, 2013; SOSA, 2007).

Que tipo de esquerda é esta?

Poucos estudos empíricos sobre investigações ideológicas junto a estudantes universitários foram realizados em países em desenvolvimento. Assim, esta pesquisa busca reduzir essa lacuna por meio de uma investigação entre os estudantes da Universidade de São Paulo (USP), a maior universidade do país em número de alunos e posicionada entre as melhores da América Latina em vários rankings.

Os resultados do estudo apontam para uma tendência semelhante à encontrada pela literatura em países desenvolvidos: existem mais estudantes que se identificam com a esquerda do que com a direita; porém, há heterogeneidades entre as diferentes áreas de conhecimentos.

Direita capitalista e Esquerda Socialista – Tio Sam e o Urso Soviético Misha
(Img. Internet)

Além disso, o estudo sugere que as opiniões dos alunos são mais homogêneas quando se trata de assuntos sociais, especialmente no que se refere às questões sobre aborto e comportamento LGBT. Quando se refere às questões econômicas, embora os alunos tendam a preferir um papel do Estado mais ampliado, apresentam um maior grau de aceite aos valores liberais do que quando comparado aos outros aspectos investigados, tais como política e segurança.

Também, na questão política, os resultados indicam uma tendência pró-democracia e, ao mesmo tempo, certa tolerância para o regime centralizado da China.

Ideologia de Esquerda-Direita: Conceitos e Debates

A conotação política de esquerda e direita data da Revolução Francesa, quando figurativamente os defensores da liberdade se posicionaram ao lado esquerdo da assembleia enquanto os legalistas ficaram posicionados ao lado direito.

Mais tarde, esses dois grupos, respectivamente, foram denominados liberais e conservadores. No final do século 18, a ascensão do socialismo posicionou a esquerda não socialista − o liberalismo com valor de Laissez-faire − à direita. Isso se consolidou na década de 1930, quando o surgimento do keynesianismo e dos estados de bem-estar reforçaram a oposição entre liberdade de mercado e intervenção estatal (TAROUCO; MADEIRA, 2013).

Desta forma, os termos contemporâneos de esquerda e direita, conforme Bobbio* (1996), têm feito a diferença na visão sobre a desigualdade: enquanto a direita a concebe como um estado natural, portanto, difícil e desnecessário de erradicar, a esquerda acredita que a desigualdade foi socialmente construída e é um alvo para uma mudança social progressiva.

[N.E.: Noberto Bobbio é autor de vários livros, dentre eles o excelente Dicionário de Política]

No mundo político moderno, os debates entre esquerda e direita ancorados em torno da desigualdade se refletem na divisão entre Estado e mercado. Mais especificamente, entre aqueles que defendem a igualdade social por meio de um papel governamental em termos de nacionalização, redistribuição, e de política de bem-estar e aqueles que são favoráveis à manutenção de incentivos ao esforço individual por meio da liberalização do mercado, estímulo à competição, à manutenção de baixos impostos e pequeno papel do Estado (NOEL; THERIEN, 2008).

A ascensão do pós-materialismo desde meados do século XX expandiu a atenção das pessoas sobre as questões econômicas para o sistema normativo, articulado na forma de movimentos sociais por mulheres, comunidades étnicas, minorias sexuais e outros grupos sociais que passaram a exigir reconhecimento, respeito e igualdade (BOBBIO, 1996; NOEL; THERIEN, 2008).

Nessas circunstâncias, os indivíduos com ideologias mais à esquerda, geralmente autoidentificados como defensores dos vulneráveis, são os mais propensos a adotar políticas de inclusão social, tais como o sistema de cotas, e a apoiar políticas liberais, como por exemplo, casamento entre pessoas do mesmo sexo e aborto.

Já os indivíduos localizados mais ideologicamente à direita, em defesa da ordem social e dos valores tradicionais (às vezes religiosos), geralmente demonstram maior rigidez contra criminosos, beneficiários da previdência, imigrantes ilegais e minorias sexuais (BOBBIO, 1996; MARQUES, 2019; NOEL; THERIEN, 2008).

Atualmente muitos pesquisadores acreditam que o rótulo esquerda- -direita opera como um atalho informativo, uma vez que fornece aos indivíduos uma orientação para entender os termos políticos e socioeconômicos, e ao mesmo tempo oferece aos políticos um meio de comunicação com o eleitorado (FREIRE; KIVISTIK, 2013; FUCHS; KLINGEMANN, 1990).

No Brasil, entretanto, ainda persistem o clientelismo e o personalismo político (LUCAS; SAMUELS, 2010; TELLES; STORNI, 2011). Alguns pesquisadores argumentam que falta uma identificação coerente e sólida da ideologia esquerda-direita entre o público brasileiro (AMES; SMITH, 2010; HOLZHACKER; BAL BACHEVSKY, 2007; MACIEL; ALARCON; GIMENES, 2018).

Outros, entretanto, acreditam que os brasileiros possuem um conhecimento abstrato suficiente do significado esquerda-direita que lhes permite um adequado posicionamento na escala ideológica, o qual, mesmo que não estruturado, reflete seu sistema de crenças (CARREIRÃO, 2002; SINGER, 1999).

Entretanto, a literatura aponta que brasileiros mais educados demonstram não só melhor habilidade da autoidentificação no espectro de esquerda e direita, mas também uma melhor compreensão dos termos (CARREIRÃO, 2002; FREIRE; KIVISTIK, 2013; FUCHS; KLINGEMANN, 1990; OLIVEIRA; TURGEON, 2015).

Este texto segue: https://downloads.fipe.org.br/publicacoes/bif/bif486-16-27.pdf

Miaofang Guan – Doutoranda de Relações Internacionais no IRI-USP
Marislei Nishijima – Professora Associada do IRI-USP.

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Redação

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