CiênciasColunistasDestaquesNacionalSaúdeSociedade

KitCovid Lucro Acima de Tudo

Qual é a verdadeira motivação por detrás do número impressionante de corporações, organizações, médicos e políticos em todo o mundo, que insitem em promover medicamentos não comprovados contra o Covid-19?

Mônica Picinnini

Londres, 18/02 de 2022.

2 Minutos

Talvez uma única palavra seja suficiente para descrever a razão por detrás dessa máquina de desinformação: lucro!

Apesar da comunidade científica internacional desaconselhar o uso de vários medicamentos, incluindo hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e corticosteróides contra a Covid-19, algumas corporações, organizações, médicos e políticos continuam a promover o uso desses medicamentos como tratamento precoce  contra a infecção por SARS-CoV-2 em muitas partes do mundo.

Desde que o mundo foi atingido por uma pandemia em 2020, muitas portas se abriram para fraudes, manipulação e disseminação de desinformação. Devemos retornar aos anos 70 e nos lembrar da fraude do autismo MMR (vacina tríplice), conduzida pelo médico britânico e ativista antivacina Andrew Wakefield, como um exemplo perfeito.

A intenção de Wakefield, semelhante a alguns dos recentes promotores de medicamentos Covid-19, foi orientada financeiramente, pois ele planejava desenvolver uma vacina substituta para a tríplice, bem como kits de teste que permitiriam aos médicos diagnosticar “entercolite autista”, com receita anual potencial de mais de  US$ 44 milhões. Wakefield agora vive nos EUA e se tornou uma potência de desinformação recebendo milhões de doadores milionários.

KitCovid Lucro Acima de Tudo
                                                             Drogas, venenos, propaganda e lucros. (Img. Internet)
As Drogas e as Instituições Questionáveis 

A cloroquina e a hidroxicloroquina são medicamentos autorizados para tratar a malária e algumas doenças autoimunes.  O Instituto Nacional de Saúde dos EUA, NIH, desaconselha o uso desses medicamentos tanto para tratamento ambulatorial quanto para profilaxia do Covid-19.

De acordo com a Agência Europeia de Medicamentos e o The Lancet, ambas as drogas são conhecidas por potencialmente causar problemas de ritmo cardíaco, incluindo taquicardia ventricular, fibrilação ventricular e morte, especialmente se combinadas com o antibiótico azitromicina.

A FDA, Admnistracao de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos, fez um anúncio em julho de 2020 revisando os problemas de segurança com o uso de hidroxicloroquina e cloroquina no tratamento de pacientes hospitalizados com Covid-19, incluindo relatos de problemas graves de ritmo cardíaco, distúrbios do sistema sanguíneo e linfático, lesões renais e problemas de fígado. Os efeitos colaterais desses medicamentos podem não apenas afetar o coração, o fígado e os rins, mas também causar reações adversas cutâneas e danos às células levando a convulsões.

A ivermectina é outro medicamento que está sendo promovido como tratamento precoce da Covid-19 em alguns países.  De acordo com as diretrizes publicadas pelo FDA em dezembro de 2021, a ivermectina só é aprovada, em doses muito específicas, para uso humano no tratamento de infecções causadas por alguns vermes parasitas, piolhos e doenças da pele como rosácea.

Algumas corporações e organizações nos EUA e no Brasil, apoiadas por médicos e políticos, continuam com a promoção desses medicamentos não comprovados contra a Covid-19. A FLCC Alliance (Front Line Covid-19 Critical Care) e Physicians for Life lançaram um protocolo, traduzido em várias línguas, promovendo a ivermectina, com o apoio do BIRD Group (o British Invermectin Recommendation Development).

O site da FLCC Alliance possui uma vasta quantidade de conteúdo, incluindo artigos, vídeos, gráficos, webinars, depoimentos, perguntas frequentes, declarações públicas, clube do livro, além de um link para uma página de doações e loja, tentando convencer a população  da eficácia desses medicamentos não comprovados contra o Covid-19.

Um promotor popular dessas drogas é Guo Wengui, também conhecido como Miles Kwok, um bilionário chinês exilado que é dono da G News (Guo Media) e cofundou o GTV Media Group com Steve Bannon em 2020. Guo é anti-vax e um dos principais orquestradores da rede de desinformação também promovendo o uso de tratamentos não comprovados para Covid-19, como invermectina, artemisina, hidrocloroquina, dexametasona e oxitetraciclina, entre outros medicamentos.

KitCovid Lucro Acima de Tudo
“Mas, para eles a sua vida vale muito (ou nada!)”– (Img. Internet)
Como Tudo Começou

Donald Trump foi talvez quem iniciou a promoção desses medicamentos assim que a pandemia nos atingiu em 2020. Nasceu o “Pai” da cloroquina. Logo após, o presidente do Brasil e admirador de longa data de Trump, Jair Bolsonaro, seguiu os passos de Trump quando o visitou em Mar-O-Lago em março de 2020. Desde então, a venda dessas drogas disparou no Brasil.

“Quando surgiu o primeiro obstáculo a Covid-19 ficou claro que o objetivo do governo não era uma solução técnica para o problema, mas sim política.  

Trabalho político para induzir as pessoas a não acreditarem na doença e voltarem ao trabalho, transformando o Brasil num caos total, e isso não estava de acordo com meus princípios”, disse o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, quando conversei com ele em fevereiro  2021. Bolsonaro demitiu Mandetta em abril de 2020, depois que ele se recusou a promover a cloroquina como tratamento para Covid-19.

Os medicamentos do “Kit Covid” continuam a ser prescritos, mesmo após a Organização Mundial de Saúde, OMS, ter declarado a sua ineficácia contra a Covid-19 em outubro de 2020.

Dinheiro público – O governo Bolsonaro gastou milhões de dólares produzindo, comprando e promovendo medicamentos como ivermectina, cloroquina e o antibiótico azitromicina, além de anticoagulantes, analgésicos e vitaminas.  O Ministério da Saúde do Brasil, juntamente com um grande número de médicos, endossou o uso desses medicamentos para tratar a Covid-19, embora não tenham comprovação de eficácia.

Segundo o The Lancet, um em cada quatro indivíduos no Brasil já tomou medicamentos do “Kit Covid”, inclusive por automedicação.  Dados do estudo “DETECTCoV-19” mostraram que a prevalência de infecção por SARS-CoV-2 foi 50% maior entre aqueles que se automedicaram como profilaxia para Covid-19.

Em 21 de janeiro de 2022, o Ministério da Saúde do Brasil divulgou um relatório, assinado pelo secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, Helio Angotti Neto, afirmando que a hidroxicloroquina foi eficaz no combate à Covid-19, não a vacina.  Em 04 de fevereiro, um grupo de médicos interpôs recurso contra a denúncia.

KitCovid Lucro Acima de Tudo
                  O Brasil já ultrapassou os 640 mil mortos (Img. Internet)

A Sociedade Brasileira de Virologia, SBV, fez a seguinte declaração em 22 de janeiro de 2022, logo após o Ministério da Saúde divulgar seu relatório:

“No terceiro ano da pandemia, muito se aprendeu, e não há mais espaço para insistências frívolas e infundadas, como a insistência em terapias baseadas na substituição dos medicamentos mencionados.

Essas conclusões, que desaprovam o uso do chamado “Covid Kit” para tratar a infecção causada pelo vírus SARS-CoV-2, causador da COVID19, foram definitivamente apresentadas por médicos especialistas brasileiros que formaram um grupo de trabalho para analisar a  impacto de seu uso para o tratamento da doença na tela”.

De acordo com dados de uma pesquisa realizada pela Globo, as notificações de efeitos adversos causados ​​pelos medicamentos “Covid Kit” aumentaram 558% em 2020, em relação ao ano anterior. Uma organização popular que promove o uso do “Kit Covid” contra o Covid-19 no Brasil é a plataforma Médicos pela Vida Covid-19, contendo um número impressionante de vídeos promovendo o “Kit Covid” e se opondo  a vacina Covid-19.

No seu site, os Médicos pela Vida Covid-1” afirmam que o seu objetivo é “tratar precocemente as pessoas afetadas pela covid-19, de forma a evitar que sejam hospitalizadas, entubadas e em risco de morte”.  Eles ainda têm médicos disponíveis por telefone e WhatsApp oferecendo prescrições para esses medicamentos.

A pandemia exacerbou rachaduras que já existiam em nossa sociedade, onde alguns “promotores” recebem uma plataforma aberta para espalhar sua retórica e desinformação, enganando a população e tentando os convencer a usar drogas não comprovadas contra o Covid-19.  A conta muitas vezes é paga a um custo muito alto, com sua própria saúde e, às vezes, suas vidas.

A pergunta que devemos nos fazer: quão barata a vida se tornou?

Mônica Picinnini

Compartilhar

Redação

ÆscolaLegal é um esforço coletivo de profissionais interessados em resgatar princípios básicos da Educação e traduzir informações sobre o universo multi e transdisciplinar que a envolve, com foco crescente em Educação 4.0 e além, Tecnologia/Inovação, Sustentabilidade, Ciências e Cultura Sistêmica. Publisher: Volmer Silva do Rêgo - MTb16640-85 SP - ABI 2264/SP