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Futebol X Crianças do Povo

O futebol é mais uma das construções sociais que roubam a infância das crianças e a vitalidade da juventude

 Jorge Tateishi

São Paulo, 14/12/2022

Construção social, de maneira simples, diz respeito a que as ações de homens e mulheres em sociedade produzem a partir delas próprias, conteúdos não existentes anteriormente. Portanto, sim tudo é sempre uma construção social, isso é um fato, mas a crítica aqui é quanto o futebol, como uma construção social, é usado como ferramenta. Manipulado por quem controla essa indústria e quais são os interesses econômicos e políticos para abusar emocionalmente as massas, reforçando o tempo todo a ideia de patrimônio cultural universal, explorando o interesse, a paixão enquanto reproduz um consenso e esconde o caráter classista e dominante.

É assim que o futebol se torna uma ferramenta para hegemonia da elite. Alcança todos os estratos sociais abaixo dela com a ajuda de aparelhos ideológicos como o sistema de ensino, a mídia, lazer, e todos os meios que difundem valores e conceitos.

A exploração infantil – Aqui não estou discutindo o perfil e a forma de como se extrai a mais valia do trabalhador do esporte, mas sim o caráter nefasto da exploração infantil deste tipo de atividade econômica que a sociedade, perigosamente, naturaliza. O Estado, a iniciativa privada e o terceiro setor apontam o esporte, em particular, o futebol, como prática saudável e importante para mobilidade social. Isso é como voltar à revolução industrial onde crianças eram obrigadas a cumprir jornadas de trabalho excruciantes, só que agora com uma promessa de um sucesso profissional duvidoso, são cafetinados pelos tais “olheiros”, e submetidas a testes e avaliações pelas quais uma ínfima parte passará e, talvez, alcance fama e estrelato.

A naturalização da exploração

Não há complexidade para enxergarmos isso, somente uma cegueira provocada pela ideia de “Brasil Pátria do Futebol”, principalmente provocada por eventos hipnóticos como a Copa do Mundo. Ali todos os aparelhos ideológicos e econômicos sobrecarregam os corações e mentes de forma incessante. Tudo vira Copa do Mundo, justifica a bebedeira, justifica a paralisação das atividades, justifica a violência e a gritaria. Assim, não notamos que para as milhares de crianças que são submetidas ao mercado futebolístico, aquele sucesso dos 23 atletas é uma ilusão distante e mesmo que se tornem jogadores profissionais, a maioria, estará nas divisões inferiores, ganhando pouco mais que um salário mínimo. Enquanto isso, a cadeia econômica do futebol tem uma movimentação equivalente a PIBs de muitos países e esta riqueza certamente será acumulada pelo 1% da humanidade.

Futebol X Crianças do Povo
Futebol deixou de ser um esporte há tempo. É só um negócio bilionário. (Img. Web)

Valores distorcidos para a juventude – Para piorar, muitos desses atletas de alto nível, que se originaram dos estratos mais baixos, foram seduzidos por ideias nada louváveis, veja o exemplo de ídolos como Neymar, as acusações de violência contra mulheres, fraude no imposto de renda.

Além disso joga na cara a ostentação do seu modo de vida, e é apoiador da extrema direita.

Lembre-se, ele se torna um exemplo que boa parte da juventude admira, inclusive seus companheiros de seleção. Sei que é agora que muitos pensarão em contra exemplos, mas foi a figura dele que os organizadores da Copa utilizaram em uma ampla e vasta divulgação.

As diversas facções da burguesia estão em permanente conflito. A elite econômica nunca foi e nunca será monolítica, bem como as massas exploradas, não fosse assim, os do andar de cima já teriam sucumbido. Porém, a burguesia por mais fraturada que esteja é capaz rapidamente de se organizar contra os de baixo. Controlam  várias organizações, desde a ONU ao FMI, sem contar organizações descaradamente antipovo como aquelas que organizam anualmente o Fórum Econômico Mundial, em um resort alugado em Davos, e destinado ao 1% da humanidade.

Coloco tudo isso no contexto para afirmar que a burguesia já não é revolucionária, ela se tornou a nobreza que tanto combateu e já não responde pelos avanços da humanidade, agora é tão tirana quanto foram os reis absolutistas.

Elite reinante é uma definição polêmica ainda, mas serve para tentar explicar a “burocracia” que se forma nos centros de poder, seja no Estado ou no sindicato de trabalhadores. Segundo Adriano Codato e Renato M. Perissinotto, no artigo Marxismo e elitismo: dois modelos antagônicos de análise social?, apresentado no GT “Marxismo e Ciências Sociais” durante o 32º Encontro Anual da Anpocs, em outubro de 2008:

“…o funcionamento do Estado capitalista deve ser explicado a partir dos vínculos objetivos (e não subjetivos, isto é, interpessoais) existentes entre essa instituição política e a estrutura de classes (Poulantzas, 1969(¹); logo, aqueles que controlam, dirigem ou ocupam os principais centros de poder do aparelho estatal (a “burocracia”), independentemente de sua origem social, crenças e motivações específicas, estão destinados, queiram ou não, a reproduzir a função objetiva do Estado, que consiste em manter a coesão social de uma determinada formação social (Poulantzas, 1971); isso seria válido mesmo em qualquer forma de regime político (democracia burguesa, ditadura militar, fascismo, estatismo autoritário), onde o pessoal que comanda a gestão política do Estado é sensivelmente diferente (Poulantzas, 1970, 1975, 1978). Conclui-se daí, portanto, que o problema central para o pesquisador de orientação marxista deve ser “que relações sociais de dominação o Estado reproduz?”, e não “quem decide?” ou “quem governa?”, sendo essas duas últimas questões menores ou mesmo desimportantes quando comparadas à primeira.

Este fenômeno, dentro do Estado também se reproduz nos partidos e nas organizações trabalhadoras, e foi analisado pelo sociólogo alemão Robert Michels (²), seu estudo gerou a obra Sociologia dos partidos políticos. Esta é a origem da elite reinante ou burocracia que servem o Estado, os partidos políticos e os sindicatos, independentemente da forma do regime reforçam a ideia de que o futebol é um patrimônio cultural do brasileiro, espaço proveitoso de construção de afetos, pertencimentos e do próprio debate político (sic), isto é, a mesma ladainha para justificar e defender esse mercado da exploração infantil.

A falta de compreensão desse fenômeno é um dos motivos para a descrença na política ou nas organizações políticas, em uma visão simplificada e ingênua é que surge a frase: “é tudo igual, quando chega lá esquece do povo”, o que mostra o quanto as massas não tem educação, principalmente em relação à política. É esta realidade imposta a qualquer ativista político, encontrar soluções para vencer a ignorância geral, e em particular, a cegueira política, a incapacidade de ser vigilante e crítico a ordem e valores estabelecidos.

Portanto, construções sociais como o mercado futebolístico, carrega em suas entranhas algo vil como exploração do trabalho infantil tornam-se indefensáveis. Nada justifica essa tirania com a infância de crianças, absolutamente nada, nem a diversão, o lazer ou o prazer.

Referências: https://crianca.mppr.mp.br/2014/08/11882,37/

(¹) – Filósofo e sociólogo grego Nicos Poulantzas foi aluno de Louis Althusser, do qual herdou uma interpretação do marxismo inovadora e controversa chamada de althusserianismo, com a qual rompe ulteriormente.
(²)Robert Michels (1876 – 1936) foi um sociólogo alemão radicado na Itália, ele analisou o comportamento político das elites intelectuais, tornando-se conhecido pela sua obra Sociologia dos partidos políticos (1915).

JorgeTateishi – Graduado em Comunicação Social pela Escola de Comunicação e Artes ECA/USP.

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Redação

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