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Chamas no Pantanal

Ao longo deste mês, incêndios violentos engolfaram o Pantanal no Brasil, uma das maiores zonas úmidas tropicais do mundo e lar de espécies ameaçadas e comunidades indígenas. Chamas no Pantanal: O Grito Silencioso da Natureza

Monica Piccinini

Londres, GB – 27/11/2023.

4 Minutos.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Sistema de Alarmes da LASA e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 1.272.050 hectares já sofreram devastação por incêndios neste ano, número três vezes maior que os incidentes registrados em 2022.

O diretor executivo do SOS Pantanal, Leonardo Gomes, descreveu a situação: “O tema do fogo persiste no Pantanal. Desde 2019, uma combinação de secas e as repercussões das alterações climáticas levaram ao surgimento de um número significativo de focos de calor em meados de Novembro, um mês que normalmente regista chuvas.”

Estendendo-se pelo Brasil, Paraguai e Bolívia, o Pantanal cobre um total estimado de 16 milhões de hectares. No Brasil, o Pantanal ocupa porções dos estados de Mato Grosso (35%) e Mato Grosso do Sul (65%).

Lá a vida selvagem é diversificada, com mais de 2.000 espécies de plantas, 174 mamíferos, 580 aves, 271 peixes, 131 répteis e 57 anfíbios. Entre seus habitantes estão inúmeras espécies vulneráveis ​​e ameaçadas de extinção, incluindo a ariranha, o tamanduá-bandeira, o tatu gigante, a anta brasileira e o maior papagaio do mundo, a arara-azul. Além disso, o Pantanal abriga a maior densidade de onças-pintadas do mundo.

Chamas no Pantanal
O leito barroso de um rio no Pantanal – secando. (Img. Gustavo Figueroa)

Luciana Leite, bióloga e ativista climática, mencionou que o Pantanal é um importante sumidouro de carbono, desempenhando papel fundamental na regulação do clima da América do Sul.

Seca, Calor, Fogo – sem bombeiros

Leite explicou: “Este ano enfrentamos uma seca atípica com aumento de temperaturas e ondas de calor e, como resultado, os incêndios voltaram.

A escassez de bombeiros, aeronaves, máquinas e conhecimentos especializados colocou desafios no combate aos incêndios, desde incêndios em áreas florestais do bioma até incêndios de turfa que podem persistir e reacender sem gestão e monitoramento pós-evento adequados.”

Nos verões de 2019 e 2020, o Pantanal sofreu escassez de chuvas, conforme indica estudo do climatologista José Marengo. Isto foi atribuído a uma diminuição no transporte do ar quente e úmido do verão da Amazônia para o Pantanal. Em vez disso, houve um domínio de massas de ar mais quentes e secas provenientes de latitudes subtropicais, levando a uma escassez de chuvas de verão durante o pico da estação das monções. Consequentemente, a região suportou períodos prolongados de secas severas.

Marengo descreveu os incêndios no Pantanal de 2019-2020: “Os incêndios causados, por um lado, pelo ar mais quente e pela falta de chuvas no Pantanal, e por outro, pela queima de áreas para limpar a vegetação para o gado pastar, resultaram em desastre ambiental”.

Steve Trent, fundador e CEO da Environmental Justice Foundation (EJF), comenta. “Embora grande parte da vida selvagem e dos ecossistemas do Pantanal tenham sido irrevogavelmente destruídos, ainda há tempo para resgatar o que resta. Temos feito campanha para que a UE alargue o âmbito da regulamentação sobre produtos livres de deflorestação. Isso para incluir ecossistemas preciosos para além das florestas, e proteger zonas úmidas como o Pantanal.

Devastação Total

“O desmatamento no Pantanal já está se acelerando, com 83% de uma categoria conhecida como “Outros Ecossistemas Naturais” desaparecendo entre 2020 e 2021 em comparação com o ano anterior. Regulamentações mais fortes da UE e do Brasil são cruciais para preservar o que resta do Pantanal.”

“Quanto do bioma precisamos perder para que o mundo veja o que está acontecendo? Em 2020, quase 30% do bioma Pantanal foi queimado. Viralizaram cenas de onças com as patas em carne viva, assim como a zombaria e o negacionismo do então presidente Jair Bolsonaro”, mencionou Leite.

Chamas no Pantanal
     O que as novelas globais da TV não mostram. (Img. Gustavo Figueroa)

“A sociedade civil organizada foi fundamental no combate aos incêndios, no resgate da fauna vitimada, no estabelecimento de pontos de abeberamento e alimentação para os animais que sobreviveram às chamas e enfrentaram a chamada ‘fome silenciosa’, atravessando paisagens dizimadas”, acrescentou.

Em 2020, os incêndios ceifaram a vida a mais de 17 milhões de vertebrados e libertaram 115,6 milhões de toneladas de CO2, excedendo as emissões de carbono da Bélgica nesse ano.

“Um dos fatores que contribuem para a rápida propagação do fogo é a perda de água superficial. Desde 1985, o Pantanal perdeu 74% de suas águas superficiais”, disse Leite.

Rodrigo Agostinho, presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ​​(Ibama), me contou sobre um dos problemas que afetam a região:

“O Pantanal enfrenta um conjunto de desafios, com suas terras enfrentando uma seca cada vez maior. A instalação de mais de 500 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) na bacia do Alto Paraguai (dados de 2018), fonte hídrica crucial para a região, alterou o ritmo natural das águas, dificultando o enchimento da várzea.”

Problemas acumulados

“No Pantanal, áreas remotas específicas passam por rápidas transições de inundação para secagem rápida, num período de aproximadamente dois meses, levando a incêndios que impossibilitam o acesso a esses locais. As condições desafiadoras nestas regiões de difícil acesso complicam ainda mais uma gestão eficaz”, explicou Gomes sobre a sua experiência.

Alguns meteorologistas atribuem o aumento dos incêndios ao fenômeno El Niño, intensificado pelas alterações climáticas. No entanto, os criadores de gado que procuram expandir as pastagens, uma atividade econômica intensa no Pantanal, podem ter iniciado um número substancial destes incêndios.

De acordo com relatório da Environmental Justice Foundation (EJF), uma área total de 751.249,6 hectares de florestas, cerrados, pastagens e formações pantanais no Pantanal foram convertidas em pastagens entre 2010 e 2021. A população total estimada de bovinos no Pantanal brasileiro é de 3,8 milhões de animais.

Entre 2019 e 2022, uma área equivalente ao tamanho de Barcelona foi desmatada no Pantanal. Infelizmente, esta situação tende a piorar, agravada pelo El Niño, pelas alterações climáticas e pela expansão do agronegócio.

Aproximadamente 12% da vegetação nativa do Pantanal desapareceu devido ao crescimento da pecuária e das práticas agrícolas.

Agostinho mencionou: “Embora o Pantanal continue sendo o bioma mais conservado do Brasil, as taxas de desmatamento aumentaram. A umidade reduzida levou os proprietários de terras a transferirem os seus investimentos para a agricultura.

“As terras no Pantanal estão sendo vendidas a preços mais baixos em comparação com outras partes de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Nas zonas mais úmidas, os proprietários estão direcionando os investimentos para esforços de drenagem para converter terras em áreas cultivadas”, acrescentou.

Descuidos, desregulamentação e fiscalização insuficiente

Steve Trent mencionou: “A carne que comemos, do Reino Unido à Itália, poderia ser fornecida pelos fazendeiros responsáveis ​​por provocar esses incêndios destrutivos. Isto significa que a comunidade internacional tem a responsabilidade – mas também a capacidade – de impedir as queimadas do Pantanal. É hora de mais regulamentação, inclusive sobre direitos humanos obrigatórios e devida diligência ambiental, e melhorar e cumprir os compromissos climáticos internacionais.”

As comunidades locais e indígenas também sofrem, pois as suas terras foram completamente destruídas pelos incêndios. Pelo menos 90% da terra indígena Guató, localizada no oeste do estado de Mato Grosso do Sul, foi queimada pelas queimadas de 2020.

Este ano, os incêndios atingiram quintais de pousadas da região e muito próximos de comunidades ribeirinhas.

“Em abril, realizamos um amplo planejamento de prevenção e combate a incêndios no Pantanal, aumentando significativamente o numero de bombeiros. A combinação do El Niño e do aumento do aquecimento climático formou uma mistura explosiva. Sem os nossos preparativos proativos, a magnitude do desastre teria sido muito mais significativa”, referiu Agostinho.

“O Pantanal, com menos de 5% de sua área protegida, se destaca como um dos biomas que necessitam de Unidades de Conservação (UCs) de urgência. Em audiência de conciliação, realizada em março, foi expedido mandato para a Polícia Estadual de Educação Ambiental (PEEA) desenvolver um plano de gestão no prazo de 90 dias.

Conflito Político

“A omissão do governo de Mato Grosso em promulgar um plano contendo diretrizes para prevenção e controle de incêndios constitui descumprimento de ordem judicial”, explicou Leite.

A maior parte do Pantanal permanece sem proteção, designada como terras privadas, e carece de políticas direcionadas para combater o desmatamento associado à pecuária e à produção de soja. Em 2015, foi promulgado um decreto no estado de Mato Grosso do Sul, legalizando a pecuária dentro de Áreas de Proteção Permanente (APPs).

Em agosto de 2022, projeto de lei semelhante foi sancionado pelo estado de Mato Grosso, referendando a utilização de Áreas Protegidas Permanentes (APPs) e Reservas Legais (RLs) para a pecuária no bioma Pantanal.

“Também estamos testemunhando uma grave questão política centrada em uma disputa jurisdicional. Os bombeiros de Mato Grosso se comunicaram formalmente com o governo federal, expressando que seus esforços não eram bem-vindos. Consequentemente, 40% do Parque Estadual Encontro das Águas acabou em chamas e destruído”, disse Leite.

Chamas no Pantanal
Estradas abertas que levam ao fim? (Img. Gustavo Figueroa)

Gomes destacou suas preocupações: “Há uma necessidade imediata de um planejamento mais robusto e de maior colaboração entre os governos federal e estadual.

A coordenação e cooperação entre órgãos, incluindo o Ibama, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Corpo de Bombeiros, devem ser ainda mais fortalecidas.

“Além disso, há necessidade de melhorias nas inspeções de campo, de conhecimentos especializados para identificar a causa raiz dos incêndios e da implementação de políticas de gestão abrangentes.

Negócios suspeitos

“Outro ponto de frustração é o fracasso das Unidades de Conservação (UCs) em dar exemplo positivo. Alguns parques estaduais, apesar de terem um potencial significativo de receitas financeiras, carecem do investimento necessário. Com isso, combater incêndios nesses parques torna-se uma tarefa quase impossível”, acrescentou Gomes.

Um ponto de vista notável e desconcertante articulado e defendido por muitas figuras locais gira em torno da ideia de que algumas autoridades locais procrastinam deliberadamente o controlo dos incêndios florestais.

A hipótese sugere que tais atrasos servem um propósito tático, permitindo às autoridades declarar o estado de emergência. Este movimento estratégico permite-lhes alocar recursos sem serem limitados pelos habituais processos burocráticos e de licitação exigidos em “tempos normais”. Este fenômeno é conhecido como “a indústria do fogo”.

Iniciativa de Prevenção de Incêndios

Liana O. Anderson, bióloga e pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), compartilhou comigo algumas informações sobre alguns projetos interessantes focados na prevenção de incêndios.

O primeiro projeto é o Climate Science for Service Partnership (CSSP) Brasil, em colaboração com o MetOffice, cujos resultados estão disponíveis no site do VIEWpoint. Como um dos componentes deste projeto, desenvolveram uma probabilidade de incêndios com até três meses de antecedência, o que indica áreas prioritárias. Serve como uma fonte valiosa de informações para orientar os esforços de planejamento para prevenir proativamente desastres causados ​​por incêndios.

“Esse produto ajuda e mostra quando as condições tendem a piorar, desencadeando as mobilizações necessárias”, disse Liana.

Outro projeto interessante associado à prevenção de incêndios envolve o lançamento do livro educativo intitulado “É Fogo!”, destinado a profissionais da educação e adaptado a escolas, associações e organizações interessadas em desenvolver atividades relacionadas com a compreensão e prevenção dos riscos e impactos dos incêndios. Liana explicou:

“O objetivo principal é converter as instituições locais em mini “Cemadens”, servindo como pequenas unidades de pesquisa equipadas com metodologias científicas personalizadas para o público em geral. Estas unidades destinam-se especificamente a crianças e jovens, capacitando-os para a geração de dados e informações. Através deste processo, o objetivo é criar consciência, competências de autoproteção e capacidades reflexivas.

Educar para prevenir o desastre

“Estou confiante de que essas ferramentas preventivas poderão reverter gradativamente os cenários de incêndios generalizados no país. Esses esforços são dedicados a educar e informar indivíduos e instituições, ao mesmo tempo gerar informações científicas para apoiar a tomada de decisões informadas”, acrescentou Liana.

Marengo, coordenador geral de pesquisa do Cemaden, compartilhou seus insights por meio dos resultados de seus estudos. Ele mencionou que a expansão da agricultura, da pecuária, da pesca e do turismo deve seguir práticas sustentáveis ​​para garantir a preservação do Pantanal. Se a atual trajetória das práticas climáticas e de gestão territorial continuar, o Pantanal correrá o risco de desaparecer. 

Chamas no Pantanal
       Ameaçado de extinção, Lobo Guará, no Pantanal. (Img. Web)

Ele sugeriu que a adoção de políticas antiambientais pode exacerbar esta situação. Os profundos impactos das alterações climáticas são sentidos principalmente nos ecossistemas frágeis e nas comunidades mais empobrecidas do mundo.

Para evitar consequências catastróficas, é imperativa uma ação global urgente nas próximas décadas, exigindo mudanças drásticas até 2050, em alinhamento com os objetivos delineados no Acordo de Paris.

Trent transmite uma mensagem ao Brasil e à comunidade global: “Ações coletivas deveriam ter sido tomadas há anos atrás para proteger esta zona úmida única, mas não é tarde demais.

Agora é o momento para os líderes globais intensificarem e fazerem o que for necessário para cumprir os seus compromissos climáticos, encerrando a crise climática antes que ecossistemas cruciais como o Pantanal desapareçam para sempre.”

Monica Piccinini – Jornalista Ambiental – Londres

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Redação

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