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Amazônia 2023 – Atípico

Amazônia 2023: um ano atípico que nos alerta sobre as drásticas mudanças climáticas e suas consequências. O pesquisador Gleycon Silva, com suporte da doutora bióloga-entomologista Tatiana Ramos, nos contam das situações e dos perigos em consequência das ações humanas predatórias aliadas aos fenômenos naturais.

Gleycon Silva e Tatiana de Oliveira Ramos

Manaus, 03/01/2024

3,4 Minutos

O ano de 2023 deixou muitas marcas para o povo amazônida e para todos que aqui estão, seja para pessoas que estão a negócio, lazer ou realizarem suas respectivas pesquisas científicas. Desde 2022 já havia uma expectativa que 2023 seria um ano com menos chuva e mais calor devido o fenômeno El Niño. Entretanto, a situação foi pior do que muitos imaginavam, afinal, além da onda de calor, houve intensas queimadas na Amazônia que dificultaram ainda mais a formação de nuvens e com isso choveu bem menos do que o esperado.

Diante isso, em diversos pontos do estado do Amazonas foram registradas marcas históricas de secas. Comunidades inteiras ficaram isoladas, ribeirinhos que dependem das águas para terem seu sustento passaram fome, sem opção de pesca. Além desses efeitos socioeconômicos, ocorrerem surtos de doenças em algumas comunidades devido à falta de higiene básica. Faltou água para lavar as mãos, e a água de consumo era de péssima qualidade!

Somado a isso, houve por vários dias seguidos muita fumaça nas cidades, principalmente em Manaus, capital do estado de Amazonas. Muitos idosos e crianças sofreram com a má qualidade de ar, e em alguns dias a situação era tão caótica, que a capital registrava um dos piores índices de qualidade de ar do planeta! Não estávamos vivendo a Pandemia do Covid 19, mas as máscaras voltaram a ser um acessório necessário e os mascaradas voltaram as ruas, afim de se proteger da fumaça.

Cenário assustador

É inacreditável imaginar que uma cidade da Amazônia, o bioma mais biodiverso e um dos mais úmidos da Terra chegaria a registrar os piores índices de qualidade de ar do planeta! Só estando aqui para sentir na pele e no pulmão o horror que foi passar por tudo aquilo. Foi muito triste pensar que havia inúmeras pessoas em situação de rua sem abrigo que enfrentaram toda essa situação sem o suporte adequado do Estado.

As semanas passaram lentamente, parecia que não teria fim, era como se fosse o Apocalipse. Da janela de casa podíamos observar a nuvem de fumaça. O clima estava tão sufocante que os banhos gelados ficaram quentes e foi necessário evitar tomar banho nos horários mais quentes do dia (entre 11 e 15:00h). Nossa esperança era que a noite ficasse mais fresca e melhorasse a qualidade do ar respirável, o que não ocorreu. Uma enorme frustração!

Para os apreciadores das atividades físicas e/ou estar ao ar livre, por um período foram obrigados a dar uma pausa e/ou reduzir suas atividades. Eu inclusive. Passávamos grande parte do dia trancados em casa ou no trabalho com tudo fechado, tentando umedecer o ambiente. A noite, momento em que estávamos acostumados ao lazer no período mais fresco do dia, tínhamos que nos manter em confinamento.

Pressão e angústia
Amazônia 2023- Atípico
      Construções abandonadas pelos ribeirinhos (Foto: Gleycon Silva)

Tornou-se quase impossível caminhar/correr e respirar aquele ar quente, cheio da fuligem das queimadas no entorno da capital Manaus. Isso não afetou “apenas” a saúde física, mas a saúde mental também.

Além de passar o dia e a noite toda em ambientes fechados, havia a grande preocupação de quando a situação realmente iria melhorar.

Viajando e navegando pelos Rio Madeira e Rio Amazonas, era triste observar como os níveis de água estavam baixo em alguns trechos.

Não cheguei a passar pela região onde houve grande mortandade de peixes e botos, mas é inacreditável navegar pela Bacia Amazonas e ver bancos de areias, ver as ilhas que se formaram devido a seca…

Era de cortar o coração ver nossa linda Amazônia sem água. Em muitos locais as pessoas tiveram que abandonar suas casas conforme consegui registrar em alguns trechos dos rios durante minhas viagens para o interior.

Amazônia 2023- Atípico
     Bancos de areia surgem nas secas do rio Amazonas (Foto: Gleycon Silva)
Revelações e surpresas curiosas

Apesar disso tudo, houve um fato interessante nesse período. A seca no Rio Negro revelou artes rupestres em rochas na cidade de Manaus. Segundo especialistas, elas datam de cerca de 2000 anos!

Tive a feliz oportunidade de ir ver pessoalmente essas gravuras rupestres e fiquei muito emocionado. Estar em uma floração rochosa na qual, há milhares de anos, nossos ancestrais registraram um pouco de suas vidas.

Pude ao mesmo tempo refletir muito sobre a estrutura da paisagem.

Naquele local há milhares de anos um povo viveu ali. Ou seja, em algum momento aconteceu uma seca igual ou pior do que essa de 2023. Ou então, especulo, não havia água naquele local… Não tem como afirmar isso sem estudos mais aprofundados, mas fiquei refletindo muito sobre essa ocupação do território e imaginando diversos cenários para que um povo pudesse viver naquele local.

Gravuras – outros tempos

As gravuras representavam momentos em família e com rostos felizes. Algumas esferas esculpidas, havia animais (o que pode representar a caça ou as divindades daquele povo), enfim, nas imagens abaixo é possível vislumbrar um pouco dos surpreendentes registros de época naquelas rochas.

Registro de animais terrestres (Fotos: Gleycon Silva)
A seca revelou registros humanos da quase 2000 mil anos

 

Revelações da seca. (na foto: Gelycon Silva)
Momento de refletir seriamente 

Com tudo isso é importante refletirmos sobre nossas ações, e por mais que o planeta sofra por seus fenômenos naturais, sempre em constante movimento e transformação, temos que compreender as nossas ações e interferências nas condições naturais de mudanças.

Por exemplo, o fenômeno El Niño não está sob  nosso controle, mas se não tivessem as queimadas durante o período mais seco e quente, será que a chuva teria atrasado tanto como atrasou nesse ano? Será que a seca seria menos intensa?

Enfim, são questões sobre as quais devemos pensar muito. Ter consciência que estamos afetando o clima de uma forma que a qualquer momento pode ser irreversível e agir contra ao chegarmos a um ponto de inflexão. Segundo especialistas e registros históricos, no Amazonas, sempre que há uma seca drástica, nos próximos anos ocorrem enchentes drásticas.

Agir com eficácia.

Portanto, é sinal que de alguma forma a natureza busca se  reequilibrar. Contudo, até que ponto isso vai de fato acontecer? E os ribeirinhos dependentes de tudo que os rios fornecem? E nós que estamos nos grandes centros urbanos (mesmo distantes), como seremos afetados com a falta de recursos naturais?

Precisamos refletir e mudar nossas atitudes já. Assim, não basta somente cobrarmos nossos políticos (muito importante!) e querermos culpar e apontar o dedo, a mudança também está em nós, cada um tem o dever de cuidar do nosso planeta e passar adiante essa conscientização. Até porque juntos somos mais fortes!

Gleycon Silva – Gestor Ambiental – Doutorando em Ecologia – INPA

Tatiana de Oliveira Ramos – Bióloga – Doutora em Entomologia Agrícola pela UNESP

 

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Redação

ÆscolaLegal é um esforço coletivo de profissionais interessados em resgatar princípios básicos da Educação e traduzir informações sobre o universo multi e transdisciplinar que a envolve, com foco crescente em Educação 4.0 e além, Tecnologia/Inovação, Sustentabilidade, Ciências e Cultura Sistêmica. Publisher: Volmer Silva do Rêgo - MTb16640-85 SP - ABI 2264/SP

2 thoughts on “Amazônia 2023 – Atípico

  • ARNALDO DOS SANTOS RODRIGUES

    Evidente que não há grandes novidades com relação às mudanças bruscas entre secas e enchentes, elas já existiam como estudos podem revelar. No entanto a intensidade e a rapidez pode ser indicativo de problemas maiores para as próximas décadas. Um dos dados que temos que adicionar à análise que fazemos sobre o prejuízo para as populações locais, tradicionais, ou tradicionais dos últimos 50 anos (cic), tem que levar em conta a população da Amazônia e a forma como a região foi ocupada. Vejamos dados populacionais de 1950 até 2007, IBGE, (não quis me aprofundar no assunto, apenas para ilustrar o comentário), houve um crescimento da população apontando para problemas: de aproximadamente 3,8 milhões em 1950, passa para 21 milhões em 2000, e em 20007 para 23,55 milhões de habitantes. Outro dado interessante é que a população ribeirinha tem ocupado cada vez mais locais que não deveriam ser habitados. As secas não são novidades, dados interessantes sobre o assunto podem ser conferidos em um livro de fácil leitura: “Secas na Amazônia: causas e consequências”, BORMA, L. S.; NOBRE, C.(organizadores), São Paulo: Oficina de Textos, 2013. As secas devem piorar e ocorrerão em espaços menores entre elas e as cheias, essas previsões são relativamente antigas. Isso não quer dizer muito sobre a responsabilidade de ocupação daquelas áreas, conhecemos a história de ocupação da Amazônia desde 1540 e sabemos que a situação dessa região tende a piorar, principalmente quando se somam vários fatores, além do desordenamento temos os fatores naturais do meio ambiente, El Ninho comungado com os efeitos do consumismo e o uso de combustíveis fósseis, desmatamento, aquecimento global e por aí vai. No entanto, apenas para chamar a atenção sobre a preocupação da população local, relacionando seus costumes à condição que se relacionam com a natureza, um dado interessante: em todas as imagens que vi das secar dos rios, das palafitas, das moradias próximas aos diferentes corpos d’água e dos leitos secos, das matas próximas aos rios…, o que mais me chamou a atenção foi a quantidade de lixo, principalmente resíduos plásticos, no entorno das moradias ou proximidades, nas praias e áreas que são alagadas nas cheias. Esses costumes colaboram mais para a destruição do ambiente e a perda da biodiversidade do que se menciona nas diversas reportagens que fazem parte da divulgação do fenômeno da seca. A estiagem pode ser maior ou menor, as águas retornam nas cheias, com maior ou menor intensidade, mas o lixo, os resíduos da população ribeirinha estará lá ou será carreada para a fós dos rios, grande parte acaba no oceano. Já que não temos a água, a possibilidade de limpeza local é mais fácil e poderia ser uma contribuição importante para a biodiversidade. Não existe muito de “natural” em “morar na natureza” e jogar o seu lixo pela janela, no rio… Não é natural encontrar toneladas de embalagens plásticas espalhadas por todo leito seco de um rio, envolta da moradia de ribeirinhos ou qualquer outra habitação humana. Essa contradição revela muito mais do que a seca atingindo a população, talvez precisássemos olhar para a realidade com mais clareza a curto e médio prazos. Também, não adianta apenas colocar a culpa em governos, é lógico que são os principais responsáveis por uma ocupação desordenada e pela educação pífia que a própria população tem, mas faz parte do jogo do poder, “a ignorância garante os muros do burgo”. Todas as coisas estão ligadas como uma corrente, cada elo depende do outro, isso nos leva a projetar que as secas devem ser mais consistentes, as cheias devem ser mais rápidas e talvez mais destruidoras, e o lixo também vai aumentar. Fico admirado de ver que nunca se fala dessa característica alarmante dos resíduos que dão um colorido de terror às margens dos rios e edificações, pois independente da população ficar ou sair desses locais, o lixo plástico que elas produzem, vai permanecer por 4 ou 6 séculos, in memória dessa ocupação, além de se arrastar por centenas de Km bem longe do seus donos. Vai estar na alimentação da fauna e com o passar do tempo em todos os locais, de grandes embalagens se tornarão nano resíduos e farão parte do DNA da flora e fauna, evidente fazemos parte disso tudo! Por mais romântico que podemos ser, não podemos ser insensíveis a ponto não enxergar, não sentir, não pensar! Não é mesmo Gleycon Silva e Tatiana de Oliveira Ramos?

    • Ótimo comentário profº Arnaldo. A questão do lixo, notadamente os resíduos plásticos (derivados de petróleo), está se tornando (pela acumulação rápida e crescente há décadas, nas 4 últimas, pelo menos) assustadora e preocupante do ponto de vista da saúde do meio ambiente e dos humanos, consequentemente. Urgem, por isso mesmo, medidas educativas, preventivas e ações urgentes para a questão. Governos, empresas e instituições que se dizem responsáveis devem ser chamadas à luta. Porque parece estranho reivindicar saúde e qualidade ambiental enquanto se fabrica, distribui e deposita lixo tóxico não degradável nos rios ou em qualquer outro lugar do planeta.

Fechado para comentários.