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Desigualdade – Democracia a Esfera Política

As políticas públicas exercem um impacto significativo na distribuição de bens e recursos na sociedade. Na Democracia elas se fortalecem na esfera política popular.

Luiz César Fernandes

Rio de Janeiro, RJ – 15/03/2024

4,3 minutos.

Apesar do conceito de democracia ser amplo, Post (2006) a define como uma forma de governo que visa alcançar a autodeterminação coletiva. Na conjuntura atual, onde as sociedades se tornam cada vez mais heterogêneas, há uma ampla diversidade de identidades, valores, objetivos e visões de mundo, associados a interesses materiais e simbólicos distintos e, muitas vezes, contraditórios.

Por assim, uma sociedade democrática não é aquela onde os conflitos estão ausentes, mas sim aquela onde eles são expostos, processados e resolvidos pacificamente no âmbito das instituições políticas e de acordo com as regras estabelecidas.

Os conflitos são expostos, debatidos e resolvidos por meio de processos democráticos, como eleições livres, liberdade de expressão e respeito aos direitos individuais. Em vez de eliminar os conflitos, a democracia busca canalizá-los de forma construtiva, garantindo a participação de todos os cidadãos e buscando soluções que promovam o bem comum.

A democracia tem uma relação complexa com a igualdade, sendo essa relação estabelecida por meio das políticas públicas, haja vista que é por meio destas que as sociedades podem expressar as decisões coletivas e abordar questões de interesse público.

Exercícios de equilíbrio de poder

Posto isso, é razoável supor que num país democrático o governo seja capaz de conter o crescimento da desigualdade econômica e social através de políticas públicas que redistribuam a renda e desconcentrem a riqueza. As políticas públicas exercem um impacto significativo na distribuição de bens e recursos na sociedade. Logo, para garantir o bom funcionamento da democracia, é crucial reduzir a desigualdade, uma vez que ela afeta os mecanismos de checks and balances.

Como bem observado em “As inequality grows, so does the political influence of the rich, o crescimento da desigualdade tende a aumentar o poder político dos ricos, o que lhes permite “bloquear” a concretização da vontade popular.

Desigualdade - Democracia a Esfera Política
                                Mapa da desigualdade-nova pobreza no Brasil. (Img Web)

Dito de outro modo, conforme a desigualdade aumenta, cresce também a influência que os grandes lobbies exercem na arena política, influenciando, particularmente, a direção das políticas públicas no sentido de que estas atestem para a concentração da renda e da riqueza, com o simples objetivo de manter o status quo da classe detentora do capital.

Essa classe, por deter o poder econômico, molda a opinião pública conforme seus interesses particulares, por meio, por exemplo, do financiamento de campanhas políticas, de investimentos em empresas de publicidades e jornais.

Desigualdade, democracia e a esfera da política

Por essa razão, quanto mais ampla e inclusiva for a participação dos cidadãos nos processos políticos e eleitorais, maior a pressão para que as políticas públicas funcionem como um contraponto às tendências concentradoras de renda, da riqueza e de oportunidades do mercado.

Entretanto, o contraponto às tendências concentradoras pré-estabelecidas não é o que ocorre no mundo real, visto que o poder de influência sobre as políticas públicas não é igual entre todos os cidadãos e nem entre os lobbies, principalmente em países com governos liberais (Mendes, 2009; Oliveira & Gonçalves, 2022; Lopez & Praça, 2018; Davidson, 2017; Testa, 2017)

No Brasil, o debate sobre as desigualdades voltou à tona após a eleição do atual governo Lula. A crise econômica que teve início em 2015, sincrônico ao Golpe Parlamentar de 2015/2016, interrompeu o progresso na redução da disparidade de renda, decorrente da retomada da ideologia liberal dos governos Temer e Bolsonaro.

Em ambos os governos, os grupos de sustentação política incluíam a elite rentista, o mercado financeiro, o agronegócio, o grande empresariado e as multinacionais. Para atendê-los, as medidas de austeridade fiscal determinaram o rumo desde o início. Isso incluiu a Emenda Constitucional 95/2016 (Teto de Despesas), a qual reduziu o orçamento público destinado às políticas sociais. Essas políticas desempenharam um papel crucial na redução dos indicadores de desigualdade na primeira década e meia do século XXI.

Desigualdade - Democracia a Esfera Política
Túnel que separa Copacabana e o Morro do RJ. (Img. do Autor)

Em 2018, último ano do Governo Temer, o Brasil destacou por sua estagnação na distribuição de renda pela primeira vez desde o início dos anos 2000.

Políticas de Achatamento

Entre 2016 e 2017, a metade mais pobre da população teve uma retração de 1,6% de seus rendimentos e os 10% mais ricos tiveram crescimento de 2% em seus rendimentos.

Com isso, nos anos subsequentes, à medida que a crise econômica persistia e as políticas de austeridade fiscal reduziam os gastos sociais, essa situação piorou devido ao aumento do desemprego e à suspensão de políticas como a do aumento real do salário-mínimo.

O governo Temer promoveu mais de 200 mudanças na CLT por meio da aprovação de sua reforma trabalhista, que resultou em uma considerável redução na renda e na precarização do trabalho.

A partir de 2019, o então governo Bolsonaro eliminou 93% dos conselhos de políticas participativas vinculados à administração federal, caracterizando um claro ataque à participação cívica, à transparência e ao controle social sobre as políticas públicas.

Nesse desmonte do Estado e das políticas públicas, estavam incluídos conselhos que tradicionalmente tratavam de questões como segurança alimentar, trabalho digno, políticas contras as drogas, políticas para pessoas com deficiência, seguridade social e bem-estar, entre outras.

Adicionalmente, o governo promoveu alterações nas regras de acesso aos benefícios do Bolsa Família, resultando na exclusão de um milhão de beneficiados em um ano. Também implementou políticas econômicas que beneficiaram as elites.  Diminuiu os impostos para empresas e indivíduos de alta renda e a concessão de isenções tributárias ao setor agropecuário e a grandes empresários de setores específicos. 

Eram todos associados aos partidos políticos que compunham sua base de sustentação no Congresso, atendendo às pautas de seus interesses. Para complementar sua estratégia de desmantelamento social, realizou cortes no orçamento da educação e da saúde.

Retomando as ações de crescimento

Em 2023, Lula inicia seu terceiro mandato, enfatizando em seus discursos seu compromisso de combater a desigualdade e suas sequelas.

Dá-se reinício às políticas de reindustrialização, acompanhadas pelo aumento do salário real, buscando reduzir a desigualdade e a pobreza sistêmica.

Portanto, há uma retomada das políticas sociais, com ampliação de projetos direcionados aos mais vulneráveis.

Entre as políticas: a ampliação do valor e do atendimento a população através do Bolsa Família, o retorno do programa Mais Médicos, reajustes nas bolsas de pesquisas. Elevação do salário-mínimo real, retorno dos programas Minha Casa Minha Vida, Farmácia Popular, Luz para Todos. Além disso, para melhorar a infraestrutura do Brasil, no intuito de reduzir as desigualdades e acelerar o crescimento econômico, relança o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Apesar do retorno a essa “nova” agenda de políticas públicas, no âmbito econômico o governo caminha numa linha tênue entre o liberalismo e a heterodoxia, devido à falta de maioria no Congresso, o que limita sua capacidade de desvincular-se das políticas econômicas liberais.

Políticas Públicas

Em síntese, a adoção de políticas públicas é o meio mais eficaz para combater as desigualdades econômicas e sociais, especialmente num contexto que combina crises econômicas (Breunig & Rose, 2019; Boarini et al, 2018; United Nations, 2019; IMF, 2019; Council, 2023; United Nations Research, 2010). A redução da desigualdade na representação política é fundamental para ampliar a presença e a participação das pessoas as margens da sociedade nos espaços de decisão e poder.

Entretanto, não se pode deixar de entender que a criação de uma sociedade mais igualitária não está apenas ligada ao aspecto econômico, mas principalmente à esfera da política. Desta maneira, é nessa esfera que ocorre um impasse nas relações de forças sociais, direcionando a formulação e implementação de políticas públicas voltadas para a redistribuição de renda e desconcentração da riqueza.

Portanto, quando a política deixa de atender aos anseios da população, o aparato estatal se torna meramente um instrumento da classe dominante, e a representação democrática se torna um mecanismo inoperante e ineficaz para promover a mobilidade social.

Luiz Cesar Fernandes – Profº Dr. Economia e Gestão Pública

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Redação

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