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Jejum – Metabolismo e Saúde

Esta opção existe e em algumas culturas e religiões o jejum é tido como uma condição capaz de purificar e renovar o corpo e a mente, assim como de elevar o espírito e serenar a alma.

Jair Rodrigues Garcia Jr.

São Paulo, 05/11 de 2020.

2 Minutos

Você já fez ou ficou em jejum? Sim, certamente sim! Talvez sem saber. Fisiologicamente, o que representa o jejum? Pode ser benéfico ou é sempre prejudicial?

Tecnicamente, quanto à alimentação, vivemos duas situações diariamente: estado alimentado e estado de jejum. O estado alimentado ocorre, obviamente, após cada refeição, quando ocorrem os processos de digestão, absorção, metabolismo e armazenamento dos nutrientes.

O período é, em média de 2-4 h, dependendo da quantidade de alimentos e teor da refeição. O estado de jejum inicia, em média, após 4h da última refeição, quanto todos os nutrientes consumidos já foram absorvidos no intestino, utilizados ou armazenados pelas diversas células.

Um indicativo de início do jejum é a normalização da glicemia (glicose no sangue), depois de seu aumento provocado pela refeição. No período de jejum, como não há fornecimento de nutrientes externos, o corpo tem que se utilizar das reservas para manter seu funcionamento.

Por que a afirmação acima de que certamente você já ficou em jejum? É simples, pois você faz sua última refeição do dia às 20h, 22h ou até um pouco mais tarde e passa por um período de sono e sem alimentação de 7 a 8h, em média.

Tecnicamente um jejum. Esse é o jejum regular. Fisiologicamente, neste período são secretados hormônios responsáveis por quebrar e mobilizar as reservas de glicose e de gorduras para utilização pelas diversas células.

Como mecanismo redundante e até de segurança contra a falta de combustíveis para as células, são também produzidos combustíveis como a própria glicose e os corpos cetônicos.

Portanto, o jejum é uma condição cetogênica, assim como aquela provocada pelas dietas low carb (leia também “Dieta sem carboidratos: como seu corpo suporta essa restrição”).

Fig.1 Tabele da jejum (img. do autor)

O jejum prolongado que dura dias ou semanas acontece com pessoas sem acesso a alimentos, seja por condições sócio-econômicas ou situações políticas de guerras, emigração etc.

Acontece também voluntariamente por motivações culturais, religiosas ou políticas (ex. greve de fome). O jejum intermitente, que está na moda atualmente, pode ser considerado uma extensão do jejum regular (noturno e matutino), completando 12, 14, 16 e até 24 h sem refeições.

Após um período destes, é realizada 1, 2 a 3 refeições dentro de um intervalo de poucas horas e o novo período de jejum se inicia. Algumas pessoas seguem essa rotina diariamente e outros o fazem alguns dias da semana (Figura).

Apesar de o jejum intermitente ser um modismo atual, ele é estudado desde o final da década de 1940, tendo sido também bastante estudado na USP na década de 1980, e denominado de esquema de alimentação limitada (meal-feeding scheme)

Portanto, nenhuma novidade no mundo científico. Em termos de “limpeza e desintoxicação do corpo” (ingestão apenas de água), não é o jejum que faz isso, mas sim os sistemas fisiológicos, independentemente de jejuar ou não.

Porém, o jejum de até um dia (fasting) e o jejum de dias ou semanas (starvation) teve um “grande laboratório” durante a Segunda Guerra Mundial (década de 1940) em indivíduos que involuntariamente permaneciam em jejum.

Em termos de emagrecimento, o jejum prolongado ou intermitente não são estratégias eficientes se não houver déficit calórico e adequação do teor dos alimentos que são consumidos nas refeições.

Dependendo do período de jejum e do teor das refeições (pobre em carboidratos, por exemplo), a perda de peso é ilusória, pois há considerável perda de água ao longo de uma a duas semanas.

Em termos de prevenção das doenças crônicas, saúde e longevidade, as estratégias nutricionais de restrição calórica (“Restrição calórica pode modular sua saúde”) e de jejum intermitente parecem ter efeito positivo em proteínas que funcionam como sensores da disponibilidade de energia no corpo (caso da proteína quinase ativada por AMP – AMPK) e que controlam a velocidade e qualidade do processo fisiológico de envelhecimento (caso das proteínas sirtuínas).

Só faz bem

Além disso, o jejum intermitente interfere positivamente na atividade das organelas celulares denominadas peroxissomos, no equilíbrio da rede de mitocôndrias celulares, no processo de oxidação das gorduras, melhora a sensibilidade à insulina (prevenção do diabetes), diminui o estresse oxidativo (responsável por danos celulares, doenças e envelhecimento), protege o sistema cardiovascular e melhora a função imune [3,4].

As adaptações metabólicas (ou flexibilidade metabólica) que ocorrem devido às variações do uso de glicose, gorduras e corpos cetônicos (derivados das gorduras), promovem também adaptações neurais que incluem melhor plasticidade (novas comunicações entre neurônios), resistência do sistema nervoso às doenças (ex. Alzheimer e outras demências) e até melhoras cognitivas.

Os efeitos e as adaptações resultantes do jejum intermitente parecem ser consequência de um mecanismo hormético, ou seja, a falta de energia e nutrientes durante várias horas representa um “estresse benéfico” para o organismo.

Para melhor resistir à privação os sistemas fisiológicos se adaptam para poupar energia e usar os estoques. Com isso, melhora a concentração de glicose, diminui os estoques de gorduras, há menor secreção de hormônios como a insulina, o metabolismo se torna mais eficiente e o organismo fica mais resistente às doenças. Infelizmente, em termos de saúde, não existe uma “receita geral” do melhor esquema de jejum intermitente para todos.

Também é óbvio, mas deve ser ressaltado que a alimentação nestes períodos limitados do dia deve ser plenamente adequada para não provocar desnutrição e problemas de saúde.

Por isso, se for optar por esse tipo de estratégia nutricional para obter seus benefícios, consulte uma nutricionista ou médico para ter orientação e acompanhamento adequados.

Jair R. Garcia Jr. – Dr. em Fisiologia Humana (ICB-USP) e professor de Bioquímica e Nutrição da UNOESTE.

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Redação

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