Ensino

MUDAR A ESCOLA. NÃO DE ESCOLA!

O Decreto nº 10.502, divulgado no último dia 30, e que trata da educação especial, é inconstitucional. Tem de ser revogado. ‘Há quatro anos, eu começava a busca por uma escola para minha filha. Foram seis negativas naquela época. Seis! Assim mudar a escola, não de escola, concluí’

Diário da mãe da Alice

São Paulo, 09/10 de 2020.

1 Minuto

Não trabalhamos com esse tipo de criança.” “Não tem vaga.” Pra que matricular se ela não vai aprender?” Acho que não há nada que essa escola possa fazer por ela…” “Precisamos do laudo para saber o que fazer.”

Embora eu tenha sentido raiva e tristeza imensas, sabia que a minha reivindicação era justa e encontrava respaldo na Lei Brasileira de Inclusão.

Errados eram eles, os que me negavam matrícula, e isso me encorajou. Com o tempo conheci os caminhos da defensoria pública e do ministério público. Passei a me dedicar ao estudo e à pesquisa sobre educação inclusiva, a me colocar ao lado das escolas e os professores na busca por uma educação para todos.

Minha filha tem o que consideram uma deficiência grave. Ela não anda, não fala, tem baixa visão, tem disfagia, precisa de apoio e mediação para todas as atividades cotidianas, tem epilepsia.

Sabe por que a deficiência, no caso dela, é grave? Por que o mundo em que vivemos não aprendeu a perceber uma criança como ela como uma vida que valha a pena, como alguém capaz de aprender.

Então, como partem de premissas ‘capacitistas’, não pensam estruturas, tecnologias, espaços, cuidados e currículos que possam considerá-la. É aí que está a grave deficiência: no encontro dela com um mundo que não a reconhece nem a valoriza.

A Escola que não acompanha seu tempo perde sua função.

Um mundo que não considera que ela possa estar na escola regular, porque em sua percepção limitada e limitante, não consegue conceber o corpo dela e a competência na mesma frase. MUDAR A ESCOLA. NÃO DE ESCOLA! Eis a questão.

Justificam o fracasso escolar antes de dar a ela a chance de estudar, e atribuem a suas características biológicas o anúncio do insucesso.

Nesse sentido, reconheço o trabalho que as instituições especializadas (o que chamam de escolas especiais) cumpriram. Acolhem os estudantes que não puderam ter a oportunidade de estudar na escola regular, porque não correspondiam às expectativas do modelo de Educação vigente (exclusão).

Mas, os tempos são outros, e a escola também deve ser.

Então a crença de que crianças como minha filha não se beneficiam da escola regular significa jogar nas costas dessas crianças um problema que é do repertório pequeno, a partir do qual tem se pensado a Educação, e fazê-las arcar com o estigma e a discriminação.

Escola não deve ensinar preconceitos.

Mais ainda, ensina aos demais estudantes que é razoável etiquetar, rotular e hierarquizar pessoas : “essa fica nesta escola, essa tem que ir pra outra, essa nunca vai aprender…”

Assim, sem compreender que a aprendizagem é aquilo que se dá no encontro com a diferença, porque é só assim que é possível criar possibilidades.

Desta forma, a presença de minha filha na escola regular é indesejada porque escancara um sistema educacional que precisa passar por profunda mudança!

Para que possa contribuir para a formação humana e para a transformação da realidade, em lugar de reproduzir o que está posto e perpetuar exclusão e injustiça.

Porque evidencia o quanto nosso projeto de mundo fracassou e deixou dívidas profundas com milhares de pessoas. O caminho para esta mudança já está apontado na legislação vigente, é preciso compromisso para cumpri-lo, é isso que devemos trabalhar.

Porém, ao contrário, se o decreto 10.502 for levado adiante, estarão colocando nas costas de minha filha a ineficiência dos entes públicos em criar condições para que as escolas possam ser um lugar que ensina a todos e a cada um.

Mas, essa conta não é dela, não é nossa. Se é pelo direito de escolha, precisamos defender o investimento robusto e contínuo na escola pública, gratuita, laica e de qualidade. É só aí que poderemos bater em qualquer porta de escola regular e dizer: “oi, minha filha agora vai estudar aqui.”

Diário da mãe da Alice


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Redação

ÆscolaLegal é um esforço coletivo de profissionais interessados em resgatar princípios básicos da Educação e traduzir informações sobre o universo multi e transdisciplinar que a envolve, com foco crescente em Educação 4.0 e além, Tecnologia/Inovação, Sustentabilidade, Ciências e Cultura Sistêmica. Publisher: Volmer Silva do Rêgo - MTb16640-85 SP - ABI 2264/SP

2 thoughts on “MUDAR A ESCOLA. NÃO DE ESCOLA!

  • Boa tarde!!

    Adorei a explanação e este tema é um dos que mais gosto de discutir, afinal até quando haverá essa questão de que tal escola não serve para meu filho, tal escola é isso ou aquilo?? No meu ver isso é arcaico, é o sistema de Ensino que deve mudar e para que haja essas mudanças, é preciso uma reformulação das Diretrizes Educacionais de nosso país, não basta por a culpa na escola ou nos profissionais e sim capacitá-los para que sejam escolas e profissionais com uma visão humanizada e que sejam capacitados a agir de forma que agregue não somente os conhecimentos do que os livros e apostilas trazem, mas que transmitam coisas da vida, coisas do cotidiano…

    Acredito muito nessa mudança e transformação, espero que um dia isso não seja apenas algo que comenta-se ali e acolá, e sim que seja algo implementado e que esteja pautado nas discussões de Políticas Públicas!

    • Excelentes observações complementares Gleycon! Obrigado pela leitura e participação neste fórum que é a revista.

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