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BRICS a Nova Ordem

BRICS e a nova ordem geopolítica global está promovendo alterações profundas e interessantes no cenário político econômico do planeta, antes preso aos ditames dos players fortes do bloco ocidental do Norte global.

Luiz Cesar Fernandes

São Paulo, 26/02/2024

4.3 Minutos.

O BRICS é mais uma resposta às mudanças no cenário internacional que ocorreram após o fim do sistema de Bretton Woods, em 1971.

No acordo de Bretton Woods (1944), surgem as instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), atribuído como autoridade regulatória, e o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Este último criado para fornecer financiamento comercial ou concessionais, e o Banco Mundial, estabelecido com o propósito de promover o desenvolvimento econômico e combater a pobreza.

Entre os objetivos do acordo, o dólar tornou-se a moeda padrão para o comércio internacional, enquanto medidas de controle do fluxo de capitais foram implementadas para impedir ataques especulativos as moedas. Na eventualidade de países enfrentarem dificuldades financeiras em suas contas externas, poderiam buscar assistência financeira do FMI, condicionada às políticas liberais impostas pelo fundo.

O propósito seria permitir a recuperação das capacidades de pagamento desses países, assegurando os direitos dos credores internacionais, com a preservação dos interesses da banca privada.

O sistema de Bretton Woods exigia que os países assegurassem a convertibilidade de suas moedas em dólares, os quais por sua vez eram convertíveis em barras de ouro, com taxas de câmbio fixas entre todas as moedas. Para manter a convertibilidade do dólar em ouro, os Estados Unidos precisavam manter reservas de ouro suficientes para atender a demanda de conversão dos dólares em ouro por outros países.

Reação Mundial ao projeto hegemônico do tio Sam
BRICS a Nova Ordem
      O padrão dólar-ouro tornou-se insustentável. (Img Web)

Isso significa que, para manter a estabilidade do sistema, os Estados Unidos tinham que exportar mais do que importar, para acumular reservas de ouro, ou seja, manter um superávit constante em sua balança comercial.

No entanto, essa exigência criou um problema para os Estados Unidos, que levaria ao declínio do sistema padrão-ouro, devido à sua própria falha inerente, como observado no dilema de Triffin.

Uma vez que o volume de comércio aumentava com o tempo, deve haver uma oferta suficiente de dólares em circulação no exterior para atender à demanda por reservas de moeda estrangeira. Isso exigia que os Estados Unidos mantivessem um déficit em sua balança de pagamentos, ou seja, importasse mais do que exportasse, a fim de fornecer dólares ao resto do mundo.

Se os Estados Unidos tentassem corrigir seu déficit, reduzindo suas exportações ou aumentando suas importações, ocorreria uma escassez de dólares no exterior, ameaçando a estabilidade do sistema como um todo. Com isso, os países foram levados a desvalorizar suas moedas para facilitar suas exportações. Além, muitos promoveram programas de austeridade, com ajustes fiscais que impunham consideráveis reduções dos investimentos em muitas as áreas, principalmente, saúde, educação e infraestrutura.

BRICS a Nova Ordem
5 países organizando a nova ordem econômica mundial, alvos das guerras atuais por conta disto. (Img. WEB)
Modelos falidos, insatisfações e os novos centros de influência

O sistema Bretton Woods funcionou até 1971, quando, de forma unilateral, os EUA o abandonou. Richard Nixon, então presidente, suspendeu a conversibilidade do dólar em ouro, decorrente do elevado déficit comercial americano e dos gastos crescentes relacionados à Guerra do Vietnã que acabaram por levar uma pressão sobre as reservas de ouro dos EUA.

Com o término da paridade dólar-ouro e o advento da financeirização do capital nas décadas de 80 e 90, tornou-se mais comum a ocorrência de crises financeiras. Em especial, a década de 1990 fora caracterizada por uma sucessão de crises cambiais. O Sistema Monetário Europeu (1992); a do México (1994/1995); a asiática (1997), a russa (1998); a brasileira (1999); e, de forma interminável, as da Argentina (1991; 2002; 2015; 2018; 2019; 2022).

As consequências da crise de 2008 também evidenciaram a incapacidade do FMI de atuar de forma imparcial. Tanto o FMI quanto os bancos centrais, visando preservar os interesses do setor financeiro, acabaram por causar um impacto negativo significativo em várias economias.

As instituições formadas no âmbito de Bretton Woods passaram a não ser mais capazes de atender de forma suficiente as demandas de uma nova ordem econômica e geopolítica global. Nessa conjuntura, a partir dos anos 70, mudanças significativas têm ocorrido, resultando no surgimento de novos centros de poder, tais como os Novos Tigres Asiáticos (durante a década de 1990), o Mercosul (década de 1990), a desintegração da União Soviética e a formação de novos estados independentes (1991), o NAFTA (1994) e o G20 (1999).

Além do mais, a influência crescente de países em desenvolvimento, como os membros do BRICS, começou a desempenhar um papel importante, atuando como um contraponto às instituições financeiras internacionais estabelecidas em Bretton Woods, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.

O jogo estratégico desintoxicando os eixos econômicos tradicionais

O BRICS estabeleceu suas próprias instituições, como o Centro de pesquisa dos BRICS destinado a promover o intercâmbio de conhecimentos e experiências entre seus membros nas áreas de ciência e tecnologia. O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) foi criado com o objetivo de buscar alternativas ao dólar, fornecendo financiamento para projetos de infraestrutura e desenvolvimento entre seus membros, facilitando assim o comércio entre eles.

BRICS a Nova Ordem
                             Gráfico do cenário econômico mundial Sec. XXI.  (Img. visualcapitalis.com)

Além disso, implementaram um mecanismo de liquidez denominado “Arranjo Contingente de Reservas” para apoiar os membros que enfrentam dificuldades com os pagamentos. Esse mecanismo passou a ser atrativo a outros países em desenvolvimento que tinham passado por experiências danosas com os programas de ajustamento estrutural e medidas de austeridade impostas pelo FMI.

Outrossim, um ponto importante que não pode deixar de ser salientado sobre os BRICS e o futuro da ordem internacional, parte do pressuposto teórico de Lenin (1918) . O líder soviético aborda o caráter desigual do desenvolvimento das nações. Aponta a tendência dos países mais desenvolvidos perderem seu dinamismo, enquanto outros começam a usufruir do que Gerschenkron (1963) chamou de “vantagens do atraso”.

Para Lenin o desenvolvimento desigual do sistema e a tendência a estagnação nos grandes centros desenvolvidos abririam espaços de poder no mundo. A formação do BRICS obedece a esta lógica histórica de funcionamento do capitalismo, com sua tendência ao surgimento cíclico de polos alternativos de poder. Giros em relação ao centro dinâmico da economia internacional. A crise dialética e suas contradições no bojo do sistema.

Essa tendência se intensifica com a crise financeira global de 2008, na qual se evidenciou a incapacidade dos países capitalistas centrais em lidar com a crise de forma a superar o impasse gerado pela financeirização.

Saltos quantitativos e qualitativos decorrentes

Com o retorno do governo Lula, o Brasil volta a assumir um papel proativo entre os países do BRICS. Ele busca o fortalecimento de laços comerciais, diplomáticos e estratégicos, reduz a dependência de mercados específicos com o intuito de ampliar as exportações para novas regiões. Contudo, isso envolve uma retomada do diálogo com nações da África, Ásia e do Oriente Médio, para explorar oportunidades em áreas como infraestrutura, energia renovável e tecnologia.

Em agosto de 2023, o convite feito pelo BRICS para a adesão da Argentina, Egito, Irã, Etiópia, Arábia Saudita e Emirados Árabes. Assim, ao grupo resultará em um aumento da população do grupo de 41% para 46% da população mundial. Além disso, o PIB (Produto Interno Bruto) combinado corresponderá a mais de um terço (aproximadamente 36%) do total global.

A participação do grupo na produção de petróleo aumentará de 20,4% para 43,1% e as exportações globais do grupo, atualmente em 20,2%, estão projetadas para 25,1%.

Deste modo enfim, existe um inegável potencial de complementaridade a ser explorado dentro do BRICS, visando maximizar os benefícios proporcionados pela emergente nova ordem geopolítica e econômica global.

Em casa a reação da direita extremista. No mundo as guerras.

Entretanto, o Brasil também enfrentará desafios como diferenças entre alinhamento de interesses, variações nos níveis de desenvolvimento entre os países e nas taxas de crescimento econômico (fatores macroeconômicos). Além da competição interna (n.e.: partidarismo político exacerbado na direita conservadora), entre outros.

Portanto, esses desafios demandarão uma liderança política eficaz e uma abordagem estratégica e colaborativa, visando construir consenso dentro do grupo, numa conjuntura global cada vez mais dinâmica, complexa e imprevisível.

Luiz Cesar Fernandes – Ph.D Research Political Science/ Public Administration – Un. Minho

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Redação

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